sábado, 21 de setembro de 2019


Preâmbulos

Para chegar até aqui
Viramos o mundo
De cabeça para baixo...
Sonhamos o impossível
Relendo algum relato...
Daqui vemos o ficado
Entre pedras e poeira,
Algum fato? Besteira...
Apenas boatos...
Levantando asneiras
Daquele candidato
A festeiro nato...
Para chegar acolá
Pinçamos o que não há
De verdade mentireira...











Desenvolturas

Talvez a vivacidade
Seja um erro,
Conheço certos mondongos
Bem vividos...
Enquanto alguns espertinhos
Se dão mal
Nas planejadas engrenhas
Dissonadas...
Mesmo assim
Os mais vívidos não sofrem
Preconceitos banais,
Apenas têm de se mostrar
Sempre despertos...
Enquanto os menos espertos
Dormem e descansam
No seu alto astral... 
Talvez a vivacidade
Seja um erro
Descontrolável para quem
É normal.
Sergiodonadio 21/9/19







Na parição de um verso
A menor dor, decerto...










Ainda me deito
Abraçado ao poema,
Que ficou em branco...











Bartô

Pois é, Poeta Bartô...
Estamos junto
Nessa parada
De parir a lavra...
Com ou sem dor
O renascer contínuo
De cada verso...
O inverso xingamento,
Talvez lamento,
Talvez gaitada
De quem está
Por perto....














Pastos

Não vejo a vida
Como um desafio,
Nós é que desafiamos
A vida...
Se fossemos espertos
Como o são certos animais,
Que apenas se preocupam
Em não se preocupar,
Seríamos bem melhores...
Veja como os veganos pastam,
Sem mirar horizontes,
Apenas o que está a seus pés,
Ao seu alcance de pastar...
Veja como os carnívoros
Correm atrás do seu sustento,
E como outros não se importam
Em perder um entre rebanhos
Para o predador cansado...
O desafio entre nossas vidas
Parte sempre de nós mesmos,
Podendo pastar ou predar
O pastador...




Celeridades

A agilidade do tempo
É impressionante,
Durmo a noite de domingo,
Quando acordo é quarta!
Preciso desse tempo
Imprescindível de ressaca...
Fomos amigos de infância,
Nos esquecemos de lembrar
Que o tempo nos fez rapazes
Logo depois envelhecidos,
Quase crianças outra vez,
Vencidos os tempos da vez
Dos revezes, dos Talvezes...
Deslembrados aconteceres
Voltam a atormentar ideias
De voltar, talvez uns anos?
- Umas eras!









Os meninos e suas bicicletas voadoras

Sonhos da infância persistem
Na memória dos momentos,
Os meninos e suas voadoras...
Claro que bicicletas não voam,
Mas transcendem as vontades,
De Peter Pan e suas miragens,
Fadas e piratas... Ermos de deslumbramentos pelo ar,
Vontade assumida de voar...
Os meninos e suas bicicletas
São infâncias coloridas,
Esmaecidas nas agruras da vida.
Meninos e bicicletas voadoras
Confirmam sonhos impossíveis,
Mas passiveis de ser em tempos
Difíceis de aceitar, embora veros...
São tão loucos esses meninos
Com suas bicicletas voadoras
Pela vida afora...







Lembrança amarga

- Alguém passou
E não fechou a porta!
Que importância isso pode ter
Num final de dia em que
O rapaz chega assustado
Pela correria na rua
Onde dois pulavam quintais
No desespero de fugir dos cães
E da polícia?
O susto de ver a porta aberta,
- Se tivessem atravessado
Teriam entrado!
Como, certa feita, meninos
Fugidos no trem de carga
Invadiram a casa, eram seis,
Assustados guris de dez anos...
Lembrança de outros tempos,
A inocência não portava facas...
Mas a memória continua
Nesse rapaz assustado...






De monges e namoricos

Toda vez
Que alguém picota
Uma folha de papel
Parece esconder alguma coisa...
Talvez um bilhete secreto,
Talvez um Poeta obscuro
Em sua riesta...
Penso na perca que é
Um papel picado,
Portando nova notícia?
Sem a mensagem chegar
Ao seu destinatário...
Que possa trazer
Aviso dos longes,
De um antigo namorico,
Ou de monges...










