terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Ciclos
O que a vida nos dá,
A vida nos tira…
Não temos nada de nosso,
Nesse corpo, talvez na alma,
Tudo é empréstimo…
Alguns se resolvem 
Armando guerras insanas,
Outros pregando borboletas
Em vidros expostos 
Nas paredes de suas salas, 
Cabeças de alces, bustos 
De heróis… Todos mortos
Nessas trincheiras malfadadas.
O que a vida nos dá,
Além de nadas?
A visão de cada ponto difere
Do outro ponto armado longe.
Para um boêmio o prêmio
É a madrugada… Para um pastor
O prêmio é a alvorada…
Para o pescador, para o laçador,
Para o desembargador…
A dor… A dor da jornada…
O equilíbrio entre manhãs frias
Em mar aberto, desértico,
A pastaria onde se perde a cria
Ou as manhãs condicionadas
Em salas ultra fechadas…
Qual a sua solução ao nada?
Ainda é cedo para finar-se,
Para iniciar-se talvez seja tarde…
O viajor prepara a mala,
Promessa de aventura rara…
O colecionador encontra a gralha
Azul de sua forma inesperada…
Talvez o canto da arara
Seja o dia da redenção…
Talvez o grunhir do bugio
Em plena mata, ou o trem
Em plena cidade fechada…
O que a vida nos dá
A vida leva por enxurrada…
O sangue deixado correr
Ao pé da enxada
É o mesmo da luta armada?
O boi não guerreia mas perde
Sua batalha… O cão apanha,
O menino apanha, o velho apanha…
Quem é o dono da chibata?
A trilha que nos leva adiante
Informa que a fauna errante
Fará do trecho a conclusão usitada:
- tu tens tudo, na tua escolha,
Na recolha vertes ao nada.
Nesse tabuleiro das damas
O astuto tem sua cartada,
O sortudo sua chance vitoriosa
Urdindo peças à sua jogada
Sem a noção, com a mágica
Da sorte escalonada…
De onde verte essa água santa,
Que expõe ideias a talentos,
E faz-se vencedora ao alento
Da fé na mágica?
Nesse tabuleiro as damas
São corriqueiramente usadas,
Queira sobre a mesa posta,
Queira sobre a cama 
Desarrumada…
No que a vida nos deu
Sobrou a tarde suarenta
Para a próxima jogada…
A que contrapõe ao sermão
O sermão da igreja, ao sermão 
Do ateu convicto da razão.
Ao servir-se o vinho e o queijo
Não há diferença entre eles,
Apenas a mão ao sinal da cruz
E a outra mão jogando as cartas,
Quem se ilude com essa luz,
O patriarca?
Não esqueçamos os soldados mortos
Nessas batalhas ao fazer de conta
Que, surdos, deixamos de ouvir tiros
A nós fadados a perder-se o rumo.
Não esqueçamos que a arma
Agora por eles, soldados, empunhada,
Tem a obscura meta à cabeça errada.
As joias roubadas, corações magoados,
Tudo se julga no mesmo prelo
Desses valores desmaterializados
Em formas sutis de erros
Pela quantia de moeda em cada saco
Aqui mostrado ao magistrado
Cônscio da própria necessidade.
Convenhamos: a vida não nos deu
O que quer de volta no correr
De nossos suores e nossas lágrimas…
Apenas nos emprestou as valas,
As malas, o conteúdo delas,
Seja de roupas ou jararacas…
As valas e as malas vêm cobertas,
Desvendemos o mistério
Entre as nossas sortes e mortes
Na bruta escala.
A ideia de posses é ideia vazia,
Entre as alegrias e alegorias
Há um mistério a ser desvelado
De nosso futuro em nosso passado.
O mal hábito dos cretinos e das hienas
É rir falsamente em cada grunhido,
As fomes se alastram à revelia
Dos condutores dessa manada…
Empresários se iludem com o mando,
Empregados se iludem ser mandados,
Enfim, todos temos a mesma sina,
Somos alvejados pela mesma flecha
Induzida a ferir salvados…
E nada difere entre essas pessoas,
Brancas, negras, amarelas 
ou avermelhadas pelo intenso turno
Das trincheiras fabricadas.
Pessoas que mandam em pessoas,
Porque essa é a lei constituída.
Pessoas com amplas janelas abertas
E pessoas com as janelas fechadas,
E até pessoas sem janelas…
Porque essa é a lei constituída.
Gentes correndo em suas rezas,
Gentes bebendo nas calçadas,
Se prostituindo de outras formas
Porque essa é a lei constituída.
Pessoas que têm tudo e não têm nada
Porque não há lei constituída
Para nossa extensa caminhada.
Alguns vieram dos longes,
Outros desistiram nos longes
Apenas respirando o ar de graça
Entre monges… As cobertas 
Encobrem cabeças envergonhadas…
A malícia encobre consciências
Desavergonhadas
E partimos para nossas verdades,
A verdade de cada um 
A cada mentira aceitada.
O que fere sua ferida,
Senão a visão do outro?
- Seu desconforto.
Uma dieta alonga a vida…
Para que? Para quem?
A corrida ao ouro a corrida ao nada
Que faz-se ritmo nas madrugadas…
Nessas manhãs preguiçosas a corrida
Leva ao próximo descarte,
O infarto equivocando o fraco…
A noção do risco, o risco da noção
De tardos na alienação lucrada
Pelo tempo vida….
Conclusão:
A vida nos tira o que não nos deu,
De empréstimo a juros caros
A cada parada.
Sergiodonadio.blogspot.com
Editoras: Scortecci, Saraiva. 
Incógnita (Portugal) 
Amazon Kindle, Creatspace
Perse e Clube de Autores

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