segunda-feira, 2 de setembro de 2019


Rindo de soslaio

Sei que estou sabendo
E por saber me sofro
Dessas dores nas costas
Que me dominam...
Sei que de saber padeço
Mas me aconselho
A cobrir do frio intenso
Nesse aconchego...
Viajei as fases inaceitáveis,
Agora as aceito
Entre cicatrizes que não fecham
Pelo este ego assim espesso...
É, sei que estou sabendo
Mas disfarço esse saber-me tenso
Rindo de soslaio ao cadafalso
Que está à espera de mim,
No recomeço...






Desse desvelo

Às vezes
Não importa o que diga,
Sempre não terá razão
Visto tua fadiga
Em prover teu pão...
Procura pelo rastro
Os teus erros,
Limpa deles teu sangue
Derramado
Que a paz de revive-lo
Assim ao largo
Na distância maior
Desse desvelo...










Esmoleiros

De bons e maus tratos
A gente desfaz-se em fatos...
Às vezes corrige-se as rugas,
Estica-se peles e calos...
Carrega-se em palos ornados...
A gente muda as falas,
Os olhares, a visão se alarga
Mas a coluna desfaz-se em lavas...
A gente refaz-se em saudade,
Pena por não ser a mesma fase...
A gente orgulha-se da experiência
Vivenciada em sofreres e mágoas...
Mas, que droga, o que fazer disso,
Sem força para doma-la?
Sentar à espera das dores,
A volta dos amores...
Quase nada resta da velha idade
Levantada e ida embora,
Por favor, pequenos favores,
Sem esmola...



DESPEJO

Dizem que não é poesia,
Mas é a verdade:
De que serve a honestidade
Nessa era de deslizes, Elisa?
Vale o travesseiro macio,
A mente aliviada,
A fala sem gaguejos...
Pois, nesta hora de lampejos
A pressão judiciária
Faz tremer o déspota...
Embora dê de ombros
À fome alheia que causa
Seu descaso pela laia...
Que importa a barriga vazia,
Se é do outro que estrila?
Que importa a goteira rala
Se não é tua sala,
Não é mesmo?
Tens o direito de ficar calado
Frente ao juízo interrogado...
Mas, frente à tua dúvida,
Grita! Que te escuta.



Só deixa pegadas
Quem anda pra frente...
Quem retrocede
Repisa...








Nos momentos
Onde parei as vidas   
Poucas paisagens
Foram esquecidas...







O cansaço de estar só

O segredo é estar só
Sem sentir solidão.
As pessoas que passaram
Continuam passando,
Num alinhamento militar...
Até ouço a marcha do clarinete,
Elas estão sempre com pressa,
Estou já em ponto morto
Neste declive legal.
Ouço o apito a chamar
Para a maratona... Não,
Não vou mais competir,
Cansado de correr atrás do sonho,
Estou a esperar na última curva
O último obstáculo...
A meado do caminho
Esses que correm
Nem sabem para onde...
O segredo é não resfolegar
Ao cansaço de estar só,
No mesmo lugar...








O tempo apenas espera

Mas não se conforma
Com derrotas...
Invade nossas entranhas
E ali se acomoda,
Em nosso cérebro,
Em nossos intestinos,
Forçando o envelhecimento
De nervos e músculos...
O tempo é um sisudo marcador
De páginas vividas,
Perdidas no escuro das velas
Nas noites de tempestades...
Invade nossas vontades
De comer e foder,
De caminhar,
De ver o pôr do sol viajando...
Nos aquieta nesta espera
Nervosa pelo pior...
Desmanchando.




Está serenando

Fora dos limites da casa
Está serenando...
A ideia é precaver-se.
Voltar ao teto antigo
Ou
Cobrir-se de iniciativas?
Está serenando
Em quem ficou de fora,
Mas está frio lá fora...
Saia do sereno
Enquanto não seja tua hora...
Está serenando...
Está serenando...
Está serenando...
Cuidado, se não estás vestido
De capa e sentido
De demora...








A primeira parte do viver
É descer uma corredeira,
A outra parte, mais difícil,
É nadar de volta à fonte...







Ao som das ondas


Por abismáveis
Temer dos mares
Vivo à sombra
Desses cantares...





Extenso véu

Vivemos anos
Sem perceber que um ano
Cabe em uma noite insone...
Uma hora em apenas
Um piscar de olhos
Vira outra hora...
Como se já tivesse acontecido
O próximo tsunami,
Então, retalhados,
Esperamos que tudo volte
Ao normal de ontem...
Depois que passe a onda
Que varreu a memória
Das ofertas e procuras
Acordamos para o novo sol
Despertando da noite escura,
Extenso véu...













Disfunção dos atos

A dor mais profunda
Emerge da disfunção dos atos...
Tropeça-se no passado
E o corpo desfaz-se em nódulos,
Se inebria e inflama,
A fase extrema da lauda
Em vão remedia...
Mas quando a alma se acalma,
É novo dia!


















