Viagem ao descampado
Meu tributo aos nordestinos
Do livro “tempos
usados”
Por mais que tente
As estradas não se apagam.
Sei, de memória,
Os pontos da miragem,
Essa memória vaga...
São pontos entre vagas,
Entre vilas, entre valas,
e,
Dentro delas os lares
Dessas pessoas truncadas,
Essas pessoas trocadas.
As mães amamentando,
Os pais sonambulando,
As procissões no feriado
Por essas ruas descalçadas
Essas meninas descalças.
Os vendedores de preás e
Calangos dependurados
Nas varas pelas estradas,
Com seus corotes de água
Encampados de sede.
Acampam a fome mesquinha
Em seus moinhos de vento
Nessas rodas d’água sem
água.
Ah, esses vilarejos sem
rota
Lembrados pelos cães
eleitorais.
Ah, esses poços secos,
Esses limites da dor,
A força dos roçadores
Cobertos de fuligem da
cana
E mágoa das horas tardias.
A cruzada dos tropeiros
Com as cruzes dos
romeiros,
As casas de taipa e seus
Saques periódicos, com
Seus porões e seus gritos.
A fome, a dor, a saudade,
Estranha vizinhança de
Olhos esbugalhados
À beira rio dos mares
Muito antes navegados.
As queimadas expostas,
Os cajueiros, os manacás,
As plantações de nadas...
No fim da estrada estepes
De ingazeiros juazeiros.
Os rios que expõem lavras
Das pedras que partiram
E as rugas que ficaram...
Das saudades saudáveis
Do canto e das violas.
A lua como um sol, grande,
O sol como a lua, mirrado,
Das formas feias que
viajam
Na sombra de corpos agros,
Chegados por chegados.
Do cansaço da espera,
De um mar doce nos deltas
Espalhados entre a fé
Nos santos e a falta dela,
Na desesperança nata.
Esses moinhos sem vento,
Os vilarejos relembrados,
As estradas não apagam,
Por mais que tente,
A sensação de culpado.
Ah, aqueles rios sem água,
Aqueles vazios descampados
Onde a caatinga estica
Os pescoços do gado
A procura de folha verde
Entre o menos queimado
Os buritis escondendo
Ratos da procura viva
Das águias famigeradas,
Na seca que empreende.
Por mais que tente
As estradas não se apagam.
Sei, de memória,
Os pontos da miragem,
Essa memória vaga...
Sergiodonadio.blogspot.com
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