quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Entre salmos
Entre o grito angustiante
Desse chão desértico
E a voz de um deus
Que parece sempre certo
Levanta-se um NÃO!
Em efervescente dúvida:
- O que existe, além dessa agonia,
A libertar a nostalgia prenhe?
Pode seja alguém vindo 
De há dez mil anos…
Ou alguém nascendo agora,
Por engano…
Mas esse alguém gritante
Inda falará em paz,
Essa paz desiludida antes,
Posta na égide do dia
Que virá por hoje 
Optar pela sangria 
Dos valores pétreos
Da geração que morre
Sem voltar atrás.
Quisera a dúvida ser apenas esta,
Mas corre sangue ainda em faces mortas,
Deixadas ficar pelas derrotas…
Alguém gemendo entre moribundos
Desse massacre em nome de religiões,
Mesmo com seus membros decepados
Ferve de fé sua máxima dor…
Alguém a ensinar como pode
Um sarcófago deixado para trás
Levantar-se na penumbra de sua fé
A perscrutar as novas teorias…
E ser capaz?
Porque, enfim, a voz que sussurrava
De um túmulo milenar acorda,
Põe em dúvida a fé cega dos demais
E se levanta… Sim, levanta-se a alma
Desse antigo apóstolo
E se diz incrédulo desse monoteísmo 
Que sofre fomes e sedento aceita
Como destino!
Cada palavra é uma única palavra,
O que faz todo sentido para um
Ao outro não diz nada…
Pode seja a vida uma passagem
Como pode ser o fim, finalmente,
Entre outras galáxias,
E de repente morre-se a carne
Apodrecida que seria vida,
E some-se a chamada alma,
Por desprovida…
Quem sabe… Oh, quem saberá
O que se passa sob a terra acima
Cobrindo a sete palmos 
A chamada dor da vida?!
Estariam certos os incrédulos?
A dúvida que esse deus duvida
Pode ser a verdade definitiva?
O chão que nos protege
Seria o céu esperado antes,
Ou apenas somos passantes
Como o foram os dinossauros,
E sabe-se lá quantos?
Mas deve haver sim uma alma
Libertando-se deste corpo inerme
A cada vez que morre
Um coração cansado
Ou um fígado destroçado
Pelos vermes…
Ah, que bom seria a certeza
Dessa hora, a finda hora
De respirar convulso 
E desligar-se mesmo os tubos
E a esfera a esfarelar-se nisso
Que o doutor inspira e densa:
- Foi-se a vida.
Mas que vida se foi agora?
A mesma que seria tua espera?
É… Contigo, amigo,
Que procuras tal resposta,
Chegada tua hora
De uma dor profunda,
Saber se existe mesmo
Nova aurora
Ou se findou-se aquela fé
No mundo…
O que fazer do feto nascituro
Se ele vem morto,
Ou se vive penitências?
Ou que fazer desse senhor
Que afoga-se em mágoas
Mas inda respira
Sua última batalha
De um guerra 
Que já foi perdida?
Entre o grito angustiante
Desse chão desértico
E a voz de um deus
Que parece sempre certo
O homo sapiens caminha ainda
Com machadinha e procura
O calor do fogo para sua intensa
Dor ao gelo que avizinha…
Faz tempo que morremos disso,
Das dores nesses peitos duros,
Das fomes nessas mentes vis…
Por tempos imemoriais passamos
Das dores físicas às dores morais,
Arrependidos de feitos pobres 
Entre os feitos amorais…
Estávamos nus sob esse gelo,
Vestimo-nos pela sobrevida
Ou pelo pejo?
Somos o resultado evolutivo
Ou somos mesmo frutos
Desse barro para aonde 
Retornamos, idos?
Pois é, meu santo, 
Quanto me proteges
Das dores suportadas pela fé?
E aos ateus, nobres senhores
De sua gnômica palavra
Entre cordeiros que não dizem nada
Quando sacrificados ao chão 
Perdido entre mágoas?
E o santo a que santo paga?
Se somos devedores de pecados
Por que então absolutos fardos?
Se esta força de não crer em nada
Pode ser a palavra que salva
Quantos inquiridos foram salvos
Na inquisição forçada?
Pois é, meu agnóstico pecador,
Como te proteges
Dessa dor?
Se a vida acaba,
E ao acabar perdoa mágoas,
Pois vê-se a quietude 
Desses defuntos deixados sós,
Que o tempo comerá suas carnes
E deixará os ossos a rir de nós…
Nós, que tememos a morte física
E não sabemos aceitar 
A tísica proposta de voltar…
E, se volta, pode ser a solução
Mais lógica, onde estarão o idos
D’outras gerações, se somos
Muitos mais a cada nascedouro?
A cada geração povoamos vilas
Que se transformam em metrópoles
A nos suportar, se tantos…
Tantos se revoltam
Por não ter esperança monetária,
Que aos outros encanta…
Por fim, o que somos nós,
De tantas faces perdulárias,
Se gastamos o que nos faz 
Endividados por gerações,
Futuras ou passadas?
Somos a soma das espécies?
A fina flor do que nem floresce
Entre daninhas a nos reflorestar?
A dúvida faz parte de nós,
Que dogmas mal explicam
E a ciência tenta explicar.
Somos o grito angustiante
Desse chão desértico
E a voz de um deus
Que parece sempre certo…
Ao apregoar.

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