Charneira
O espelho que ora
me vê
Não me enxerga
como eu.
Sei que esta dor
não se mostra,
Que este labor se
esconde
Nas barbas por
fazer…
Charneira me
mostra em rugas
Que não me sei,
Este cansaço de
olheira
Faz-se inimigo da
vida inteira
Que me põe a
derreter.
Constatação
A poesia que se
inicia
Se irradia…
Ao pensar-me
fazedor
De discorrer meu
dia,
Não me descrevo
nele,
Delineio em si o
dia…
Se a paz desse
momento
Não lhe faz
sentido
Socorra-te desse
estorvo
Sem pensar-me
aguerrido.
Que a paz esteja
convosco
Se a guerra em
“vosco” estiver.
Quantas palavras
cabem
Num pensamento?
Esta chuva, da
grossa,
Grassa sobre
roseiras
E despetala os pés
Dos meninos na
poça.
Ideia mole em
cabeça dura
Tanto bate até que
burla…
Cachola funciona
direito
Se o explicar não
for estreito…
Às vezes no
silêncio madrugueiro
O murmúrio das
folhas multiplica
E assusta o
solitário solteiro
Em sua cama de
espinhos…
Voláteis
As agruras de meus
avós,
Suas fomes de
sonhos,
Suas mãos
calejadas
Fazerem-se
lágrimas…
O amargor das
viagens,
Dos plantios às
colheitas,
Alheias enquanto
meeiras,
Fazem suas
defensas
Ante as tardes e
luas cheias…
As tristezas… As
tristezas…
Trazem para minha
alma
A politizada
aspereza
Que se levanta ao
gemido
E me põe em guerra
Sem outro sentido
Senão o de querer
E não ter ido…
Eu me faço
descobridor
Dos ares das
marés…
Me faço provedor
de minha fé,
Corcoveando um
cavalo baio
Que se empina ao
meu lado…
De dentro.
Eu me faço outra
vez moleque
E me dou o direito
de quebrar
Vidraças e
conceitos velhos…
Me faço alto e bom
som
Perscrutador das
melodias
Que ouço a partir
do vento…
Por isso posso me
fazer estátua
Se me convier
calar palavras
E olvidar o que me
tenho:
A paz que ganhei
com o tempo
De procurar
momentos…
A palavra, na
poesia,
É uma paulada…
Amena.
Sinta-se ofendido
ou elogiado
Pela poesia em que
a palavra
Centra-se mais no
que foi ouvido
Do que foi falado…
Conheço
As coisas que o
são,
Por si…
Como a fruteira,
Vazia…
A janela batendo
O vento…
O cheiro da fruta
Que não há,
Que a gulodice
Inventou…
Apenas o vento
bate
Agora a janela
E eu.
O reflexo
A lua, na água,
É a mesma lua,
Molhada.
Estou ficando
paranoico
Ou teremos
eleições
Sem candidatos
Que o valha?
Nascituro
Quando me vi
Desvestido de
minha mãe
Percebi no choro
A alegria de estar
vivo.
Poema com endereço
A comemorar este
momento
Nas lágrimas que
vêm agora,
De emoção ou
contentamento,
Outras por teres
ido embora…
Conceda-me esta contradança?
Dancemos, menina,
Que o tempo é curto
Para lamentações…
Apenas guardemos o que valha a pena
Neste lixo todo de badulaques dos sonhos.
A valsa continua sendo a voz
A impor o ritmo de vidas…
Tempo vai, tempo vem,
Mudam-se os versos, as cadências
Neste ritmo forçado de nhem nhem nhem
Mas o tempo ritmado é sempre o mesmo,
Cadenciado em sentimento…
Conceda-me esta contradança
E vamos bailar os dias vindos…
Leminski estava certo:
Não vem um dia atrás do outro,
Quando o amanhã estiver vindo
O hoje estará indo…
A gente diz que está tudo bem
Mas não está tudo bem,
Senão a alegria da despedida
Não doeria tanto…
Tem momento em que o momento esquenta
No momento em que o momento esfria…
Assim o tempo conta o tempo de poesia.
Por mais que eu caiba em mim
Sempre extravaso assim…
Metrô
Quando pego o trem
Para a Pinacoteca
A viagem parece curta
Mas alonga-se
Na poeticidade
Que me põe a viajar
Nos longes da arte…