domingo, 6 de abril de 2014






Estou pronto


Escovo as palavras
Para dar brilho a elas
Como sapato em verniz
Para a festa.

O que se diz nos saraus
A palavra envernizada
Contradiz. Não eu,
Acostumado ao pensar,

Coloquial é o pensamento,
Depois a expressão
Inverte o que o coração

Promete. Não eu, que
Estou pronto e sujo
A palavra para a festa.




judico


A gente, às vezes,
Quer correr dos problemas,
Mas eles são mais espertos...
Sabem bem o próximo passo,
A investida no certo.

A gente, às vezes,
Nem acredita que os fatos
Desacontecem as preleções
Do dia a dia, mas de esperto
Chegam antes.

Às vezes a gente pena
Por ignorar ameaças plenas
Das carcaças malefeitas
Das passadas experiências
Das cabeças.

A gente, às vezes,
Tropeça em mínimos galhos
Das pressas, e cai, e chora
E volta ao passo sensato
Das trilhas.

apascentados

calendário
Assisto o pascer tranqüilo
Desses animais...
Seremos todos iguais
Na próxima primavera.

Eles sabem disso melhor
Que nós humanos,
Que os fritamos nas nossas
Panelas
E nos refestelamos com o cheiro
E o sabor de suas carnes
Nossas...

Com o correr do inverno
As diferenças se anularão
E seremos iguais
Na próxima panelada
Acendida amanhã...

Só as árvores têm
A capacidade
Da espera.


comboio


A poesia não para,
Como um trem em marcha
Atravessa pântanos
E pastarias
E cidades
E volta ao morro de seu inicio,
Sem mágoas.

Como um trem de carga
Carrega todos os versos, pesados,
Impregnados de odores
Simbólicos
Apenas para descarregá-los
Adiante,
Em cada fim de viagem.







Fontes


O que tem além do morro?
A descoberta do outro morro.
O que tem além da palavra?
A descoberta da outra palavra.

Assim sendo, cruzemos as estepes
Áridas, sedentos das sedes várias,
Para seguir adiante descobrindo
Morros novos e novas palavras...

As águas deságuam longe, levam
As palavras velhas e trazem
As novas, as águas levam o fruto
Das galhadas liberadas

Assim, lerão teu texto adiante
Quando debruçarem-se sobre
Ditos escaldantes, para
Tomar da tua água.




vadiagens


Pelo amanhecer do dia
Levantamos todos, vazios,
Procurando as cordas
dos sentidos
Para orientar pensamentos...
O relento da hora garoa
Na grama fresca da frente
E nos pensamentos,

Aqui chegamos agora,
Frente às derrotas acontecidas
Ontem, nos penitenciamos
À promessa de não
Acontecer de novo.
De novo apenas a carranca
Da menina mais vadia
Da rua em questão.





Sepultos vivos

Lá embaixo do baixo
Vibram os acontecimentos,
Tudo se mexe e avança
Pela força das necessidades.

Lá embaixo do baixo
Os corpos se mexem e se
Acomodam de novo
Ante a chuva prometida.

Lá embaixo do baixo
A fome balança a rede,
Eis que surge a vida
Naquela vida.

Abandonados à sorte
As crianças miam, gemem,
Se contorcem e
Avançam para alto.

Lá embaixo do baixo
As pessoas lutam pelo lixo
E aprendem a razão de
A fome ser fatal.



perspectivas


Como se não houvesse amanhã
O menino passeia entre as mesas
De um bar sujo, brinca com
as tampinhas da cerveja que
o pai toma, e não reclama
Que não houvesse amanhã...

A rua se enche de pedintes,
Sem teto que vagueiam entre
As ruas sujas de ontem
E as varredoras da manhã.
As latas vazias e as latas cheias
Confundem o menino













Como se não houvesse amanhã...
As barras de chocolate derreteram,
As barras de bolacha molharam,
Nas poucas áreas secas
As barras dos braços esmolam
Um pedaço novo de sobremesa

Como não houvesse amanhã
Mastigam as consciências...
As crianças trabalham o lixo
Sua riqueza de pães vencidos
E marmitas azedas...
E, não haverá amanhã.










teimosia


A mariposa tonteia
Em volta da luz
Até queimar suas asas...
Não se parece sempre
Alguém que conheces?