Especulações de viagem

Os nascituros têm
A força de recriar a vida
A apagar-se nos sonhos
Idos dos idosos...









Que tudo é novo
Para o primeiro olhar,
Tornado velho
Para o último olhar...















No correr dos dias
Os parentes próximos
São parêntesis
Entre as alegrias...









Reticenciar é necessário
Porque os assuntos
Não se findam em si...

















Quanto mais eu rezo
Mais assombrações
Desaparecem...










As sombras
Valorizam a luz...
























O pior trecho para
O contador de estórias
É o não ter fim
Na própria memória...









Quantas palavras leste
Entre fascículos e bulas?
Tudo vale a pena
Para o leitor e sua gula...
















Fora da conjugação verbal
O passado está presente
No presente subjuntivo...









Quantas vezes
Burlaste a memória
Mentindo a si
A tua história?



















DAS DECISÕES INDECISAS

Para cada pergunta
Tantas respostas...
Como definir a exata?
Será que isto importa?

Para cada pergunta
Tantas respostas...
Como definir a exata?
E isso importa?



Quantas vezes
Pela vida afora
Pulamos um muro
Pra cair no mesmo lugar...


Quantas são as vezes
Pela vida feita, afora,
Que pulamos muros e
Caímos no mesmo lugar...  













Se um dia
Quiseres saber
O que vivi
No que expressei,
Não me perguntem
Em nada...
Leiam o que escrevi
Onde me descrevo
Tim tim por tim tim
Me relevo e revelo
 Nesse meio...


















Fim das especulações de viagem





Quando se perde um braço,
Uma perna, num acidente,
Provavelmente antes
Tenha perdido a cabeça...








Grupos de contação de estórias
Farejam plateias e se dirigem a elas
Com tal superioridade que espanta
O quanto não sabem, do que sabem...







Embaixo dos viadutos

Embaixo dos viadutos
Residem algumas “coisas”
Deixadas ficar ali
Pelos que passam
Acima dos viadutos...
São famílias inteiras, coisificadas,
Em seus caixotes de papelão,
Comendo restos,
Cobrindo-se de sobras
Jogadas nas lixeiras, ajuntados
Contra o frio e a chuva...
Assim se acomodam consciências,
Tudo bem, desde que não morram
Em portões lacrados adiante...
Embaixo dos viadutos
As coisas se mexem, balbuciam
Com seus lábios trincados
Algumas falas pegajosas,
Com o medo de incomodar
Os acomodados com sua dor...
Esses que não têm futuro
E nem sabem passados...
sergiodonadio
Eu quereria sorrir

Eu quereria sorrir, sabe,
Mas estou chorando,
Amarrado ao meu nível
De sustentabilidade,
Do qual não posso desprender-me,
Vivo assustado com a ferocidade
Das pessoas que empunham
Microfones e câmeras
E saem favela afora desenhando
A desgraça dos desgraçados
Para os jornais do dia.
Eu quereria sorrir
Mas estou impedido pelo mea culpa
Que me julgo diariamente
Por não perder o sono
Ao ter-me bem cuidado,
E eles tão malcuidados ao meu lado.
Sei que a retaliação prometida pós morte
Pelo deus dos religiosos
Só amedronta os crentes nisso,
Mas o frio está cortando a pele de tantos,
Deixados morrer devagarinho,
Em suas penas, enquanto vivos...
Cotonetes

Tempestades
Não escolhem telhados,
Voam pedaços de todos eles,
Estando no seu caminho,
De súbito começam a balançar
As telhas soltas,
Do meu banheiro assisto
O tamborilar estranho à janela
Procuro algo a distrair meu medo,
Pego um envelope rasgado,
Abro, está escrito no avesso:
“Não jogue cotonete no vaso”.
Pelo amor de Deus,
O mundo está se acabando
Em chuva e vento forte
E alguém se preocupando
Com cotonetes!






Cá de meu canto

Espio as pessoas humanas.
Parece-te estranho?
É que existem as pessoas caninas,
Sabe, esses animaizinhos
Vestidos e penteados, como humanos,
Cheirando a xampu e sendo mimados
Como filhotes humanos...
Olhando para o outro lado
Vejo um garoto humano, sujinho,
Sugando um osso, jogado fora,
As pessoas humanas desviam dele,
Passam ao largo, se enojam,
Criticam autoridades,
Também pessoas humanas,
Por não enjaula-lo longe dos olhares,
A não oferecer perigo aos bichinhos
De estimação, também acorrentados...
Observando decifro o real significado
Da palavra “humanismo”.







Sussurros

Talvez
Este seja meu último poema,
Nunca se sabe, então
Faz-se preciso caprichar
Na retórica gramática...
Não me preocupa a opinião
Porque basicamente escrevo
Para mim... Pronto,
Está dito o que queria dizer.
Deixar de sofrer pela palavra alheia
Sobre meu sussurro indignado...
Não perco mais tempo
Com quem não quer entender
Meu modo de dizer-me,
Sem aspas, com reticências,
A que vim descrever-me...
Sem paciência.








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