quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Esparsos


Nesses tempos
De difíceis dores indefinidas
Existe algo digno de contar:
As fases vividas em par
Com essa outra pessoa,
Sem grandes solavancos
E quase nenhuma ranhura.
Mas os fatos se fundem
Sem causa nenhuma…
Apenas esse sol sendo na janela
De onde espia os gestos
Desde o meio do dia hoje…
Nesse tempo os azuis esparsos
Podem sumir de vez, sem aviso,
Apenas não esperando esse sol
Reamanhecido.







Pretextos


Sentado em frente
Fico observando,
(Não apenas vendo)
A mãe ensinando
Tomar sorvete…
Imagino quanto
Já ensinou a este filho
Desde que aprendeu
A pegar o peito
No primeiro abc da vida…
Benzendo quebrantos,
Soluços com fios da manta,
Seus tombos e sacolejos…
E sei que daqui a pouco ele
Irá desdenhar do conhecimento
Dessa mãe em seus pretextos…
Até que, vendo-a vencida
Pelos cansaços da vida,
Reconsiderará seus preceitos
Ao ouvir, em meio suas dores,
Que está tudo bem,
À despedida.

O poeta é o cavalo de trote


O poeta é o cavalo de trote,
Não serve pra rodar moenda,
Não serve pra arar canteiros,
Não serve pra puxar charrete…
O poeta é o cavalo de trote
Sendo sincero quando dorme,
Menos mentiroso que político,
Tão religioso quanto um padre?
Mas duvida que se o decifrem
Em suas vontades e valores
Nessa grade sem louvores…
O cavalo é um poeta de mote,
Sonhador… Viageiro… Árido
Em suas verdades, verdadeiro,
Nas dos outros torna esquivo…
                                   Mas estivo.







Achados e perdidos


Perdi um pé de meia.
Nada mais corriqueiro
E desnoticioso,
Mas,
Assusta-me perceber
Quão imprestável fica
O outro pé…
Jogado num cesto.
Jogados num cesto
Com se sentem os viúvos?
Os órfãos? Os deixados?
Talvez assim como a meia,
Perdidos em suas descoloridas
Ansiedades…
Talvez imprestáveis,
Talvez relevados a trapos…
Nos talvezes me amparo
E os guardo.





Desistências


Vejo na estante da livraria
Que uma agenda 2017,
Em branco!
Custa mais caro que um livro
Preenchido a duras penas
E rabiscos, e pensares…
Seja conto, crônica ou poesia,
Seja romance, historiografia…
Auto ajuda… Quem precisa?
O apressado senhor,  
Tendo de se impor horários
A confabulários,
Peita o custo aviltado
E leva o livro em branco,
Desempoeirado…
Por isso, caro amigo,
Não mais edito…
Que papel custa caro,
Pra ficar mofado
Neste armário.



Que a paz esteja convosco


Ouvir a pregação da franqueza
Apraz-me saber que me valha
A mão sobre ombros e o olhar
Fixo no vazio do teto abobado.

Raramente um padre convence
Meu instinto meio desconfiado
Mas esse atende os requisitos
Que estabeleço à inconsciência

De ser grave e meigo ao tempo
Ante as atrocidades de lá fora
Ao período dos desacreditados

Senhores de nossas derrotas,
Prendedores de nossa batalha
Na inconsciência dos violentos.






Paladares


Se sinto gosto amargo
Ao experimentar um evento,
Ponho-o de lado.
Se sinto gosto de podre
Na convivência amigável,
Torno a rever o passado.
Mas se sinto o doce no olhar
Desse convívio,
Retorno ao tempo atrás
A ter comigo.













Motel verdade


Meu amigo indignado:
- Há um motel
Na entrada da cidade
Que não tem porta no banheiro!
A atendente justificou:
- A intimidade desses momentos
 Dispensa privacidades…
- Absurdo!
Estou aqui gozando o prazer
Da companhia na cama,
Não quero compartilhar
Minha cagada!











Viúvas de parceiros vivos


Essas mulheres
Desamparadas,
Que vivem suas saudades,
Estão nas janelas
De suas casas
Espiando a paisagem,
Com seus companheiros
Dormindo ao lado…
Abandonadas.














Recorro
Do livro “Nas profunduras do tempo”

As gentes se convencem
Das reais necessidades
Quando a fome e o frio
Se agregam no fim das tardes…
Aí pode ser tarde.
Alguns não chegam
A esse estágio de penúria,
Fenecem antes,
Outros não se apercebem
Porque toda sua existência
Foi de fome e frio…
E os que não pensam,
Milionariamente sucedidos,
Quando percebem que
Fome e frio independem
De numerários
A mais ou a menos,
Mas do gelo das estações,
Das intenções, da parceria,
Avultam-se nos gestos
De comoção tardia.

CONVIDO-OS A VISITAR MINHA PÁGINA
E VER COM MAIS INTIMIDADE VÍDEOS E TEXTOS
Sergiodonadio.blogspot.com
Editoras: Scortecci, Saraiva. 
Incógnita (Portugal) 
Amazon Kindle, Creatspace
Perse e Clube de Autores




A um tempo
Se fez silêncio
A algazarra viva…
Onde os gritos meninos?
Onde as rabiolas?
Onde os convivas
De esvoaçantes vidas?
















Primeira profissão


Os fabricantes de bigornas
Desapareceram…
Os fazedores de rodas raiadas,
Os instaladores de ferraduras,
De fornos a lenha…
De torradores de café…
Desinstalaram-se.
Os benzedeiros, os curadores
Das feridas d’alma…
Os musicantes dos autofalantes
Das praças públicas…
Até os afiadores de facas e tesouras
E os consertadores de guarda-chuvas
E panelas descabadas…
Só as putas não desistem
Nas praças e esquinas mal iluminadas,
Com suas pernas envarizadas,
Seus peitos caídos, suas manchas
De batom e rímel…
Suas feições vencidas pelo trato
E suas bolsas…. E suas mágoas.



Nenhum comentário:

Postar um comentário