No boleto do IPTU

Encapado com fotos da cidade,
Ordeira, limpa, iluminada,
Como não é bem a realidade.
“Uma cidade melhor é você que faz”
Sucinto, mas irreal,
Impostos pagos, lixo recolhido.
Calçadas quebradas, ruas sujadas
Pela própria imundície panfletária...
Uma cidade melhor é você que faz,
Está implícito uma ameaça?
Pagando impostos, como ser capaz?
Parece uma advertência
Que se desfaz na irrelevância
Do poder-se mais...












Maquinário

Hoje se vive
Em torno de máquinas...
De lavar, roupas e louças,
De laminar arestas fabris,
De fabricar outras máquinas
Para novos perfis...
Mas estamos desatualizados
Nessa idade em que os órgãos
Disfuncionam, desistindo
De entender siglas e erros,
Pâncreas pedindo ajuda,
Estômago rejeitando temperos,
Coração tocado a estatinas...
A mente querendo descanso
De máquinas traquinas...
Os braços cansados, as pernas
Frouxas, o sexo humilhado
Por essas soluções
Tornando nosso fardo
Essa máquina
De viver-se...  





Meu sonho de realização

É que ao olhar
O mundo em volta
Não veja polêmicas,
Apenas aprecie...









O difícil, ao escrever um poema,
É que, depois que se o rebusque,
Mantenha a frescura de que
Tenha sido feito de uma penada...











Quem sabe, um dia,
Eu possa dizer o que sinto
Sem ofender ninguém...









A vez primeira é sempre repetida,
Mas diferente da outra vez,
Dita antes de outra maneira...













Desespero é o do ponteiro dos segundos,
Naqueles relógios de antigamente,
Que correm loucos para chegar à hora...










Segundo a visão espírita
A gente não morre a vida,
Renasce em outro nível...












A grande, maior verdade,
É que não temos destino,
Construímo-nos...










Quem sabe ainda reapareça um sábio
Que reconheça que não se sabe sábio,
Como o outro disse: Sei que nada sei...












As casas antigas ficaram antigas
Pela resistência dos materiais.
As casas modernas em vez disso
Ostentam a desistência do material.










Antigamente
Pobres moravam
Em choupanas,
Hoje em panos...










Não somos moradores de cidades,
Somos vítimas das cidades...











Para bem aceitar
Um novo pensamento
Faz-se preciso assentar-se
Um momento...









Amanheceres

ACORDA!
Já anoiteceu o dia hoje,
Já se foram os convivas,
Se pregou o último prego
De sua construção diária...

ACORDA!
Que o tempo medido
Em parições de nadas,
Não para...
Vai-se da memória,
Como ao rio vazado,
A aguada que jorrou,
Exemplo de que a ida
Não tem volta...











Pirraça

Talvez a palavra
Esteja na boca errada,
Na página errada,
Num livro abandonado
No canto da estante...
Sei lá, a palavra
Parece descontextualizada,
(Como esta, agora)
Num espaço de termos simples,
Compreensíveis...
Mas palavra teima
Em sair do nada,
E insuflar-se...













A luz filtrada

De todas as luminosidades
O olhar de uma criança
Nunca se apaga...
A luz filtrada
Dos aconteceres
Basta para ser livre
Entre atos prisioneiros...
A luz filtrada
Desses desterros
É tão mais forte
Do que seus erros...















Aula

O que o tempo ensina
É uma porção de inexperiências...
Ou nesta manhã se repetem,
Em tua rotina,
As mesmas ações,
Do ontem levado embora?
O que o tempo ensina
É que o tempo
Não tem hora.



















Vividos

A difícil etapa
É chegar ao fim do túnel
E ver que o túnel
Não tem fim.









Todas as portas se abrem,
Corre!
Que todas as portas
Se fecham...









Demissões

Quando
O caminho é sobre brasas quentes,
Corra!
Que os pés queimados
São a primeira noção de perda...
Depois vem a desilusão do sonhado,
A dor de ser defenestrado
De um emprego,
De um lar,
Do teu passado...
















Otimismo não se ensina.
Como provar à lagarta
Que amanhã será borboleta?










