quinta-feira, 20 de março de 2014



No reino da Bruzundanga

Quem já leu alguma palavra do grande Afonso Henriques Lima Barreto, deverá ter lembrança desse reino das tantas ladroagens, ditas há um século e tão atuais,  vale a pena repetir um pequeno excerto: “Na Arte de furtar, que ultimamente tanto barulho causou entre os eruditos, há um capítulo, que tem como ementa esta singular afirmação: “Como os maiores ladrões são os que têm por oficio livrar-nos de outros ladrões.” Sua missão é, portanto, como a dos “maiores” da Arte, livrar-nos dos outros, naturalmente menores. Bem precisados estávamos nós disto quando temos aqui ministros de Estado que são simples caixeiros de venda, a roubar-nos muito modestamente no peso da carne-seca, no seu ofício de ministro, de encarecerem o açúcar no mercado interno, conseguindo isto com o vendê-lo abaixo do preço da usina aos estrangeiros. Lá, chama-se a isto prover necessidades públicas; aqui, não sei que nome teria...” e por aí vai o grande mestre, ferindo a face oculta dos mandatários da época, como pouco ou nada mudou nesse reino da bruzundanga, tomemos as palavras como atualíssimas, pois não? E semelhante ministro daqueles “maiores” de que a Arte nos fala, destinados a ensinar-nos como nos livrar dos nossos modestos caixeiros de mercearias ministeriais. Num outro trecho de sua obra, (No gabinete do Ministro) o diálogo do pretendente a um emprego público com o Ministro: “- O senhor quer ser diretor do Serviço Geológico. – Estudou geologia? –Não. –Sabe sorrir? – Sim. – Sabe cumprimentar? – Sim. – Sabe dançar? – Sim. – Sabe escrever com desembaraço? – Isso não sei, não... – Não faz mal, o essencial o senhor sabe. O resto aprende com os outros. Está nomeado. Mais um exemplo atualíssimo: (Recordações do escrivão Isaías Caminha) Um rapaz foi mandado procurar um deputado para conseguir nomeação, este morava num hotel com a velha esposa, onde o porteiro disse que o doutor vinha pouco ali, morava sim, mas não estava. Deu-lhe outro endereço, em lá chegando, foi atendido por uma bela moça, em roupas de dormir, que pediu para esperar, que o deputado estava levantando, esperou um bom tempo, o deputado atendeu, pegou a carta de recomendação que trouxera de um delegado, foi muito solícito e encaminhou-o ao escritório no dia seguinte, que iria ver o emprego, saiu satisfeito, no dia seguinte, indo para o encontro, leu no jornal que o deputado tinha viajado.
Exemplos não faltam na obra desse grande crítico, que encaixam perfeitamente nos dias atuais, por quem então acreditar que mudará alguma pedra nesse xadrez  especulativo que se move no tabuleiro, desde os mais insignificantes “cavalos” ao “rei”? Este ano temos várias trocas de Ministros, vários deputados prometendo empregos, tantos se acomodando por saber sorrir e dançar,  tantas falcatruas...  Dizem alguns entendidos que os eleitores são culpados, por votar mal. Talvez, na próxima oportunidade vamos perguntar a esses profetas quem são os que não decepcionarão, viajando fora do combinado, assinando fora do contexto, liberando verbas... etc. Mas, penso que ainda não é desta vez que vamos acertar o alvo. É, Afonso Henriques, foste criticado na época por botar o dedo na ferida, mas essa ferida não cicatriza nunca, meu caro, e ainda vai infeccionar muitos outros, até que se revolva ouvir as críticas e tentar exumá-las para procurar a cura de tais males fétidos da sociedade mesquinha.

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