quinta-feira, 30 de junho de 2011

Assim é se lhe parece


As parecenças das vidas
Levam os pés frouxos
À calçada molhada desta rua
Descalçada.
Como se andasse sobre lama
Ou sobre trilhos antigos, cobertos
Pela lama, assim são os passos reais
De que não se reclama.

Hoje mesmo, andando sobre os fatos
Passados e urdidos nesse ato,
Surpreendi-me descalço
Sobre essas pedras antigas,
Lavadas pelas ansiedades e partidas...
É... as parecenças são lúgubres
Sem serem funestas, apenas
Cansadas de limpar os pés,
De cada lama...
báratro


O perigo de correr perigo
É quebrar uma perna
Da alma, vencida
Pelo báratro das névoas...

Aquele buraco entre
As alucinações e o ego,
Entre as paixões e o cego
Entreter-se desse lego.

Brincar por brincar com
Os medos à luz dos dias
É o perigo do perigo...

Andar à beira de abismos
Traz à tona a alma antiga
Antes de se a acudir
farpados


A atitude farpada
Não diz a que veio...
Não transforma amizades
Nem emenda freios...

Só o arame, farpado,
Faz a diferença nas pastarias,
Onde o boi deixa o pêlo
E se amedronta.

Não o homem, o ser,
Que passa longe por precaução,
Não se arranha nas farpas
De suas atitudes,

Senão, seria impossível
Seguir adiante, com a reserva
Dos poderes do outro,
De pôr medo.
Meninos condenados


De braços abertos
O menino é um avião...
Paira metros acima do chão
Na sua nova velha invenção.

De braços abertos
O menino revoa a relva,
Absorto na sua leveza como
A de um gavião.

De braços abertos o menino
Morre, arcado ao peso
Da exumação.

Quantos meninos
Abrirão seus braços para
Abraçar a maldição?
Filhos de Peleu


A fúria de Peleu Aquiles
(mil anos antes de Cristo, ou mais)
Ainda cheira carniça
Nos morros do Rio, nos alagados,
Nos fundos das pontes
de São Paulo...

Nas brigas das ruas, nas valas
Fedidas das velhas cidades,
Carcomidas por seus apeleus
De um tempo novo, velhos fornidos
Afélios no que se perdeu...
Mais velhos...menos podres...

Apenas pétricos arbustos
Nessa imensidão de frutos novos,
Renovados a cada muda,
A cada poda de cada vestal,
Varridos pela fúria daquele
Primeiro rei ancestral.
deficiências


Para evitar olhares
Reprovadores
Passo a compilar meus valores
Entre desvalores...

Que aqui todos sabem que não posso
Evitar a má fase.
Aqui todos estão reprimidos a chorar
Seus sentidos

Como fora eles os culpados
Aos indecisos.
Quem sabe agora possamos
Sorrir desdentados...

Que aqui todos estão desdentados
De alguma coisa,
Chaves de ossos e nervos faltantes
Nas deficiências.

Talvez o raciocínio falho
De cada menino entre meninos
Que esbravejam suas fraquezas
Esmurrando paredes.
Como naqueles tempos...


Desde o término da guerra
Nada é normal...
Falta o pão e a manteiga,
Como naqueles tempos,
Mas só aos sem grana.

Como naqueles tempos
Homens fardados passam
E abanam adeuses, mas...
É você que parte ou
Se reparte...

Como naqueles tempos
O peso das fornadas
É vigiado pelos olhos
Famintos das partes...
Desiguais.

Como naqueles tempos
O tempo se afunila
Em ais pelas esquinas
Das casas pré fabricadas.
Só para os sem garra.
metamórficos


Vendo o sepultamento
Penso
No pó que somos, ainda em vida,
Já que não temos opção de não ser.
Apenas estamos esperando
Nesta fila
O interminável fim dos soldados,
Dos parias, dos padres, e, pior,
Dos meninos em sua fase
De aprendizado!

Cobrindo de flores a campa
Penso
No quanto somos flores em vida,
Já que não temos tempo de não ser.
Apenas germinando galhos
Nesta fila.
O interminável canteiro de soldados,
Parias, padres e meninos
Tornando pedra nos
Aprendizados.
comparativamente


Esses manequins na vitrine,
Estáticos, olhando para a vitrine
de pessoas passantes...
Como se parecem comigo!

Como pareço com manequins,
Estático, olhando que olham
mesma surpresa deles em mim...
somos expectadores da vida

Nas vitrines nos orientamos
pelos sapatos novos, pelas cores,
pelas molduras das pessoas,
Que passam...e são passado,

Só os manequins ficarão
nessa vitrine, rindo de nós,
Que nos portamos como eles,
Que têm muito mais fôlego.
patentes


Qualquer coisa mais
Que você pensar
Dará motivo para
O não pensar...

É que é complicado
Entender como pensam
Os que falam por você,
Enquanto calas.