A bigorna


O ferro duro endurece
A mente e a mão do ferreiro.
A mente dura endurece
O ser que vive rameiro.







visionário


A existência
Não se alonga
Nem encurta,
Talvez seja o merecido
De cada um
A par dos acontecidos.
Será leve ou pesado
Acontecimento, levado
Por cada prisma,
Cada olhar de otimismo
Ou pessimismo,
Trágico momento de espera
Dos favorecidos
Pela meada da caneca...
Meio cheia?
Meio vazia?
Quem sabe o fundo da caneca,
Se não o vivido?


alanhamentos

O lar do pescador
Em pleno mar.
O mar do lenhador
Em plena mata.

Que seria a casa de cada uma,
Trocados os lugares e os ares
Das esperas pelo peixe
Ou pela lenha
Desvirtuados em peças
De uma sala atapetada
À espera de folhas, em branco,
Em negro, em escritos adversos...
Que seria do lenhador na sala
Do contador, ou do contador
No mar do navegador?

Em pleno mar
O contador enlouquece.
O lenhador que pesque
Sua nova alanhadura...





piques


Vou fazer
Os broches da princesa
Na mendiga desta rua,
Transforma-la em pessoa
Com nome e embicadura
Nas amarras do pique.

Vou fazer
O alforje do caçador
E premia-lo com louvores
Ao seu animal empalhado,
Antes que o empalhe...
Ou empulhe.













Vou fazer
A nau do navegador
Com surpresas ao timoneiro,
Vestido comandante
Para hoje em ilhas
Perdidas...

E no mar das Antilhas
Uma princesa das ilhas
Brotando sorrisos largos
À promissão do mendigo,
Feito audaz, imerecido
Mas capaz.








avejão


As sombras audazes se dissolvem
Com a sobrecarga da noite,
Momento em que serão iguais,
Escondidas e desfeitas
Em manchas sem luar
E abantesmas...

Perdem as sombras sua força
De amedrontar, já que igualam
Com os tocos e os muros
Nesse escuro pertinente
Com a falta de luar
E de estrelas.

Entrevado céu além mar, apenas
As sombras podem perceber
Quanto perdem no emaranhado
De vultos, escuros imperceptíveis..
Mas presentes ainda
na noção da cena.





ambigüidade


Eu tenho amigos, amigo,
De olhares gentis e cantilenas
Que envolvem meu humor
Pelas tardes silenciadas...

Eu tenho amigos
Que podem não me ver sempre,
Mas não esquecem de abanar
Adeuses, quando me vou...

Eu tenho amigos, amigo,
Que desafiam meu humor tarde
Da noite quando solitário
Penso: Eu tenho amigos?









confiabilidades



A melhor parte do dia
É perceber alegria
Nos olhares infantis...

Os adultos
talvez se enganem
Com cantilenas negociáveis,

Mas as crianças não...
As crianças são confiáveis
Em toda situação.



barro feito homem


Eu, o barro feito homem,
Acordo no meio da tarde
Inda madrugada...
São silêncios de barulhada
A escola soltando crianças
Instando-os a fazer nada.

Espio o que venho expiando
Pelos dias levados a sério,
Embora feitos para bailar,
A apenas grave oferta
Dos pródigos defeitos
Ocultados pelas tardes.

Agora vestidos ao avesso
São meninos tatuados,
meninas grávidas de fato
De terem esperimentado...
Quem somos, apesar disso?
Somos o barro feito gente!


Narrativas


Quando a historia for contada
Esquecerão detalhes sórdidos,
Apenas a memória vitoriosa
Será narrada posteriomente...

São gaivotas catando conchas
Enquanto homens dormem...
São rolinhas catando grãos
Enquanto homens sonham...

Quando a história for recontada
Omitirá esses erros dos homens
Dormitando enquanto há vida

No sonho por demais descabido
Enfim dado por acontecido de
Voar sem asas.








Mouses


Pois que o risco seja
Num jogo de marelinha
Há uma controvertida
Ameaça de fazer briga.

São meninos belicosos,
Jogam a bola de meia
E a pipa de jornais usados
Antes e depois das aulas.

O que mais pode o menino
Desse dia desocupado
Se não a tarde festosa?

Meninos há que censuram
Sentados à frente de telas
Com seus ratos obscuros.