domingo, 20 de novembro de 2016

Monologando


Se falo com meus botões,
Meus botões entendem.
Se falo com teus botões,
Teus botões entendem.
-Por que só tu
Não me entendes?
-Conclusão:
Por não seres botão!















À margem


Almas partida,
Corações amargurados
À margem da lida,
No senso de partida…

Os passos passam
Mendigando vidas,
Alhures o remorso se reparte
Em formas de dessaber os dias
Levado a procurar valores
Onde se perdeu a despedida.
Os cães que ladram
Estranham o passos desses pés
Machucados.

Desde o porto de partida
À margem a contagem regressiva
Faz-se capaz de ver o mal
No ato da varrida.




Desaprendimentos


Não se nasce sabendo…
Odiar, desprezar, dividindo
Em raças as cores das pessoas,
Os olhos, os cabelos, os meneios…
Aprendemos isso nos ismos.
Todos somos paridos
Dos mesmos genes…
Isto é tão lógico que assusta
As ações de racismo e fobias…
Somos pessoas ou somos pedras?
Navegamos juntos essa nau
Perdida num espaço sideral!
Toma jeito, menino,
Aprenda a sustar seu racismo,
Seu egocentrismo, seu idiotismo
Entre tantos ismos adube
Seu solidarismo!






Um lugar de espera


Um lugar de espera
Para o trem passar, o ônibus,
O barco das travessias…
O amor fenecido…
A mão do amigo…  ex…
Um lugar parecido
Com todos os outros lugares
De sua espera.
Um lugar de espera
Pelo dia de hoje, inda ontem,
Pelo sonho de ontem, inda hoje.
Um lugar de espera
Pelo fim da espera.










Das futilidades


O caminho está florido
Entre areia e espinhos …
Formigas comem milho
Plantados leira em leira
Entre cafezais arruados
Para a próxima colheita…
Quem sabe o que isto é,
Além da futilidade
Que parece ser?














Arrego


Corri os dedos
No alto da tua cabeça,
Já não tinhas mais cabelo.
Olhei dentro dos teus olhos,
Já não tinham mais brilho.
Toquei tuas mãos geladas
Sentindo que já não estavas…
Para onde pensas ir agora,
Já fria?
Para onde ir embora,
Se não ias?
Corri os dedos
Sobre teus olhos, fechei-os
Em despedida.









Carochinha


Todas as estórias
De em criança
Aprendi-as nas ruas,
Não eram tempos
De estorinhas de mães,
Eram tempos de guerra,
Difíceis tempos duros
Da mãe ocupada
Com seus dez filhos
Em fiada…













Das desacontecências


Eu não saberia dizer
Quanto vivi desde a infância
Crescida no pós guerra…
Eu não poderia dizer se vivi
Esses anos todos, sorridente…
Eu preferiria saltar uns tempos,
Por inúteis, por doídos…
Mas sei que estou aqui
Para contar o tempo vindouro,
Dedo a dedo, dedal a dedal,
Desse acontecimento que é
Continuar respirando esse sal
Da terra prometida sincera,
Viva, semeada de belezas…
Eu não poderia contar o vivido
Sem lágrimas… Então me calo,
E calo palavras não minhas
Nesse perdulário de estórias
Desacontecidas.




A música dos movimentos


Passamos a tarde resumindo
A felicidade em alguns atos
Corriqueiros do dia a dia…
Os carros em movimento,
As pessoas em movimento,
A música desses movimentos…
Os pés deixados ficar
Nesses sapatos novos…
A ideia de pousar os pés
Sob os pensamentos
E liberta-los.
Passamos a tarde ouvindo
As mães ninando seus filhos,
Os outros fumando o narguilé
Entre copos de Chopp…
Entre nacos de carne
E nacos de verdades…
Eu não saberia dizer-te
O quanto valeu esta tarde…




Cuidados


Eu tenho sido cuidadoso
Com minhas palavras amargas,
Adocicando-as antes de proferir
Ideias soltas na necessidade…
Eu tenho visto derraparem
Os carros nesse barro de chuva
E as pessoas nessa seca de ideais…
Mas guardo meu silêncio ignaro
Sobre motivos, sonhos, desilusões…
Eu não poderia consertar isso
De viver entre lágrimas e sorrisos
Necessariamente alternados
Para manter limpo o juízo.
Eu não sei quanto vivi desde aquela
Infância presumida sadia
Entre os cacos da memória
E a vantagem dos esquecimentos…
Mas sei que agora estamos aqui
A usufruir desses momentos,
Pensados felizes.



Aos olhos da natureza


Aos olhos da natureza
Somos mais uma samambaia
A verter folhas
Na frescura da tarde,
Sustentando parasitas
Que florem por ela
Suas orquídeas…
Por ela que, como nós,
Não flore nada.














Atônito


Havia assombrados
Momentos
Em mim, em nós?
A fazer desfavores
Aos primeiros nomes,
Como fora a tarde
Na noite passada,
Como fora o dia
De ventos uivantes
E saraivada de balas,
Vindas não sei d’onde…
Como fora o choro
Do nascituro
A assustar a mãe,
Ainda não feito dela…
Sonhei com isso esta noite
E tudo já não era…






O esquecido das derrotas


O esquecido das derrotas
É o não cicatrizado…
É a hora amarga do choro,
A formulação dos dados…
O esquecido das derrotas
Põe fim às dores do parto,
Das partidas, atrolados…
Essa parte sensível de ceder
À matriz dos envolvidos
Na lei de ir só por ir-se…
No esquecido das derrotas
A vida continua ao sol,
Os pingos continuam molhar
Rabiscos a giz nas paredes…
O último apito do trem
Das aparências perdidas
Das idas do muito cedo…






Os caminhos do jardim    1964


Floresce em pedra a flor e cintila,
Odora na escuridão a redondeza,
Cada pétala socorre-se ao vento,
Agradece à água em suas lígulas.

Grata flor que ensina caminhar,
Que não corre nem voa, pipila,
Nem ruge ao vento ou se iguala
Ao sangue que ponho em dívida.

Flor que ensina, em sendo homem,
Prevendo pela tarde a noite densa,
Que não foge à tempestade, torce,

E odora o perfume de sua presença,
E me diz que de tarde a tarde some
Mas virá na manhã, tem paciência.

Sergiodonadio.blogspot.com
Editoras: Scortecci, Saraiva. 
Incógnita (Portugal) 
Amazon Kindle, Creatspace
Perse e Clube de Autores





Cerzidos


A alma não se desfaz,
Fica nas coisas que deixaste
Para trás…
A mesa lembra seus bordados
E seus livros…
Sua cadeira espaldeada
Em gestos prontos…
E algum sentido nas porcelanas,
O dedal no cirzo dos uniformes…
Mesmo nos nomes nas coisas
Que te tinham,
Lembram seus gestos…
Fica lá na casa cuidando coisas
Seu retrato na parede
E esse vazio que ainda chora
Pois que a alma não vá-se
Embora…






Meu livro de poemas


Num livro de poemas
Estão as novidades…
Procuras pelo novo
A cada viagem,
A cada jornal lido…
Relido, jogado fora,
Na fria tela da Tevê,
Nas ondas do rádio…
Nas mensagens
Do computador…
Essas notas,
Desunidas da realidade,
Por amor ou sem amor
A dor está de passagem…
No livro de poemas
Estão as novidades.



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