domingo, 22 de maio de 2016

Lápis e papel


Sou desse tempo,
De lápis e papel e,
Sobretudo, borracha,
Apagando os maus momentos,
Erros, arrependimentos...
Vagas lembranças de quando
As comidas não vinham em caixas,
Mas em canteiros estrambalhados,
Brotando serraias e espinafres
Sem plantio ou cuidado,
Entre as varas de tomates...
E sandálias de brim com solas
De cordas e cadarços barbantes
E uma infinda coisa de antes...
Vou sentar nessa calçada
Jogar burca com a molecada
Cansado de devorar momentos
De sinos e de alarmes, 
Correr vara pelas grades
Assustando cães de guarda
A dizer que sem dinheiros
Corríamos a feira, a igreja,
Uma fé sem oferendas,
Uma reza de assim seja.

sergiodonadio.blogspot.com
editoras: Scortecci, Saraiva.
Incógnita (Portugal)
Amazon Kindle, Creatspace
 Perse e Clube de Autores


De repente sou um velho


De repente sou um velho?
Vestindo preto e chinelos,
Portando com arrogância
De sabedor das passagens...
De repente sou um velho
A descalçar meus chinelos,
A colher outras pessoas 
e aprender a não cuspir. 
Manter-me seco e alinhado,
Pagar o aluguel e dar
Bom exemplo às crianças, 
Ter amigos para jantar
E ler os jornais vespertinos...
Mas talvez eu deva praticar
Nas pessoas que conheço,
Estou chocado e surpreso, 
De repente eu sou velho!
E começo a usar preto
Como batinas dos padres
E as togas dos juízes...
E a má-criação da idade
Desconfiado das verdades
Mentidas por ser já velho,
E ladino.






Começa a fazer sentido
Cenas com que convivemos
Por convir ao sossego...
Ao dispor de mero emprego
Entre fadigas e raivas
É que o tempo nos manda
Consentir com esparrelas.
Começa a fazer sentido
O ver sem compromisso 
De olhar aprofundado...
Fazendo profissão disso,
De querer ganhar favores
Sem lavores... Desperdício
Na saudade das horas
Inconsumíveis nas lavras,
Nas indecisas aparagens
Deixadas crescer em heras
Criadoras de mosquitos.
Mas já não faz mais sentido
Sentir-se perdido e tolo
Ante aras desse ofício,
De lavrar palavras podres
De troncos carbonizados
Na viva ação de passados.






Estando sozinho dos outros,
Posso repensar melhor
Meus pensamentos de ontem
De quando ouvia cochichos
De além ouvidos moucos...







Também o matador
Um dia será morto,
Criando cinza no espaço
Como outros condenados...











Despenseiro


Não descansa
Na paz que poderia ter
O velado comandante
Dessa casa...
Na casa sobraram pedaços:
Um paletó esquecido na cadeira,
A cadeira cansada de balançar,
O cinzeiro, seu cheiro de fumaça,
A garrafa pelo meio, a tigela,
Também meada, de paciência,
De pipocas salgadas demais...
Um letreiro sobre a campa
Conserva a memória
Do velado e seu relógio,
Que não veio sustentar
Sua última hora, sobra o
“Descansa em paz” um letreiro
Na coroa de flores coloridas,
A descanar a vida...









Malamento


Os cidadãos
Deitados nas campas
Já contam em maior número
Que os andantes pelas calçadas...
Mal sinal, a cidade
Está se distraindo
De renascer nos nascituros,
Mas os vencidos
Pelo desnascer
Continuam a sua prole
Deitando-se nas campas
A assistir o campo de batalhas
Que é viver essa nova
Geração de malas,
Com seus males...











Da época dos ferros velhos


Da época dos ferros velhos
De automóveis, montanhas
De para-choques, capôs,
Paralamas e parafusos
Convivam conosco...
Muda o tempo, a inofensiva
Ferrugem se abate ante
Esse ferro velho de CPUs
Envenenando ao redor
Com sua toxidade.
Que tempo é esse, efêmero,
De carros mortos e cornos
Espalhados pelo matadouro,
Nesse chão de restos,
Hoje cuidados dejetos de robôs?
No tempo de daqui a pouco,
Quando ressuscitarem todos,
CPUs, carros, bois e pessoas,
O lixo será esquecido entre
Cirrosos habitantes dessa
Nau de insensatos.









Os profetas de ontem
Já não estão isolados,
O futuro, tão rápido,
A se tornar passado.





















Nenhum comentário:

Postar um comentário