quarta-feira, 27 de junho de 2018


Turvo


Quanto o por vir
Tem-lhe chegado
Nesta profusão
De passados?
O amanhã se torna hoje
Num piscar de olhos,
Na pressa de chegar
A algum lugar nenhum,
Do outro lado...
Do outro lado a manhã
Pode seja anuviada...
A intenção malograda...
A visão turvada...
Quantos porvires queres
Nessa incerteza
Avara?







Dominó


A morte granjeia opiniões...
Do outro lado do mundo.
As facas cindem no ar
Suas abstrações pescoçadas...
Na casa distante de nós.
As balas acertam cabeças
Nas intervenções malogradas
Nos guetos dessas cercanias...
Mas longe de vossas casas.
Mas a violência é um dominó
Onde cada pedra derruba outra
Até que chegue ao ouvido
A morte do outro lado do mundo,
Até que sangre a sapiência
Dos baixios das palafitas
E derrube a última pedra
Desse dominó: TU,
Que não se agita. 








Cria é consequência
Do conviver de seus pais
Numa séria incumbência
De ser mais...









O que resiste ao choro
É a volta ao encontro
Do outro...







Fantasmas


Pode ser teu susto,
Ou tua volta
Ao vulto...










A fé que move montanhas
Materializa-se na siderurgia...








Pedido


Que eu seja arguido
Por meus atos,
Não por boatos...








O caminho para as Índias
Ficou bem mais fácil
Com navios de bom calado...












Além de ver a claridade
Faz-se preciso notar
O brilho de quem
Procura a luz...







Este corpo, vindo do barro,
Da intenção do barro
De tornar-se sangue, e tarro.












A ilusão do perfeito
Irrita o que faz dia a dia
A imperfeição do feito...








Inverno paranaense


Se eu for adiante
Espero que se abra a estrada
Entre pinhões catados
Na madrugada...





As cicatrizes


As cicatrizes
Que o tempo rasga na alma
São mais profundas que
As quedas cicatrizadas
Nas circunstâncias...
Não se pode voltar no tempo
Mas gostaria de me encontrar
De novo nas asperezas
Desse passado verdadeiro.
As cicatrizes são anotações
Desses tempos machucados,
Idos nas verdades doídas
Daquelas tardes...










Sapiências


Tudo que sabemos
É que o dia terminou,
Com todas suas claridades
Dissolvidas no nada
Que restou...
Tudo que sabemos
É que morreram pessoas
Daquele dia anterior
E que amanhã,
Seja como for, será amanhã
De novo, sem a maquiagem
A cobrir as fendas
Que este dia hoje
Deixou...









Vale a saudade


Vale a saudade,
Se não do começo,
D’uma velha amizade...
Nos momentos
Inequívocos
De tenra idade
Ao siso...
Aquele tempo todo
Arrefecesse...
Mas seria
Ainda original
E viveria quem
O perdesse...










clarins nas madrugadas


Sempre é tempo
De clarins nas madrugadas
Amanhecendo o senso
Para essas peças
Desgarradas...
O sempre tempo
De sorver orvalhos
No estender das manhãs
De sono solto...
Sempre é tempo
De rever o galo
E sua cantata,
Mesmo ao sol posto.







quinta-feira, 21 de junho de 2018


Desestímulos


É nos desenganos
Que o remorso mata a saudade...
Dos pés descalços no gelo,
Do apito nas paradas
De um trem que é fantasma...
Como fora sempre madrugadas
O tempo se some em mágoas
E atravessa o senso cansado
De corrigir passos erráticos.
É, é dos planos falhos
Que se tece a malha
Desses dias enrugados, frios,
Dessa desvontade de levantar
Outra vez o mesmo sonho
Deserdado antes
Desses nadas.







Cadeia em involução


Sobre os cacos quebrados
Jorra o sangue de um lagarto...
Não importa,
Não é sangue humano,
É apenas um lagarto
Já deixado em anos...
Pena que tenha se perdido
Todo o doce derramado...
A guerra não sem sentido
Deste animal perdido em séculos
Pela sobrevida de seus genes,
Faz-se em água lavada
Sua derrocada... Que importa?
É apenas um lagarto!













