Disparidades
Para alguns
O dia termina ao por do
sol,
Para outros
O dia começa ao
anoitecer...
São vidas paralelas,
Afeiçoadas às horas
vazias,
Não como as manadas
De gado findando os
dias...
Endógenos
O dia ontem
Fechou-se anuviado...
O dia hoje
Viveu-me
momentaneamente...
O dia amanhã
Quem sabe, seremos verbos?
Advérbios?
Adversos ao mal vivido
Nesses passados...
Melancólicos
Melancólicos
São os meninos
embriagados,
Ou pela entorpecência,
Esta palavra inexistente,
Ou por seus sonhos
defasados...
Melancólicos
São os bêbados sentados
Nessas esquinas sem
semáforos,
Diferenciados pelos
outros,
Os que se confundem
Pelas próprias derrotas...
Melancolicamente...
CALOS DE OFÍCIO
Oficiemos:
A paz sempre conseguida
Pela exaustão da guerra...
O conforto
Pela exaustão dos
contratos...
A vitória
Pela acumulação de
ofícios...
A procriação
Pela acostumação de
sexos...
Até onde a manipulação
Chega a consumir gestos
E elucubrações
No correr dos anos
Viciados em suores
E apaziguamentos?
O que faz
O ato da semeadura
Tornar semente?
Instintos
O homem
Que se fez homem,
Fez outro homem,
Herdeiro de seu nome...
Horizonte imaginário
Hoje estamos aqui,
Voltados dessa viagem
Que foi começo e fim
Em si mesma.
Talvez seja este o destino
De cada viandante: Estar
vivo!
Voltar-se para si
Sem ter saído de si...
Tornar-se raiz, enfim,
Depois de despregado
Caule e folhas, e juntar,
Na historia de vivido
Entardeceres diários,
No fundo de seu quintal
Ou no horizonte
imaginário.
Assim te lembro
Assim te lembro:
Raiz e folhas,
Arcádia e dentes...
Aberta a mente
À ilusão poética.
Assim te lembro
Rosácea flor
A florescer estética,
Sendo a ternura
Em sempre festa!
Assim te lembro
Poeta!
Em sendo claras
As ideias...
Assim te lembro,
Como sendo o pensamento
Aresta...
Passos trôpegos, lembrados
Firmes na surdez
necessária
Aos boatos de cada ato...
Assim te lembro
De ato em ato, que desato
Com o percurso
Da névoa das manhãs
E do sol das tardes...
Assim te lembro
Como quem seca,
Como quem arde...
E parte.
O amor é um deserto
Quando lembra de alguém
Que não está perto...
O andarilho
Dorme a vida toda
Sobre a mesma pedra,
Repousa a morte toda
Sob a mesma pedra...
O grito, que esperavas
De mina boca aberta
Silenciou-se à dor
De eu ser Poeta.
Sobre tua campa brotam
flores,
É a vida tua que continua
nelas,
Mostra o que há um tempo
fores
Aquilo que interiormente
eras.
O que dissera um dia
Diverge do que diz agora.
Pensa de modo novo
Ou compungir-te o torvo?
Quando a verdade aflora
Faz-se preciso ruborizar o
cenho
Na vergonha da mentira
dita
Anteontem no teu
desenho...
Ressaca
O tempo nos faz sinceros,
Há de somar-se ao tempo
O imemorável senso
De a verdade ser melhor
Que todas as esperas...
O que fora sonho
Realizou-se diferente
Do sonhado, como fosse
A alegria do antes
Essas tristezas do
passado,
Passado a limpo
O nosso pensar de antes
Evolui-se no aprendizado,
Somos bêbados dormidos,
Hoje acordados.
Brando vento balança a
árvore,
Traz a oferta de nova
miragem,
Pensar o dia hoje como dia
claro
Mesmo a névoa diga o contrário...
Quem nunca soube dizer
O que soubera fazer
Espera desacontecer...
Letargos
O mundo começa
entediar-se.
É um perigo...
Assim começaram as guerras
Do passado...
As fomes pelas regalias,
Por mais terras, mas
trilhas,
Uma imensa vaidade
De ser-se maior que a
vida,
Essa espera
desconstruída...
O mundo começa a
atritar-se
Por mera melancolia
Dos tempos havidos nobres
E sua pobre letargia...
Às horas tantas
Às horas tantas da noite
A parição das ideias
Socorre-me das lonjuras
Que o tempo antecede...
Pois para haver lonjuras
É preciso que se carregue
Uma mochila recheada
De destinos e validades
Como a saudade que impera
Nos meus pensares de
agora...
A vida assim vai-se embora
Sendo a vida tão breve
E sendo contado em hora
Cada dormida que cede
Por agora...
Quatroras
Ainda eram dez das horas
Da noite chegada em tempo
Passava o capitão delegado
Em seu jipe oficial, dos
medos,
Mandando que a meninada
Fosse dormir no repente...
Embora inda fosse cedo,
Agora são quatroras
E os meninos não vão pra
casa
Inda tocam música alta
De um mau gosto
fremente...
Capitão perdeu autoridade
E menino perdeu respeito
E foi assim se mudando
A vida que era d’outro
jeito...
Inominadas
Casinhas sem nome...
Apenas a cadeira vazia,
Treliças rasgadas
Embalando saudade
D’outros dias...
O sol que inda arde
Na enxadada tardia...
A enxada descansa o fio
Escorada na parede nua,
Ornada com o pé
De trepadeira seca
Pedindo poda e água,
O podador desistido
Foi-se a procurar serviço
De melhor paga...
Casinha sem nome,
Na ausência presente,
O resignado ir-se embora
Tentar vaga sem trelho
Nos edifícios a meio
feitos,
Inda vazios de paredes,
Entregues ao nu dos
pilares,
Ouvindo os ventos nos ares
Assobiando suas bases
De escravatura forçada...
Melhor seria voltar
A plantar-se onde se nasce
E que a enxada replanta
À espera da germinação
Das batatas novas...
Casinha sem nomes,
Pessoas sem nomes,
A peia se alonga
E cola cal e cimento
Nos sapatos e nos rostos
E nas camisas rotas...
Mas a casinha espera
Com suas goteiras
E fuligens e picumãs
Que inda volte arrojado
O senhor das eiras,
No demanhã...
sergiodonadio
A palavra
Há de construir-se
Como se constrói uma casa,
De tijolo em tijolo.
A poesia é o acabamento,
De verso em verso,
Pintando cores ao cimento,
Forrando pisos toscos
Das palavras nuas...
Cobrindo-se em telhados
De sentimentos puros,
Embora impuramente
Dedilhados, sem pejo
Ao erro ou lisura...
Nenhum comentário:
Postar um comentário