segunda-feira, 5 de dezembro de 2016




Quase tudo está perdido
Porque a mata é densa
E a mente é crassa.
Quase tudo está perdido
Nessa mesma raça
De animais poderosos,
Sem jaça…
Quase tudo está perdido
Entre o mar e o nada…
Nessa terra de poeiras
Devassadas…
Quase tudo está perdido
Nessa vã filosofia
De arcados seres impassíveis…
Impossíveis opiniões não dadas…
Quase tudo está perdido
Porque o canto é raso,
A opinião é pífia…
A mansão fechada
Aos olhares famintos…
Por isso, e por tantos males
Quase tudo está perdido
Nesses vales.




Penuriosos


O corpo, por insano,
É acabável
Ao som do vento forte
Das noites brabas…
O corpo, por penurioso,
É frágil
Ao som das noites dormidas,
Acordadas…
O corpo, esse mesmo que
Ingere gorduras e mentiras
E se sente mal com isso,
É palatável…
Ao ponto de sorrir
Ao sofrer-se trágico
E chorar à alegria atávica…
O corpo, em sendo água
Se dissolve em nada.






Braçalmente


O trabalhador braçal
É sempre braçal…
Até nos pensares vagos…
O trabalhador braçal,
Como esses bois de engenho,
Fazem rodar a moenda
Sem nunca saber porquês…
Em 1900 eram eles a moenda,
Em 2010 eram eles a moenda,
Em 2050 serão eles a moenda?
A moenda cega a visão
Das graves ofensas
Por mais que o mundo evolua
O trabalho braçal terá sempre
A mesma dor, a dor de girar
A moenda não tomar a garapa
Que produz e reproduz
E faz-se sangue dessa água
Braçalmente lavada.







A crença religiosa,
Como a luz do sol,
Dá confiança
Ao que já confia…





Os ateus e os cegos,
Por não verem a luz
Sentem-na no calor do dia…






O sol entre paredes
Seu claro especifica
A vida que passa
No tempo que fica…






Os senões estão resolvidos,
Os que pude vencer,
Os que me puseram vencido.






Alheios


Preciso tocar na ferida,
Dizer ao outro
O que acho errado,
Mostrar ao filho,
Prevenir ao vizinho
Sobre erros crassos.
Dizer ao votante
Que está errado.
Mostrar ao mandante
O errado perpetrado
Socorrer o mendigo
Do abastado…
Talvez eu nunca saiba
O que em mim está errado,
Para ser consertado.




Um dia desses em 1959


Um dos males da modernidade
É a surpresa:
Ele ligava os fios à casa,
Sobre o poste da rua
Na mesma quadra os homens
Da companhia ligavam outro,
Sempre deu tempo, ele disse,
Enquanto eles chegam à central
Eu ligo.
Aquele dia eles testavam um rádio,
E mandaram por ele religar a carga,
E ele derreteu-se em nada.






Papel de parede


As borboletas
Do papel de parede
Já voaram dali…
Há agora umas manchas
Dessas presenças.
Tudo parecia fácil
No começo,
Mas com o tempo
Foram-se esvanecendo
As borboletas desenhadas
E sobraram sombras
Desses pensamentos…







Crestomático


Um dia, faz pouco tempo,
Vi-me a caminhar a esmo
Entre árvores nativas,
Cortei-as todas,
Fiz delas taboas rasas
Que comerciei em termos…
O que, de raro me extasia,
Sumidores de uma raça.
Tu, velho pinheiro,
Eu, menino ainda,
Perdemo-nos nessa mesma
Crestomatia.







Melosidades


Se o ser humano
Fosse humano,
Como o gato é gato
E o cão é cão,
A sinceridade de ser
Poria ordem
Nessa balburdia
Formada de opiniões
Rançosas…
Melosidades
De olhos mentindo
Frases…







Apoliticamente


Estava limpando as unhas
Quando me chega este homenzarrão,
Maior ainda por eu estar sentado
Na calçada, e diz-me sobre o ataque
Dos urubus nessa tarde quente…
Realmente eles sobrevoam a carniça
Que exala desse corpanzil deslavado.
Talvez estejamos todos sujos assim…
É de se pensar que todos estamos
No limite de nossas sujeiras…
Mas não nos damos conta disso,
O homem está mais sujo que eu?
As pessoas mendigando estão
Necessariamente mais sujas?
Essa dúvida me leva a afastar-me
E não desafiar os urubus em sua caça
À sujeira humana de nossa raça…
Eu estou apenas limpando as unhas
Enquanto o mal cheiro passa.



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