Há os que se dividem em cores!
Pálida dessabença da verdade
De sermos todos vermelhos,
Sem raça, tempo ou idade...








O tempo em vida sobre a terra,
Já não sei se estou à espera
Ou se sou esperado por ela...







Arquétipo


O pássaro
É o que sempre passa.
Velejo essa nau náufraga
Para algum porto
Sem destino...
Rastejo minha dor de gente,
Essa que todos sentem,
Mas fingem...
O pássaro
É a ordem do mundo,
Este que voa os sonhos
Mais profundos,
E passa...










É que os bárbaros chegam hoje...
                  (Konstantinos Kaváfis)

Por que tanta flor na passarela
Aonde vai expilar a tal donzela
A beleza que não chega dela?
É que os bárbaros chegam hoje...
Com suas roupas coloridas
E suas vidas descoloridas
A alimentar sonhos vazios...
Por que a rua enfeita-se
De bandeirolas imotivadas,
Se estão a dormir pela calçada
Os sonhos solhados d’ontem?
É que os bárbaros chegam hoje?
E, se chegarem com seu cansaço
E dormirem antes do estardalhaço
Dos festeiros dessa praça?
O que fazer com a música
E a esperança difusa
Dessa claque?





Acomodadamente


A alma se conforma
Com as dores da vivência.
É na última infância
Que se eterniza a crença
Nessas atas tolas
Que o tempo escreve
A descrever as febres
E as aderências...
A alma consegue anuir
Com as falhas
Da inocência
Antes que se abrase
A constatação de que
Tudo é breve e frágil
No correr das tardes,
Em displicência...










O que te faz no mundo,
Finito?
Como tudo ao seu redor,
Mais dia menos dia
Secarão as árvores centenárias,
No mesmo dia em que
Estarão morrendo insetos
De um dia de vida finita...
O que te faz melhor que o inseto
Nesse mundo de asteroides
E estrelas e planetas
Que não te reconhecem,
Diminuto que és?
Não nos iludamos com o amanhã,
Que pode ser daqui a anos...
Ou no próximo minuto...










O coração que me bate,
Por mim apanha
Das novidades do dia,
Acelera a cada partida...
Desmanda-se a virilizar
Informações desmedidas...
Que falta faz a esse órgão
O suspiro de descanso
Que apraz à alma cindida...














A voz do silêncio


Esse cheiro da terra,
Quando se molha,
Leva nos nossos pés o barro
Grudado em cada sola...
Não só do sapato soterrado nela,
De nossa força a persistir por ela,
A pisotear pegadas verdadeiras
Pensamos estar indo adiante
Mas, ao fim estamos no mesmo
Lugar distante de antes...
Que a força dessa terra
Nos isola.












  

Meu dia é interminável...
Comecei cedo a engolir sapos
A me dizerem o certo a ser feito
A cada ato, fato ou boato...
Meu dia é insuportável
Pela terminância das vontades
De seguir além do seu meio dia
Depois da euforia do sol nascente
E das crianças indo à escola...
Este meu dia é indecifrável,
A colocar momentos de alegria
Nos tantos de melancolia...
Ah, meu dia, vamos combinar
Que é preciso acordar ao canto
Dos pássaros madrugadeiros
E não depois de assado o pão
E servido ao pedinte passageiro.
Meu dia interminável está secando
Ao sol posto desde manhã cedo.




Depoimento


Venho depor pela palavra vária
A avaria do que se fala: Destituir:
Pôr de parte. Renunciar. Soltar?
Pôr em depósito. Desprender-se-         DECLARAR EM JUÍZO!
A quem culpar pelo desentendido
Sentido avariado, por vários?
Do que me achego, por conivência:
-depor as armas• Render-se.
Abdicar dessa indecência?
Talvez motivo eu não tenha
Para sentir-me deposto,
Mas, me arrego a tanto voto
Torto Nessa Instância Maior...
De roubos?




segunda-feira, 18 de junho de 2018


Versões de vidas


“Quando eu morrer,
Não quero choro nem vela”
Nem uma fita amarela
Que penumbre o que fui!
Quando eu morrer
Respeitem essa vontade.
Na gaveta sepulcral
Tomarei o lugar do último sepultado,
Do qual as flores já secaram,
(E a memória)
Vou estar acompanhado
Pelos sacos de ossos, desterrados
Para dar lugar ao próximo.
Estarão ali, lado a lado,
Minha saudade e esquecimento,
A esta derrota para o tempo
Seremos solenemente ensacados.
O próximo que se cuide,
Virão com flores e rezas
Até que sejam murchados.



