No reino da Bruzundanga
Quem já leu alguma palavra do grande Afonso Henriques
Lima Barreto, deverá ter lembrança
desse reino das tantas ladroagens, ditas há um século e tão atuais, vale a pena repetir um pequeno excerto: “Na Arte de furtar, que ultimamente tanto barulho causou
entre os eruditos, há um capítulo, que tem como ementa esta singular afirmação:
“Como os maiores ladrões são os que têm por oficio livrar-nos de outros
ladrões.” Sua missão é, portanto, como a dos “maiores” da Arte, livrar-nos dos
outros, naturalmente menores. Bem precisados estávamos nós disto quando temos
aqui ministros de Estado que são simples caixeiros de venda, a roubar-nos muito
modestamente no peso da carne-seca, no seu ofício de ministro, de encarecerem o
açúcar no mercado interno, conseguindo isto com o vendê-lo abaixo do preço da
usina aos estrangeiros. Lá, chama-se a isto prover necessidades públicas; aqui,
não sei que nome teria...” e por aí vai o grande mestre, ferindo a face oculta
dos mandatários da época, como pouco ou nada mudou nesse reino da bruzundanga,
tomemos as palavras como atualíssimas, pois não? E semelhante ministro daqueles
“maiores” de que a Arte nos fala, destinados a ensinar-nos como nos livrar dos
nossos modestos caixeiros de mercearias ministeriais. Num outro trecho
de sua obra, (No gabinete do Ministro) o diálogo do pretendente a um emprego
público com o Ministro: “- O senhor quer ser diretor do Serviço Geológico. –
Estudou geologia? –Não. –Sabe sorrir? – Sim. – Sabe cumprimentar? – Sim. – Sabe
dançar? – Sim. – Sabe escrever com desembaraço? – Isso não sei, não... – Não
faz mal, o essencial o senhor sabe. O resto aprende com os outros. Está
nomeado. Mais um exemplo atualíssimo: (Recordações do escrivão Isaías Caminha) Um
rapaz foi mandado procurar um deputado para conseguir nomeação, este morava num
hotel com a velha esposa, onde o porteiro disse que o doutor vinha pouco ali,
morava sim, mas não estava. Deu-lhe outro endereço, em lá chegando, foi
atendido por uma bela moça, em roupas de dormir, que pediu para esperar, que o deputado
estava levantando, esperou um bom tempo, o deputado atendeu, pegou a carta de
recomendação que trouxera de um delegado, foi muito solícito e encaminhou-o ao
escritório no dia seguinte, que iria ver o emprego, saiu satisfeito, no dia
seguinte, indo para o encontro, leu no jornal que o deputado tinha viajado.
Exemplos
não faltam na obra desse grande crítico, que encaixam perfeitamente nos dias
atuais, por quem então acreditar que mudará alguma pedra nesse xadrez especulativo que se move no tabuleiro, desde
os mais insignificantes “cavalos” ao “rei”? Este ano temos várias trocas de
Ministros, vários deputados prometendo empregos, tantos se acomodando por saber
sorrir e dançar, tantas
falcatruas... Dizem alguns entendidos
que os eleitores são culpados, por votar mal. Talvez, na próxima oportunidade
vamos perguntar a esses profetas quem são os que não decepcionarão, viajando
fora do combinado, assinando fora do contexto, liberando verbas... etc. Mas,
penso que ainda não é desta vez que vamos acertar o alvo. É, Afonso Henriques,
foste criticado na época por botar o dedo na ferida, mas essa ferida não
cicatriza nunca, meu caro, e ainda vai infeccionar muitos outros, até que se
revolva ouvir as críticas e tentar exumá-las para procurar a cura de tais males
fétidos da sociedade mesquinha.
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