No púlpito o pastor tem razão,
No pódio o corredor tem razão,
Na tribuna o tribuno então...
Só você tem de ouvir calado.

É que qualquer coisa
Que você pensar,
Por eles que falam
Já foi pensado.
Questão de prisma


A visão do mundo
Depende de onde se o olha,
Das lupas da memória
Ou da presença
Se estende a luz dessa musa:
A vertente.

Do navio a visão do mundo é...
Um vazio...imenso...plaino...
Infinito, diria olhar de grito.
Da praia a visão se espraia
Para as dunas e as furnas e
O mesmo mar de antes...

Daqui donde me encontro
A visão de meu mundo é
Um estranho momento de
Por de sol e iluminuras
Nas árvores e paredes...
Azuis.
funções


A função do dia é o amarelo.
O verde é o fim da tarde,
O azul esmerilhado madrugada,
Fria, endógena, silenciosa entre
As manias das pessoas e
dos pombais,

Que arrulham ambas
para esta escura azulidade.
Assim o que resta para o
dia inteiro se pintar
De vermelho?
defluirão


O amor é esta sombra enorme
Que paira sobre a prescrição das águas,
Faz que se sofra, arda, amargue,
Mas também passa...

Seria chato se esse rio parasse
Em frente a casa da colina plantada,
Assim é o amor, que, se chateasse,
Também passa.

E como a água que ao passar limpa
O fundo lodoso de cada curva rasa,
O amor também nos lava...

E flui como se ao mar desenhasse
Sua trajetória de água doce e fraca,
Que ali se salga.
Coisas da vida


Coisas há que a vida não suporta,
Como esquecimento das vidas passadas,
Morta está a vida que se vai,
A outra, que renasce em qualquer rincão
Não saberá o que foi ou
o que será depois.

Isso a vida não suporta.
Como não suporta saber que finda
Ao amanhecer de um dia lindo,
E não haverá complacência para seu
Desvario, e sua inércia anunciará que é finda.
Isso não suporta.

Como não suporta pensar que
todos fugirão das derrotas,
E que a vitória dos poucos, que também
Não saberão o que fazer com ela, tal vitória,
Com sangue, membros quebrados,
Tipóias...

A vida caminha por vias tortas e
O que importa não é o dia passado a limpo,
Mas o vindouro dia sem prescritos.
Que vitória é esta então?
Se até o vencido está melhor
vestido?
Pés no chão


Enfim amadureci,
As certezas me demitiram,
Só as incertezas ficam
Vagando por aqui...

Agora sei que cresci,
Já que não sei de mim mais
Do antes, mas, certo de que
Menos do depois.
acordos


A capacidade de sorrir
Ganhou esteio
Quando a boa nova acordou,
Mas não veio.
Mudanças de humor


Para aprender a tristeza
É preciso prestar atenção
Aos ventos desse inverno,
Que sopra o restante
Das tardes quentes e
Provoca os frios nas faces
E racha os lábios
E lacrima olhos pendentes
De seu humor.

As luzes mortiças
Desse inverno ditarão
As regras para anoitecerem
As vontades e vaidades,
Agora a ordem do tempo
É sorrir fechado entre
As vagas do vento
Cortante de mãos frágeis
E humores vagos.
inverna mento


As garças
estão voltando ao pântano
Por que as águas
estão vazantes
E os peixes treinam
a piracema.

Ainda não é outubro,
mês das águas,
Mas elas vieram antes e
Antes os peixes sobem
E antes as garças chegam...

É uma lição de viver
Que devemos copiar
E assimilar
Sempre.
rixas


Como bicho acuado
Você rosna...
Prepara o choro,
Fabrica a lágrima,
Eriça os pêlos e olha
Fixo para o nada...

Assim não vale,
O desafio é
Olhar nos olhos
E sorrir...veja, sorrir,
Como se o nada fosse
A distância exata.
O coxo


As pernas desiguais
Fazem-no trotar, por isso o chamam
Cavalo de tróia, porque engana bem
Com seu vai e vem
Os olhares pesarosos
Sobre si.

Depois abrirá cabeças
Com seu bote mais preciso sobre eles,
Pegos no susto dessa guerra de poses,
Que o vêem indeciso quando
Apenas está pensando
O possível.
vizinhança


O escuro da pele,
O encanto dos olhos, negros, enormes,
Fixos no reflexo da manhã,
Enfim a face verberando o ser,
Vindo ao mundo para vencer, se não,
Ao menos para não perder
Cada luta, cada desafio, cada fera
Que é cada momento
A ser vivido...

O escuro aos olhos
Racistas da vizinhança clara, sobressai
Entre os outros olhos, menos vivos,
Chegados ao lugar certo para perder,
Se não, empatar com o outro,
Apenas o suficiente para
A luta diária de sorrir choramingando
As falhas e pintas
De ter vivido.
Ventres livres


Os braços estendidos da libélula
Sugerem o bebedouro do leão,
Onde bebe sua gota de água e
Põe seus ovos impunes...