Olhando o céu de junho


Não há nada lá...
Mas há um mundo se movimentando
Além de nossos olhares...
Meteoros são condores
Sobre todas as montanhas imaginárias
Nesse céu de junho,
Entrada de inverno no cone sul
De nosso mundo...
O nosso mundo...
Que mundo seria este, partido
De uma galáxia... Em crescimento?
Talvez se desfazendo nos séculos...
Não há nada lá,
Entre as estrelas e o infinito
Fim de nossos olhares
Fortuitos.










Que bom seria se
Aprendêssemos a ouvir
Quando aprendemos
A falar...








A vida não é feita
De perguntas,
É feita de respostas.








Êxodos


Teu olhar,
Endurecido pelas vivências,
Faz a guerra
Sobre todos os momentos,
Assim a dor se perpetua.
Teus olhos lacrimados
Viajam aventuras
À procura do outro teu ser,
Adormecido.
Os passarinhos se vão ao verão,
Mas voltam.
Tu não,
Tu vais até a impossível volta,
A padecer os dias de derrota.
Anda,
Procura o que se perdeu
De ti nessas andanças...
A próxima ponte pode seja
Tua esperança.




Tina


A água jorra por esta encosta
E enche a tina por ali posta...
Que vasa, como sempre,
Desta despercebida abundância,
O que faz tua paz pequena
À procura d’outro cântaro
É deixar para trás a semente
Dessa extravagância.
A tina, ao extravasar da água,
Encima a mágoa que queres tolher
À expressão do nada.















O que procuras já foi,
Por ti vivido inconscientemente,
Mesmo que não te apercebas
Já passaste por este memento.







O tempo se espreme,
Em horas esperadas
Um dia traz o outro,
Conforma-se manada...








As cores das raças


A cor não é raça.
O sol do poente desenha
Em cada face uma identidade,
Em cada latitude uma atitude,
E a longitude planeja
Circundar o mundo
De desgraças...
A cor não é raça,
A música faz sua graça
No que vem e passa...
Navios negreiros continuam
Cruzando mares
Entre séculos de caminhada
E a proibição de morada
Para quem atraca...
A cor não é raça!
A migração estelar
Será sua próxima
Farsa.




Oratório


Hoje
Esteve cá um pregador
A dizer as coisas proibidas
Pelo tom de sua bíblia.
O Senhor nos deu a livre escolha?
Até de interpretar o mandamento,
Onde tudo é permitido
Segundo cada consciência e siso...
Já dizia Pessoa:
“Tudo vale a pena
se a alma não é pequena”
então vale a pena ter vivido,
até para saber o erro irrefletido!
Ou o sal da terra será medido
A cada passo concebido.








Refreios


Nesta hora
O dia repousa no silêncio
Das facas...
O menino crescido grunhe
E se afasta,
Animal ferido
Pela própria desgraça.
O dia repousa sob louros,
Venceu o homem do tesouro,
Aplacou a dor do desgraçado...
A mãe, parindo a novidade
De um novo bandido,
Sem alarde...
O dia repousa nessa lousa
Onde se marca dia e hora
De cada derrota...
Volto a conferir que talvez
Seja melhor nunca do que tarde
Já que se sagrou o nascituro
E o idoso ferve em febre.
Sufoca sua dor e parte...


Visório


De onde estou
Estou olhando a música
Desse mar...
Descobri nas leituras
Que posso ver a música
No silêncio das vozes,
É só fixar os olhos
Na planura dessas ondas
Para ver sua rebentação
Sonora...
Violinos fazem olhos lacrimar
Quando estar a vê-los
Pode se materializar...
De onde estou
Estou olhando a música
Desse mar...