Cada um se acomoda
Com seu próprio deus...
Respeite-se a vontade Dele.










Entrevistas

A vida passa
Numa velocidade inatingível
Pela percepção nossa...
Estou vendo recordações num vídeo,
De pessoas que se foram,
E pensando-as aqui ainda
Ao lado das ideias de agora,
Concebidas na esfera atemporal
Dos sonhos a realizar-se...
A vida passa
E ficamos choramingando falhas,
Como a deixamos passar
Na vasação dos dedos, escorregadios,
De agora... Quando
Meus grandes ídolos
Foram embora.










Mandriices

Não admito
As mandriices de certas pessoas,
Sinto que preciso produzir
Alguma coisa diariamente...
Seja um poema ou um pão de forma,
Seja uma linha ou o desalinho
De coisas vistas improdutivas,
Mas relevantes para a mente
Movimentar-me, acesa...
Não me admito torvo.
Gosto sim de dormir bem,
Seja à meia noite
Ou ao meio do dia...
São as oito horas em que me vence
Às outras horas em que venci-me...
Talvez um tanto renitente
Ao verbo antes do pronome,
Ou vice-versa, que, sem nome,
Me aprecie a inversão do texto
Em falhos arremessos
À estranha fome...





Ao fim da tarde

O sol se pondo
Em cores desenhadas lindas,
Observando as cores vivas
Das coisas mortas
Suspeito da descrença
De certos embriões
De que não existe um dedo
Dessa natureza que chamam deus
Entre as crendices dos ateus...
A noite chegando
Nas escurezas dos arredores
A vida continua incólume
Na espera de uma nova luz
Vinda do mesmo sol
Na outra volta do planeta,
E das cabeças...










Equinócios

Sim, assim no plural,
Porque a cada hemisfério
Os equinócios de adversam,
Aqui primaveramos
Acolá se invernam
Ao frio das estações
Virando anos...



















Monologado

Gosto de estar comigo,
Não sinto solidão por isso...
Na verdade, tenho de reconhecer
Que preciso me tolerar,
Só eu sei o que sou
E o que devo ser-me...
É provável que envelheça comigo,
Sei que não posso me deixar,
Mesmo que não me tolere, às vezes,
Sei de onde vim,
Não sei para onde vou...
Mas estarei comigo sempre...
Até por não ter outra opção,
Ou me amo ou me aguento...
Às vezes é-me difícil aguentar,
Mas quase sempre me divirto
Com as maluquices que
Só eu sei que aprontei...
Ah, mas é assim mesmo,
Somos todos individuais,
Queira ou não queiram
Certos animais.






Não se vive para sempre
A flor da idade,
É preciso viver-se
A flor de cada idade...









Envelhecer bem
É compreender
O incompreensível
Em outras idades...









Vesiculares

São vesículas amargas
As desses atriteiros,
Se não reagires ao insulto
Perdem a tesão ao assunto...







Persistência

Nesses momentos,
Em que pensas desistir,
Observe a lagarta
Se tornando borboleta...









Pseudorrevelações

“A poesia morre em poemas fracos”
De um Poeta a um livreto ofertado.
Verdade, precisamos de poesias reais,
Que relatem o momento da emoção,
Que não se assente em reunião,
Que não se prestem a bajulação,
Que não se firmem em um palavrão...
À atenção da crítica a palavra poética
Se desvalija ao contato dessa verve,
O canto verdadeiro do Poeta emudece
Frente à necessidade de recursos
Divulgadores de sua lavra...
Empalidece defrontada com a vaidade
De academias e seus fardões...
Desculpem a sinceridade, mas
Os grandes Poetas, como Quintana
E Drummond rejeitaram prêmios
Bajuladores de sua palavra...
Indícios de que as aspadas acima
Estão corretas.






Não te iludas

Ninguém pode te ensinar caminhos,
No máximo mostrar o dele,
Que pode não se encaixar no teu,
Pela diversidade de espinhos...










Neste momento
A mosca se parece comigo,
Fica rodeando a luz
Mas não sabe para onde ir...








Talvezes

Não perfilho ninguém na rua,
Nos bancos, drogarias, UPAS,
Mas são fulanos arriscando
Se desfazerem de suas dores...