Mas o leão está preso!
A libélula está livre, que inveja...
Para sair para esse mundo
Colorido das árvores.

A situação é mesmo trágica
No olhar triste do leão
Em seu mundo fechado,

A libélula foi e leva junto
O que o leão inveja e ruge:
A felicidade.
Anoréxica


Passeiam pela passarela
seus braços
Finos
E suas ancas ossudas e
Suas pelves sombrias
Essas meninas.

Rodeia seus passos cruzados
Uma promessa de estar morrendo
Células cansadas
E ossos frágeis,
Uma camada de pele alisada
Cobre essa ossada saliente,

E suas veias fúnebres
Trazem uns olhos tristes
E mãos trêmulas
E esse cansaço de saber
Que a este regime
Nada sobrevive.
bedel


Vestido com essas roupas vencidas
O velho não se lembra
De ter sido o carrasco um tempo,
Surrando os pequenos e batendo
Em suas cabeças a régua dura.

Mas agora ele sente o frio do inverno
Em sua pequena casa de um quarto
E um pinico sob a cama...ele não se lembra,
Mas os meninos sentem-se vingados
Por essa derrota do carrasco para o tempo,

Tempo ilimitado que é a velhice,
Tempo limitado que é passando fome,
Tempo parido doutros tempos
E maldito entre os homens...
Tempo de esquecer, lembrado.
desabroches


Com o suave sol de junho
Desabando sobre mim, estou calmo
Entre as calmarias desta tarde...
As mãos invisíveis afagam
Vendo-me triste...

Mas não estou derrotado, não vivi
As amarguras prensadas nas lides,
Apenas consumi-as como quis,
Ou como quereria minha sorte
De ainda sorrir.

Fico ouvindo essa harpa nos dedos
De um menino prodígio, que, penso,
Poderia ter sido eu, com o violino
Que meu pai deu, julgando-me capaz.
Que não aconteceu.

Assim como não aconteceram tantas
Outras iniciativas, falhas talvez
Das próprias, ou de minhas feridas
Absortas nos fracassos de viver-me
Enquanto talo.
Diálogo com o mesmo eu.


Estou indo para o lugar nenhum,
Daqui contemplo o que eu estava quando
Inda penava os favores de viver...
Sem perturbar as cinzas assopro o fogo
Que me tala, não tenho medos mais,
Apenas receio de leve a voz da razão.

Me sinto em casa quando estou em mim
Como agora, sem hora para pensar ou
Espernear o perdido, as intenções secam
Em mim aquele sonhador, perdido,
Passado a limpo neste torpor de dia,
A fumaça do vulcão no Chile abafa.

Os planos de sair, de alguns temerosos
Senhores de gravata e pés trementes,
São desfeitos pela cinza dessas lavas.
Aqui somos mais que promessa, somos
O cumprido de quem nos prometeu,
Arcamos assim com o que se perdeu.

Estou em casa agora, estando em mim.
A ordem decrescida das prioridades
Se perde na vantagem dessa idade
Entre o imberbe e o senil, começamos
A vida comendo papinha, vamos findar
A vida pedindo papinha...que merda!
Lições do fogaréu


O renascer das coisas em cinzas
Faz crer na existência de um deus
Entre as inverdades das promessas
E a verdade dessa brotação em festa.
Daqui, desse solo carcomido,
Dentre as chamas as cinzas mortas
Revigoram o verde, esse milagre
Para quem não acredita mais nisso.
Olhai os lírios do campo...
Que os plantou e fez florescer
Tais puros caules a fazer colores
Das cinzas que ventaram ontem?
Se hoje existe esse campo verde
Que vejo entre minhas dúvidas
É porque a natureza mais que abusa
Das precauções do cético.
Inda ontem estava eu chorando
As cinzas da queimada doutro dia,
Agora vejo renascendo o que não sabia.
Assim é a prova, amigo, da ignorância
De nós que não cremos nesse deus
Que nos leva de adulto a ser criança
Outra na inocência que se perdeu
Entre as descrenças provocadas
Por essa manada de ateus.
ensejo


A poesia deve perfurar paredes,
Mentes reacionárias, vadiações
Do tipo não sabe nada...

A poesia deve sangrar os poros,
Chacoalhar miolos nas variações
Das frases natas...

A poesia deve morar na lagarta
Que explode de seu casulo
E colore-se borboleta...

A poesia deve ser pura para impuros
E impura pra os puristas, sem
A náusea provocada pela ira.

Que a poesia é voz, não é mania,
É como que seria providência,
Não a penitência do culpado.

A poesia escuta o mal falado
E explica a datação carbônica
De cada ato, desde o ranço.

A poesia é para ser a recriação
Do fato, mesmo do que ainda
Está por acontecer.