Chávenas em saudade


Surpreende
Como as coisas entardecem
Antes...
Desde a cafeteira com coador
À máquina de escrever,
Guardados com discrição
Entre bibelôs e chávenas...
Perde o brilho o verniz
Da porta da rua e do olhar
Da velha senhora,
Ao mesmo tempo... 
Entardecem junto coisas
Em desuso
Como este seu olhar
Profundo...








Conciliarmente


Tentemos conciliar
Nossos pensares
Com nossos atos...
Materializar planejamentos
Sem olhar derrotas...
Ir em frente, depois da página
Desenhada limpa num papel
De sedas...
Solidifica-los com material
Durável ao tempo
Derrotado...
Tentemos!
Por favor, tentemos mais
Que a teoria, que, sabe-se,
Na prática será outra:
“daqui se olha, de lá se vê”
Quantas vezes esta verdade
Nos bate à consciência
De nos viver?

quinta-feira, 14 de junho de 2018


esperanças vazias


O caminho está aberto...
É por aqui que me vou,
Levando a mala cheia
Das esperanças vazias...
O que ficou, ficou...
O que vivo hoje é legal
Mas nunca saberei
Se é melhor reviver
Ou esperar amanhecer
O novo avistado longe...
O caminho aberto
É o convite a percorrer
Sem medo, com cuidado,
A parte feia do abismo
Que viaja ao lado...








O caminho está aberto


Roçado,
Cuidado,
Varrido...
Da entrada ao postigo
O caminho está aberto,
O resto é contigo.

















Na praça


Onde as árvores descansam
Dorme um mendigo...
Enquanto o frio desfaz-se
Em folhas caídas
Da última quaresmeira
E um menino brinca no balanço
Umedecido pela névoa...
O inverno brinca no balanço,
Com este menino
E com a árvore nua assistindo
Entre pedras sobrepostas ao brejo
Apegado aos pés teimosos
Do pipoqueiro distraído...













Aqui se desfigura
O corpo acidentado
Enquanto saqueiam
A carga tombada.
Geme entre ferragens
O condutor lesado
Enquanto saqueiam
A carga tombada.
Como pode, SENHOR!
Tal insolvência do ser
Que seria humano,
Não fora tão odioso
Este ato de civilidade!
Som, pois selvagem
Assim não age sobre
O ser que parte.










É... Eu tenho essa paixão
Pelos sóis das manhãs,
Quando brilha o vermelho
Antes da luz plena levantar-se.
Talvez seja isso que me prove
Seja eu poeta, sendo homem.
A paisagem é o poema
Que se descortina em imagens,
Quando vem a neblina
Vejo neblinarem na grama branca
A vaca amojada, uma criança
Caminhando para a escola,
Sua mãe coando o chá pra tarde...
É... Eu tenho essa paixão
De ver entre paredes
O que de ti se esconde
E é quase nada a acrescentar
Ao cheiro do feno colhido ontem...








O tempo
Tomou a forma
Desses cabelos ralos,
Dessa face em rugas,
Desse cansaço acárpico
Das manhãs caminhadas
E as tardes dormidas...
Este sol de inverno convida.
Essas mãos ceadas
Dão-me vida, sonho ainda
A próxima partida.












Depois de tantos funerais


Depois de tantos funerais
A paisagem continua ilesa
Com seu verde ar florido
Desde antes de eu vir
A estar presente à mesa...
Depois de tantos funerais
As luzes continuam acesas,
Talvez mais que antes,
De quando ainda vivi
A apreciar sua beleza...
Depois de tantos funestos
Encontros dessa realeza
Posta de joelhos frente
À verdade da natureza









Escureceres


Quando escurece
O som da passarinhada
Trazendo grãos e moscas
À sua prole, me ilumina...
Acorda em mim o viajado,
Voltado ao ninho
Trazendo moscas pasmas
Nessa mochila abstrata...
Quando escurece
Preocupa-me a forma
De meus danos
Entre as manhãs dos ontens
E a grade derradeira
Dessa miragem.









Distorções


O que me abate
É ver essas crianças
Enxotadas dos portões
Com suas fomes
Enquanto “mãezinhas”
Carregam seus cãezinhos
Vestidos de meninos
A passear pela tarde...
Uns procurando lugar
Para defecar
O que recolhem,
Outros a procurar
O que se come!