Que não são iguais às minhas,
Desiguais às minhas de ontens...
Onde estarão os velhos amigos,
Da mesma rua, mesma escola?

Mas eles não estão mais aqui!
Onde maceram suas dores?
Talvez estejamos todos mortos!

Não nos encontraremos depois,
Visto que cada um visualiza
Seu próprio céu, no qual crê-se.









A triste presença da ausência

O solitário idoso
Se entrega à modorra...
Por motivos vários,
Das dores cervicais
Às dores emocionais...
Por olhos embaciados
De chorar ausências...
Por mimos e sorrisos
Que não curte mais...
E um nó na garganta
Que desistiu sonhar...















Uma nova velha estória

Nesses ambientes
Costumeiros, salas,
Salões de barbeiros,
A vida segue adiante...
As mesmas estórias,
Da irreal realidade...
Quem sabe amanhã
Tenhamos assunto
Com tantas guerras
Nessa paz fabricada...  
Casamentos feitos,
Casos desfeitos,
Nessa manada...













Resquícios

Nos encontramos
Num camping de praia,
Ele se arrastava de joelhos
Levando os netos para o mar...
Em lá chegando se libertava,
Nadava solto... Livre
Daquelas pernas mortas.
‘Lutei na segunda guerra,
Mas me machuquei no mato”
Como que explicando a figura
Que fazia dó aos passantes...
Mas a vida é uma guerra contínua,
Sobre a sobrevivência explicou:
“Sou suíço, meu País era neutro,
Mas no fervor das batalhas
Fui instado pelo pai a servir”
-Por que lado?  -Não sei, fomos descarregados numa trincheira
Instruídos a atirar na direção norte,
O inimigo, até hoje não sei.
Montou o guarda-sol e foi pro mar,
Lembrando uma tartaruga em terra,
Tentando esquecer o acidente
Com o trator na lavoura...


No silêncio dos tempos

O espelho espelha faces
Que se foram
No silêncio dos tempos...
Elas estão ali,
Nos velhos acordes,
Que ousam espelhar-se
Na involução dos jeitos...
Se prestar atenção
Verá pessoas que usaram
A impressão dos fatos
Retocando batons e talcos...
Se transformam em retratos
No silêncio dos tempos...













Boletos

Passeio pela avenida
Esperando abrir a lotérica
Para pagar as contas...
Enquanto espio as vitrines
Moças sorridentes
Oferecem ajuda
Com uma frase padrão:
-Posso ajudar?
Algumas afirmam: - Posso ajudar...
Fico pensando em que,
E como poderiam...
Mas me calo.
A vida não se resume a boletos,
Sinto-me grato por isso.
Há momentos como esses,
Em que belas garotas
Se preocupam com a gente...
Ou me iludo nisso...








Torres de Babel

É assim que sinto
A feira de domingo...
Cada um a falar sua língua,
Cheia de meneios,
Numa estrutura gramatical
Fora dos compêndios...
Verdadeira babel
Em pleno século XXI,
Quando alguns se pensam iguais...
As diferenças se enormizam
E apraz a cada a sua linguagem
Incompreendida...
Mas se se perde na dialética
Como discutir pechinchas?
Se pergunta sobre o frescor das frutas
A resposta é um simpático siiim...
Se discute o sal do queijo
A resposta é sempre: O ideal...
Mas nessa torre de babel
Todos se entendem, enfim
Pelas necessidades, isto é,
A mesa do domingo.




Fim de papo

Em quase sessenta anos
Escrevendo...
Não me sinto reconhecido,
Apenas não me sinto esquecido...
Cansado de propor que me publiquem,
Faz alguns anos que não ligo mais...
Continuo a escrever
O que me vem à cabeça,
Se não querem, problema deles,
Escrevo para mim mesmo,
Para assentar pensamentos.















Esquilos

Escrevo sobre coisas banais,
Já que as mortes por assassinatos
Se tornaram banais,
O que mais pode ser assustador?
Escrevo sobre políticos
E sobre esquilos...
Ambos inconsequentes.
Afinal,
Para o tempo de Deus
Qual a diferença entre o homem
E o esquilo?
Não querem me ouvir
Os ouvidos a quem me dirijo,
Os políticos não,
Os esquilos.