O cego
do metrô
Seus olhos
estão apagados...
Palreando
ao piso com sua bengala
Cruza a
porta do metrô... Estaca,
Vence a
irresolução e avança
Em direção
à porta contrária...
Não há
revolta em seus olhos cegos,
Sua camisa
cendrada, sua calça rota,
Seu saco
estufado de coisas...
Agora desce
do trem
Ajudado
por meninos pagos para isso
Se apressa
pela plataforma úmida
E se
apaga... Não da memória,
Tensa pela
condição,
Cruza a
linha de saída e some-se
Na multidão
de cegos...
Uns pela
razão , outros pela desalma...
Não vejo
estranhamento nos desvios,
Seus cabelos
grisalhos denotam
O tempo,
passado entre aprender
E saber
ensinar a vida
Aos
menos vulneráveis,
Nômades
nas calçadas
Apinhadas...
Pigmentos
Nesta pintura de Miró
É preciso imaginação para divisar
A silhueta de fêmea que ele expõe,
Sozinha em meio às pinceladas,
Linhas pretas sobre um papelão corrugado,
Cortadas por digitais vermelhas e amarelas
Respingos azuis meio as partes cinzas
É a dor embutida na cor, sentimento
Da razão perdida num tempo de guerra,
Talvez se ouça o grito dela
Ao prestar-lhe a devida atenção
Como o fez Miró a certa altura,
Rabiscando sobre a tela pronta
Uma nova desventura... Vista
Na escova de luz cortante a esta hora,
Talvez seja outra na aurora...
Mas estamos aqui, pessoas comuns
Como ele se dizia, sabendo sobrepor
À poesia da palavra, a poesia da cor.
Cindido em minha mente
As cavernas dos afrescos vistos nos tempos,
Entre as quinquilharias do templo.
Retículos da infância, trazidos a fórceps
Daqueles espaços sombras,
Das fogueiras inventadas, das idolatrias,
Dos jardins de frutas doces
Às amargas acontecências do depois.
Essas raízes se espalham na memória
E cultivam à paz a revolta dos hojes
Apinhados de saberes inúteis.
Na biblioteca de livros impressos
Pululam cores selvagens, de onças,
E morcegos pendurados de cabeça pra baixo
Espiam... Esses livros são florestas intocadas
Com seus segredos guardados à ignara virtual.
Os que nasceram antigos, como eu,
Percebem o que digo. Digo o que penso,
E os morcegos bisbilhotam livros
Apenas pelas capas coloridas, sem apego.
Choro, como tu, velho mandrião,
Ao ver a insignificância a que foi estreitada
A visão das belezas paginadas no papel.
Pena... Muita pena, de ver mofarem ideias
No vulgar querer de ser-se nu,
Sem desvestir-se da ignorância enfeitada
Pelas parcas palavras entrecortadas de ruídos
Infusíveis à afronta de serem vis,
E, com razão, arrazoados nisso, nascidos
Sem espaço para mudas, apenas continuar
Morcegando, de cabeça pra baixo,
Impenetráveis mentes, treinadas a não ser,
Entre os tantos, que na sua idade, murcham
Sem alvorecer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário