Nascituros
Eis que se amontoam
Lembranças na memória,
Arrependimentos, saudades,
Motivos prá chorar ou sorrir...
Aqui todos somos iguais.
O deus de cada um
É a culpa de cada qual,
O diabo é a inconsciência.
De corpo inanimado, alma
solta,
Somos plumas esvoaçando
Sobre antigos males...
Agora todos somos iguais,
Eis que se amontoam
Corpo e alma fetais.
Lições de casa
Nada podem ensinar
Que já não saibas e
Que está adormecido
Em teus sentidos.
Apenas podes viver
O poder de ter sonhado
Antes da manhã futura,
O mero acontecido.
Terás no momento ávido
O sonho repassado
Em cada tempo revivido.
Por isso terás saudades
Do futuro que se abre
No passado não vivido.
Dos vícios, alento.
No copo que não bebeste
Estavam as alegrias,
Cercaste na noite seu novo
dia
(um dia terás notícia desse
dia)
Todos choravam quando sorriste
e
O gesto pareceu engodo em ti.
-Mas não, tudo que quereria
Foi-me dado gole a gole, cada
ato.
Até mesmo a prostituta
jurou-te afeto,
E nem soubeste como
engana-la.
Cercaste na noite o copo não
bebido.
-Por isso entristeci-me
tanto...
Brutalizaste, que a força
comedida
Faz-se vida. Como chegara, foste,
Partindo em tantos teu
instinto fero,
Que somatizou-se em cada
erro, e,
Mimetizou-se ao ato
desértico.
-Que sei do canto que não
ouço,
-se não bebi do copo
oferecido?
Não embriaguei-me disto...
-que mal ter, sem ter contigo?
Que podes querer, sem amigo?
O que não bebeste fere o
senso.
Não sabes o que perdeste
No gole que não solveste.
-Assento-me entre as forças
Envilecidas do meu tempo,
Posso arrepender-me do
Não feito? Podes. Por tê-lo
dito.
Cerca a noite com seu novo
dia.
Todos riem enquanto choras,
Mas, tudo lhe é dado por
esmola
Onde estavam as alegrias...
Solitária
No corpo que se despe
Não há a beleza que foi
mulher.
O corpo se descarna de
passados,
A mente se enrigece de seus
dardos,
A alma se expõe ao que não
quer.
Ao largo do sentir ao
amar-se,
Aqui todas as rugas são
verdade,
E o que fora bom é esquecido
Entre os maus momentos e
Os vividos sonhos juvenis...
Como saber prá onde o seu
sorriso
Se não a própria dor que
anteviu?
O corpo que se despe,
solitário,
Traz ainda a dor de ser tão
vil,
Que diz-se conhecer lá do
passado...
Conta ainda o tempo
relembrado,
Nas parcas áreas alvas, inda
virgens,
No corpo que, ao despir-se,
cobre
O espelho com panos que se
sujam
No corpo malamado, em
cicatrizes.
De tão velhas, as mãos se
escondem,
E cobrem seios secos e colos
doídos.
São tantas as guarnições e
pouco o siso,
Que fazem desta sombra um
triste riso.
Que alma sobrevive a tal
sorriso?
Entre o sarcasmo que pagou a
conta
E a dor que foi o grito final
e rijo da
Penitência maior de ter
sobrevivido
À cinderela linda do passado
em luz,
Destituída, que posta abaixo,
não reluz.
Não esquece sua hora de
glória frívola,
E seu despejo de tal magnitude
vasta,
Como a agora dama suja do
presságio,
Antiga dona do desejo
interminável,
Que se desfez em choros do
passado.
O corpo se despe, chora ao
espelho
A mágoa de sentir-se
desamado.
Como encontrar seu riso do
passado,
Que conta ainda o tempo
relembrado
Entre o sarcasmo e o passo
dado.
Ao Pablo Neruda
O chão do poeta refaz o dia.
O dia, apenas vivido, de sol
a sol,
Não mostra sombras da
imaginação.
O chão do poeta faz o domingo,
Dia lindo noutras manhãs...
Bem iguais às segundas,
Se não se faz dele um dia com
fôlego,
Com bola e viola, com rede,
E a tarde findando dominga,
Não como a segunda...
O chão do poeta é um domingo
Florido e cerzido, mesmo
desértico,
É parte suspensa sobre tanto
brejo.
O chão do poeta é lustro e
silício
Plantado de flores que florem
no frio
Na pedra, no lume do tempo
vazio.
As mãos abanando
São a ausência premedita,
Um instante de gesto
Sendo nada.
O que fica do momento
Não diz do que se fez
Do momento
A sombra que se esvai
É apenas memória,
Sem lembrança.
Do que se viveu aqui,
Um dilúvio de lágrimas
Sumidas no nada.
Que as mãos abanando
São, enfim, a presença
Dos nadas.
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