quinta-feira, 26 de abril de 2018


Charneira


O espelho que ora me vê
Não me enxerga como eu.
Sei que esta dor não se mostra,
Que este labor se esconde
Nas barbas por fazer…
Charneira me mostra em rugas
Que não me sei,
Este cansaço de olheira
Faz-se inimigo da vida inteira
Que me põe a derreter.




















Constatação


A poesia que se inicia
Se irradia…










Ao pensar-me fazedor
De discorrer meu dia,
Não me descrevo nele,
Delineio em si o dia…

















Se a paz desse momento
Não lhe faz sentido
Socorra-te desse estorvo
Sem pensar-me aguerrido.
Que a paz esteja convosco
Se a guerra em “vosco” estiver.








Quantas palavras cabem
Num pensamento?

















Esta chuva, da grossa,
Grassa sobre roseiras
E despetala os pés
Dos meninos na poça.









Ideia mole em cabeça dura
Tanto bate até que burla…


















Cachola funciona direito
Se o explicar não for estreito…












Às vezes no silêncio madrugueiro
O murmúrio das folhas multiplica
E assusta o solitário solteiro
Em sua cama de espinhos…












Voláteis


As agruras de meus avós,
Suas fomes de sonhos,
Suas mãos calejadas
Fazerem-se lágrimas…
O amargor das viagens,
Dos plantios às colheitas,
Alheias enquanto meeiras,
Fazem suas defensas
Ante as tardes e luas cheias…
As tristezas… As tristezas…
Trazem para minha alma
A politizada aspereza
Que se levanta ao gemido
E me põe em guerra
Sem outro sentido
Senão o de querer
E não ter ido…
















Eu me faço descobridor
Dos ares das marés…
Me faço provedor de minha fé,
Corcoveando um cavalo baio
Que se empina ao meu lado…
De dentro.
Eu me faço outra vez moleque
E me dou o direito de quebrar
Vidraças e conceitos velhos…
Me faço alto e bom som
Perscrutador das melodias
Que ouço a partir do vento…
Por isso posso me fazer estátua
Se me convier calar palavras
E olvidar o que me tenho:
A paz que ganhei com o tempo
De procurar momentos…
















A palavra, na poesia,
É uma paulada… Amena.
Sinta-se ofendido ou elogiado
Pela poesia em que a palavra
Centra-se mais no que foi ouvido
Do que foi falado…



























Conheço
As coisas que o são,
Por si…
Como a fruteira,
Vazia…
A janela batendo
O vento…
O cheiro da fruta
Que não há,
Que a gulodice
Inventou…
Apenas o vento bate
Agora a janela
E eu.
















O reflexo


A lua, na água,
É a mesma lua,
Molhada.











Estou ficando paranoico
Ou teremos eleições
Sem candidatos
Que o valha?












Nascituro


Quando me vi
Desvestido de minha mãe
Percebi no choro
A alegria de estar vivo. 










Poema com endereço


A comemorar este momento
Nas lágrimas que vêm agora,
De emoção ou contentamento,
Outras por teres ido embora…








Conceda-me esta contradança?


Dancemos, menina,
Que o tempo é curto
Para lamentações…
Apenas guardemos o que valha a pena
Neste lixo todo de badulaques dos sonhos.
A valsa continua sendo a voz
A impor o ritmo de vidas…
Tempo vai, tempo vem,
Mudam-se os versos, as cadências
Neste ritmo forçado de nhem nhem nhem
Mas o tempo ritmado é sempre o mesmo,
Cadenciado em sentimento…
Conceda-me esta contradança
E vamos bailar os dias vindos…
















Leminski estava certo:
Não vem um dia atrás do outro,
Quando o amanhã estiver vindo
O hoje estará indo…









A gente diz que está tudo bem
Mas não está tudo bem,
Senão a alegria da despedida
Não doeria tanto…













Tem momento em que o momento esquenta
No momento em que o momento esfria…
Assim o tempo conta o tempo de poesia.












Por mais que eu caiba em mim
Sempre extravaso assim…










Metrô


Quando pego o trem
Para a Pinacoteca
A viagem parece curta
Mas alonga-se
Na poeticidade
Que me põe a viajar
Nos longes da arte…
















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