quinta-feira, 21 de junho de 2018


Desestímulos


É nos desenganos
Que o remorso mata a saudade...
Dos pés descalços no gelo,
Do apito nas paradas
De um trem que é fantasma...
Como fora sempre madrugadas
O tempo se some em mágoas
E atravessa o senso cansado
De corrigir passos erráticos.
É, é dos planos falhos
Que se tece a malha
Desses dias enrugados, frios,
Dessa desvontade de levantar
Outra vez o mesmo sonho
Deserdado antes
Desses nadas.







Cadeia em involução


Sobre os cacos quebrados
Jorra o sangue de um lagarto...
Não importa,
Não é sangue humano,
É apenas um lagarto
Já deixado em anos...
Pena que tenha se perdido
Todo o doce derramado...
A guerra não sem sentido
Deste animal perdido em séculos
Pela sobrevida de seus genes,
Faz-se em água lavada
Sua derrocada... Que importa?
É apenas um lagarto!













Há os que se dividem em cores!
Pálida dessabença da verdade
De sermos todos vermelhos,
Sem raça, tempo ou idade...








O tempo em vida sobre a terra,
Já não sei se estou à espera
Ou se sou esperado por ela...







Arquétipo


O pássaro
É o que sempre passa.
Velejo essa nau náufraga
Para algum porto
Sem destino...
Rastejo minha dor de gente,
Essa que todos sentem,
Mas fingem...
O pássaro
É a ordem do mundo,
Este que voa os sonhos
Mais profundos,
E passa...










É que os bárbaros chegam hoje...
                  (Konstantinos Kaváfis)

Por que tanta flor na passarela
Aonde vai expilar a tal donzela
A beleza que não chega dela?
É que os bárbaros chegam hoje...
Com suas roupas coloridas
E suas vidas descoloridas
A alimentar sonhos vazios...
Por que a rua enfeita-se
De bandeirolas imotivadas,
Se estão a dormir pela calçada
Os sonhos solhados d’ontem?
É que os bárbaros chegam hoje?
E, se chegarem com seu cansaço
E dormirem antes do estardalhaço
Dos festeiros dessa praça?
O que fazer com a música
E a esperança difusa
Dessa claque?





Acomodadamente


A alma se conforma
Com as dores da vivência.
É na última infância
Que se eterniza a crença
Nessas atas tolas
Que o tempo escreve
A descrever as febres
E as aderências...
A alma consegue anuir
Com as falhas
Da inocência
Antes que se abrase
A constatação de que
Tudo é breve e frágil
No correr das tardes,
Em displicência...










O que te faz no mundo,
Finito?
Como tudo ao seu redor,
Mais dia menos dia
Secarão as árvores centenárias,
No mesmo dia em que
Estarão morrendo insetos
De um dia de vida finita...
O que te faz melhor que o inseto
Nesse mundo de asteroides
E estrelas e planetas
Que não te reconhecem,
Diminuto que és?
Não nos iludamos com o amanhã,
Que pode ser daqui a anos...
Ou no próximo minuto...










O coração que me bate,
Por mim apanha
Das novidades do dia,
Acelera a cada partida...
Desmanda-se a virilizar
Informações desmedidas...
Que falta faz a esse órgão
O suspiro de descanso
Que apraz à alma cindida...














A voz do silêncio


Esse cheiro da terra,
Quando se molha,
Leva nos nossos pés o barro
Grudado em cada sola...
Não só do sapato soterrado nela,
De nossa força a persistir por ela,
A pisotear pegadas verdadeiras
Pensamos estar indo adiante
Mas, ao fim estamos no mesmo
Lugar distante de antes...
Que a força dessa terra
Nos isola.












  

Meu dia é interminável...
Comecei cedo a engolir sapos
A me dizerem o certo a ser feito
A cada ato, fato ou boato...
Meu dia é insuportável
Pela terminância das vontades
De seguir além do seu meio dia
Depois da euforia do sol nascente
E das crianças indo à escola...
Este meu dia é indecifrável,
A colocar momentos de alegria
Nos tantos de melancolia...
Ah, meu dia, vamos combinar
Que é preciso acordar ao canto
Dos pássaros madrugadeiros
E não depois de assado o pão
E servido ao pedinte passageiro.
Meu dia interminável está secando
Ao sol posto desde manhã cedo.




Depoimento


Venho depor pela palavra vária
A avaria do que se fala: Destituir:
Pôr de parte. Renunciar. Soltar?
Pôr em depósito. Desprender-se-         DECLARAR EM JUÍZO!
A quem culpar pelo desentendido
Sentido avariado, por vários?
Do que me achego, por conivência:
-depor as armas• Render-se.
Abdicar dessa indecência?
Talvez motivo eu não tenha
Para sentir-me deposto,
Mas, me arrego a tanto voto
Torto Nessa Instância Maior...
De roubos?




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