quinta-feira, 8 de maio de 2014



Nascituros


Eis que se amontoam
Lembranças na memória,
Arrependimentos, saudades,
Motivos prá chorar ou sorrir...

Aqui todos somos iguais.
O deus de cada um
É a culpa de cada qual,
O diabo é a inconsciência.

De corpo inanimado, alma solta,
Somos plumas esvoaçando
Sobre antigos males...

Agora todos somos iguais,
Eis que se amontoam
Corpo e alma fetais.



















Lições de casa


Nada podem ensinar
Que já não saibas e
Que está adormecido
Em teus sentidos.

Apenas podes viver
O poder de ter sonhado
Antes da manhã futura,
O mero acontecido.

Terás no momento ávido
O sonho repassado
Em cada tempo revivido.

Por isso terás saudades
Do futuro que se abre
No passado não vivido.






















Dos vícios, alento.


No copo que não bebeste
Estavam as alegrias,
Cercaste na noite seu novo dia
(um dia terás notícia desse dia)

Todos choravam quando sorriste e
O gesto pareceu engodo em ti.
-Mas não, tudo que quereria
Foi-me dado gole a gole, cada ato.

Até mesmo a prostituta jurou-te afeto,
E nem soubeste como engana-la.
Cercaste na noite o copo não bebido.
-Por isso entristeci-me tanto...

Brutalizaste, que a força comedida
Faz-se vida. Como chegara, foste,
Partindo em tantos teu instinto fero,
Que somatizou-se em cada erro, e,

















Mimetizou-se ao ato desértico.


-Que sei do canto que não ouço,
-se não bebi do copo oferecido?
Não embriaguei-me disto...
-que mal  ter, sem ter contigo?

Que  podes querer, sem  amigo?
O que não bebeste fere o senso.
Não sabes o que perdeste
No gole que não solveste.

-Assento-me entre as forças
 Envilecidas do meu tempo,
 Posso arrepender-me do
Não feito? Podes. Por tê-lo dito.

Cerca a noite com seu novo dia.
Todos riem enquanto choras,
Mas, tudo lhe é dado por esmola
Onde estavam as alegrias...


















Solitária


No corpo que se despe
Não há a beleza que foi mulher.
O corpo se descarna de passados,
A mente se enrigece de seus dardos,
A alma se expõe ao que não quer.

Ao largo do sentir ao amar-se,
Aqui todas as rugas são verdade,
E o que fora bom é esquecido
Entre os maus momentos e
Os vividos sonhos juvenis...

Como saber prá onde o seu sorriso
Se não a própria dor que anteviu?
O corpo que se despe, solitário,
Traz ainda a dor de ser tão vil,
Que diz-se conhecer lá do passado...

Conta ainda o tempo relembrado,
Nas parcas áreas alvas, inda virgens,
No corpo que, ao despir-se, cobre
O espelho com panos que se sujam
No corpo malamado, em cicatrizes.
















De tão velhas, as mãos se escondem,
E cobrem seios secos e colos doídos.
São tantas as guarnições e pouco o siso,
Que fazem desta sombra um triste riso.
Que alma sobrevive a tal sorriso?

Entre o sarcasmo que pagou a conta
E a dor que foi o grito final e rijo da
Penitência maior de ter sobrevivido
À cinderela linda do passado em luz,
Destituída, que posta abaixo, não reluz.

Não esquece sua hora de glória frívola,
E seu despejo de tal magnitude vasta,
Como a agora dama suja do presságio,
Antiga dona do desejo interminável,
Que se desfez em choros do passado.

O corpo se despe, chora ao espelho
A mágoa de sentir-se desamado.
Como encontrar seu riso do passado,
Que conta ainda o tempo relembrado
Entre o sarcasmo e o passo dado.











Ao Pablo Neruda



O chão do poeta refaz o dia.
O dia, apenas vivido, de sol a sol,
Não mostra sombras da imaginação.

O chão do poeta faz o domingo,
Dia lindo noutras manhãs...
Bem iguais às segundas,

Se não se faz dele um dia com fôlego,
Com bola e viola, com rede,
E a tarde findando dominga,
          Não como a segunda...

O chão do poeta é um domingo
Florido e cerzido, mesmo desértico,
É parte suspensa sobre tanto brejo.

O chão do poeta é lustro e silício
Plantado de flores que florem no frio
Na pedra, no lume do tempo vazio.















As mãos abanando



São a ausência premedita,
Um instante de gesto
               Sendo nada.

O que fica do momento
Não diz do que se fez
               Do momento

A sombra que se esvai
É apenas memória,
              Sem lembrança.

Do que se viveu aqui,
Um dilúvio de lágrimas
              Sumidas no nada.

Que as mãos abanando
São, enfim, a presença
              Dos nadas.









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