domingo, 1 de julho de 2018


Concepções


Poderia
Se conceber uma teoria
Mesclando o ascendente macaco
Ao barro que se fez homem?
Talvez explicasse tantas
Metáforas por aqui afora...
Levamos milhões de anos
Para ganhar em inteligência
E perder em força bruta...
Olhando certas ações “humanas”
É de se pensar sobre
Esta perda de brutalidade...
Consequentemente pensando-se
Capazes os humanos
Inda se matam!








Elas vão e vêm


Voam mariposas,
Ornadas de cores e vontades
Depois de não serem mais
Lagartas.
Elas vão e vêm
E não olham pros lados,
Bem à vontade
Em suas vaidades...


















A espera cansativa
Lembra relógios antigos
Pingando minutos...








A maior parte dos viventes
Descobre que a vida é curta
Só quando ela está a se acabar









Esses rosários antigos


Pendurados atrás das portas
Revivem todas as derrotas...
Chamam para si rezas mansas,
Dessas das Virgens Marias,
Que tanto bem fazem às rezadeiras...
Esses rosários, gastos de novenas,
Esses dedos, sujos de mangabas,
Dessas senhorinhas benfazejas
Entre suas lamúrias e mágoas...
Esses rosários confessionais
Trazem todos os pecados
Das meninas tentadoras
E seus anais...
Talvez eu seja lembrado
Por esses versos desairados...
Que assim seja. Assim será,
Que canto o que a alma deseja.
Enfim, canto o que me seja...
Ao Deus dará...




Aspirações


Os sonhos têm barreiras
Quase intransponíveis...
Talvez por serem sonhados
Acima dos impossíveis.
Vejo esta criança e sua espada
Sonhando ser D’Artagnam,
Mas os mosqueteiros
Se esfalfavam entre ações
De esgrima e fantasmas...
Talvez se o menino sonhasse
Ser como seu pai herói,
Um sonho mais palpável,
Quebrasse essa barreira
Interminável... De dar dó.












O que me maravilha
Depois da chuva
É o verniz que expõe
Nas folhas velhas...









O modo mais seguro
De caminhar na vida
É um pé depois do outro,
Em qualquer circunstância...









Confrontado
Com sua imensa biblioteca
O ledor assíduo diz:
- Daqui só não li o dicionário.
Completando:
É pena que agora a única
Leitura dos novos aqui
É o dicionário...















A menos que


A menos que
Doa até sangrar
Não dou um passo
Além da vírgula...
A menos que
Esqueça a forma
De continuar
Não resfolego...
A menos que
Termine o verso
Interrogando,
Sossego
Pois o poema
Acabado está
Quando a ideia
Se desnudar
Em reticências
E não sobrar nada
Para salientar
As sobras
Dessa paciência...





Para os dias da idade
Devemos sorrir enquanto
Não se faça tarde...





















Sobre poetas e cavalos


Amáveis, mas indomáveis,
O Poeta e seu cavalo,
Um arcabouço pensado
Para limitar-se ao pouso
E do voo alimentar-se.
Sente os espaços mas sabe
Até onde irá seu passo.
Sente a beleza do salto
Mas conhece sua lhaneza:
A própria, inerte beleza
Do saber-se aprisionado
E contentar-se de sonhos,
Maravilhar-se de achados...
O poeta e seu vocábulo,
O cavalo e seu pedaço
De terra, mas nas alturas
Da brisa...

Hilda Hilst


Nenhum comentário:

Postar um comentário