quarta-feira, 24 de agosto de 2022

 

Impertimentes

 

Uma vida que se murcha,

Como a fruta apodrecida,

Vai secando aos poucos,

A cada pôr de sol se esvai,

Quando menos espera, seca

Na tristeza de não mais poder

Caminhar as pedras salientes

Da trilha de sonhos expirados...

São mentes cansadas de mentar

As coisas passíveis de sonhar...

Como a roseira na resseca

Perde as pétalas abrunhadas,

De vistas cansadas de procurar

Horizontes no brilho do olhar

Na espera do sonho dessonhar...

 

 

 

 

 

 

 

Em todos os passos

Há um espaço

Dado ao cansaço...

 

 

 

 

Com os sonhos domesticados

Amarra-se a coleira e pronto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É bom caminhar nas nuvens?

Melhor que na areia escaldante

Ou nos pedregulhos dos momentos...

É como esvoaçar baixinho

Sobre momentos baldios...

Como acariciar pelos fofos...

Como é bom caminhar nas nuvens!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tenho a idade do vivido

O não vivido não conta

Do havido ao desavido

O tempo se remonta...

 

 

 

 

 

 

Recomeço... Recomeço...

Que é novo o amanhecer

Neste gosto de manhãs idas

Nas protuberâncias da vida...

 

 

 

 

 

 

Deste outro crivo

 

Descanse, guerreiro,

Que tua guerra é finda!

Entre vítimas e heróis

Plantaste tua semente

De ódio amor

No finito de teus dias...

A tua dor faz alegria do outro.

Descanse, guerreiro,

Que tens fôlego, ainda,

Para seres estorvo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sujidades

 

Há sempre uma sujeira lícita

Nas amoradas do tempo,

Guardadas por decênios

De madrugadas agourentas.

Há sempre uma sujeira

Guardada entre frestas

Nessas rachas de vidas

Levadas aos extremos

De forçalidades... 

Pelos senões das amuradas

Haverá resquícios deste tempo

Entre lamúrias e risadas,

Sua pitada de arrependimento

A cada fissura inválida...

 

sergiodonadio

 

 

 

 

 

 

talvez eu saiba

e não queira saber

que o tempo repassa

o tempo por vencer...

 

 

 

 

ouço alguém dizer:

- eu não tenho medo de nada.

estranho porque

eu tenho medo de quase tudo

por acontecer...

 

 

 

 

 

 

 

Impertimentes

 

Sinto-me preso ao momento 

Carnal do desespero!

Pensei-me livre quando

Me levantei de súbito, tonteei

Ao toque do condão

Desta velha companheira,

Que conhecera jovem...

Quis vê-la assim,

De olhos brilhantes como antes,

Quis admirar seus gestos sutis,

Como antes...

Mas não, ela está arquejada,

De olhos vencidos,

Como se agora já tivesse sido.

 

 

 

 

 

 

 

 

E nos olhamos pesarosos,

Piedosamente nos vendo nos antes...

Sem as dores dos antes,

Afugentadas no instante

Perdido no ressonar dos antes...

Em nossas ilusões

Denegridas pela realidade,

Infinitamente mais forte

Que o sonho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu quase choro

Quando quase penso

Nos atropelos

Do pensamento...

 

 

 

 

 

 

 

Pela mínima necessidade 

Resenho a parte lúdica

Da mentira na verdade

 

 

 

 

 

 

Caminhos do nada

 

Não vale a pena

Repetir os passos

De uma agenda

Desestimulada

Pelo tempo ido

Em fanfarras...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O mundo não se divide

Por idiomas,

Mas por axiomas...

 

 

 

 

 

 

 

Viver experiências

É aprender desaprendendo

O ensinado na essência...

 

 

 

 

 

 

 

O chão difuso

 

Vestindo um relógio

No pulso emagrecido,

O molho de chaves

Na cinta gasta, arrependida,

A aliança no dedo viúvo,

Na década vencida

Pelo desuso...

Quantas palavras

Continuam neste silêncio

Surdo das raivas idas

Pelo suor da face

Deitando fatos...

Assim completamos

Anos amargurados

Pelo não levado

Ao chão difuso...

 

 

 

 

Todas as vezes

 

Como a pedra

No meio do caminho

Tropeço nas circunstâncias,

Resmungo, apregoo farpas

Aos sentimentos hostis

E passo adiante...

Todas as vezes desesperançadas

Me curvo à realidade,

Poderosa realidade despeada,

E me entrego aos sonhos

Irreais, dormidos no frio

Das geadas negras...

Todas as vezes me apego

E caio na realidade

De meus atos...

 

sergiodonadio

 

 

 

Poema de amor

 

Alguém disse

Que na minha poesia

Falta cantar o amor...

Retruco:

Mesmo quando falo

Coisas diversas do amor

Estou falando em amor!