sexta-feira, 25 de junho de 2021

 

Pardieiro

 

Assim me parece, assim se comporta

O vazio de conversas atrás da porta...

O vento forte procedente de lá fora

Lembra a efemeridade até da morte,

 

Que vem devagar e se torna consorte

Nesta curta vivência ao sabor da sorte...

Pavios de lamparinas tornam-se de led

Num espaço de geração/tempo ínfimo,

 

Ao passo lépido de destruição do feito,

Desconstruído de templos e costumes,

Da timidez à intrepidez das respostas

 

À ordem desfeita de hereditariedades...

Assim me parece, assim se comporta

O vazio de conversas atrás da porta...

 

sergiodonadio

domingo, 20 de junho de 2021

 

O transeunte

 

O morto em hoje

Não é um gato vadio,

Mas foi matado

Como se o fora...

Esmagado na rua escura

Por uma moto escura

De farol quebrado,

O morto estatelado

Se segura na secura

Do fato dado...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um dia triste

 

Cenas deste dia

Findando suas dores...

Uns mascando epidemia,

Mal respirando

Sua expiação fria

Naquela maca levada

Às pressas ao necrotério

Antecipado pela inação

Nesta sala fria...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Esquecer a dor do passado

Para godiar a dor do futuro

Talvez tão, ou mais, amargo....

 

 

 

 

 

 

O humano é um ser que pensa.

Este é o maior erro da criação?

 

 

 

 

 

 

 

 

A noite ardendo em fogo

 

A noite ardeu em fogo,

As éguas ganiam desesperadas

Quando trovejava longe,

Parecendo estar tão perto

Seu raio luminoso...

A noite varou-se em água

Carregando colchões e baixeiros

Limo afora,

Ostentando sua força de água braba....

A noite ardeu em fogo

Alumiando tocos secos em brasa,

Manezinho saiu afora recolhendo boiada,

Assim virou o dia,

Procurando perdidos na noite

Como troféus d’uma caçada...

 

 

 

 

 

 

Não se dá valor ao instinto,

Assim perdemos a razão sobre

O certo ou errado na ação...

 

 

 

 

 

 

Estes cachorros de apartamento,

Confusos, não se sentem cachorros

E não são gentes, assim cuidados...

 

 

 

 

 

 

 

Cavalgada

 

Assim malandrou a fia,

Um dia nublado em pauta,

Uma esfera tida como verdade...

Cavalga o menino mau

Entre donzelas experimentadas,

Cai do cavalo cedo

Entre tropeços e arremessos...

A malha se ri de tudo,

Do tombo, da promessa,

De como se ilude e desilude

O menino crescido nisto

De sorver nublados

E conhecer o mal maior:

Menina de fino trato... 

 

 

 

 

 

A casa das histórias

 

A casa de meus pais,

Cheia de verdades implícitas,

De tempos a amiudadas geridas,

De formas líticas de memorar...

Mesa rodeada de gentes,

Irmãos, irmãs, parentes...

Comida pronta, fome pronta,

Arquivo de verdades idas...

A casa de mananciais

Entre orquídeas nascidas

E tanto, ou mais, de vidas

A estrear seus encantos

Rudes de acalantos...

A casa desses pais, enlevada

De saudade e trias

Dos tempos a estudar...

 

 

 

Talvez a melhor resposta seja escutar

Sem contradizer ideias invalidadas...

 

 

 

 

 

 

Poder de escolha

 

Então, o que existe

Além da alegria

De poder estar triste?

 

 

 

 

 

Rescaldo

 

Da canção num último afago:

Ouço, longe, ao chamamento

Querer-me lá fora, em relento

Uivar à lua o contentamento...

 

O que de nós neste momento

A vírgula impõe contratempo

Do tempo eivado na memória

Deixada desviver o sentimento...

 

A pedra é esta, atirada a esmo

Neste lume aceso pela calçada,

Que pisca cada desmomento?

 

Seremos nós envoltos n’água

Na chuva lá fora que esmaga

Resquício de medo ao mento...

 

sergiodonadio

quarta-feira, 2 de junho de 2021

 

O estouro da boiada

 

Somos bois de trela?

Somos bois de engenho?

O estouro anunciado

Desta boiada atrelada a erros

Traz no seu bojo este medo

Acondicionado em pílulas,

Desde o medo da varíola

Ao medo da atual pandemia ...

Duvidosos de alguma cura,

Ou até de tantas mortes,

Passeamos pela avenida,

Incólumes, desconformes,

Acudindo nossa sorte...

 

 

 

 

 

Somos lobos solitários

À procura de vozes

Há tempo esquecidas

Nos varais da lida,

Deixados para trás

Nas elações perdidas...

Quanto vale à nós

A solidariedade

Nos pensares retos

Das almas enlutadas?

Quanto nos põe medo

A perdição dos ares

Nestes termos de lidas?

 

 

 

 

 

Somos bois de trela?

Somos bois de engenho?

Quantas vezes açoitados

Pelo mesmo empenho?

Julgados pelas mortes

De que estamos prenhes

Entre nascituros asilados

Em casebres lenhos?

O que faz de nós

Essa indiferença à dor

Alheia à nossa dor tensa

De perenes desgraças

Na graça em que vivemos?

 

 

 

 

 

Somos bois de trela?

Somos bois de engenho?

Não somos bons com

Nossos congêneres...

Não somos bons com

Vidas em extremos...

Nem somos o que somos

E nunca nos seremos

Nesta pantomina rasa,

Em que nos hesitemos

De dar a mão à ajuda?

Que nos pede a vida

Entre desvividos ermos,

Presos neste medo

De errar por menos...

 

 

 

As contas deste rosário

Rezado em terços

Não absolve os pecados

Dos tratos e destrates

Desses trastes lesmos...

O choro que abomina

O mal lesado encima

De atos em lamento

Não absolve os erros

Dos tementes lesos,

Apenas se sorvem

De sequelas mornas

De julgados fatos

Em cada novo estupro

Da família em luto...

 

 

 

Somos bois de trela?

Somos bois de engenho?

O que sofre ao lado

Não nos diz respeito?

As fomes do translado

Em mares revoltos

Não nos afete o leito?

Por que não choramos

Pelas desigualdades

De um povo migrador

E suas necessidades?

A nós escarne indolor?

Acobertados ao frio

Calamos neste vazio

Que se faz ao infleto.

 

 

 

Esses bois de carga,

Cansados e temerosos,

Puxam nosso mundo

A um novo tempo

Sem lamúrias vagas

Desses relentos

Em que vida se apaga

Aos seus efeitos...

Esses bois estafados

Pela carga máxima

De seus elegidos pleitos

Se faz de surdo e cego

O que poderia repensar

O enfadado feito...