Quando as tias partem,
Desintegram na memória,
A sensação é de que está chegando
Muito perto o cheiro da volta...
É tempo de voltar ao ninho,
Rebuscado pelos ventos,
Ao assobio das cotas permitidas.
Quando as tias partem
As tias partem ilusões idas...
Há uma previsão no ar, a dizer
Que é hora de desfazer as malas,
Terminar a viagem planejada
À espera de um apito de trem
Ou de um pio de filhote
Esperando a passarinha
Na tarde de volta.
As vidas humanas,
Assim como os rios,
Desaguam feéricas
Em oceanos vazios...
Todos os vértices vertem sangue
Entre a nascente e o poente
Deste sol vermelho acuado ao medo...
Entre momentos de paz
E momentos de guerra
Há que se respirar
Os ares da espera...
Todos os argumentos
São válidos,
Até para os inválidos...
Muro revisitado
Somemos todas as esperas,
Cansa-se o sol de prometer
Luminosidades,
Pendão do que já era,
Alvora-se a paz em nova guerra...
Todas as faces se cansaram
De sorrir e chorar os mutilados
Deste tempo ao relento de viver-se,
Sem saudade, ou arrependimento,
Apenas o sentimento vago
De tornar-se nulo,
Além do muro revisitado
Ao tempo...
Insanos
-Nós comemos cadáveres!
-Ainda não de humanos, ufa!
Não sou vegano, sou humano,
Consumo, sem culpa,
O fígado do abatido!
Seja bovino ou suíno...
É, cadáveres criados aos milhões
Para nosso deleite insano
De consumir o que apartamos...
Assim morre o último ato
É incerto o braço
Que se escora no batente e cai...
Entre as mãos pendentes
Um pedido de socorro a mais...
O incerto braço se faz presente,
Mesmo sabendo-se incapaz...
O tempo é solene desesperança
De já não ter tempo
Para mendigar herança...
É incerto o braço que se fez socorro
Mas não se socorre a si
Neste fim de tarde avoengo
De frio a quente, morno
Ao desesperado retorno
Ao mesmo batente em torno...
É incerto o braço
Que se ofereceu inerme
Sob tabuas de pintura fosca
E manchas de escárnio,
Seu último ato...
A morte ajoelha-se
À prescrição da vida,
Seria muito sorrir
Ao choro da despedida?
Em não sendo Guimarães Rosa
Uso meu direito de criar palavras,
Que o dicionário não diz tudo...
O ser emergido
O ser que emerge
D’um crescente adolescido
Não pode ser confidente
Ao menor juízo...
Procuro entender as velhas tias,
A confidenciar com cães e gatos,
Eles sabem guardar cochichos,
Melhor que parentes nisso...
A passagem do tempo
A passagem
Do tempo é variável,
Para o homem, passa doído,
Para o cedro embaça...
Quando o homem é velho
Encara o florir novo do cedro
Em sua graça...
Lusco-fusco
Rio que me conformo
Porque sei que vou vencer
A rudeza da manhã,
Que me açoita ao vento
Desenfreado do nascer do sol...
Cristalizado nessa névoa
Trago para depois o prêmio
De ter vencido a borda
Das manhãs...
Percepções sergiodonadio
Agora percebo que a permanência
Do homem na terra é limitada
Aos dias numerados friamente
E ao ser fracamente mortal...
Não sabemos o que está à frente,
Amanhã só o amanhã percebe,
Mas o amanhã pode nunca chegar!
Hora de pensar que temos filhos
E os filhos têm filhos, e, apesar
De sua rebeldia adolescente,
Os amamos... Que dizer ao pai?
Ao irmão apesar dos pesares?
Eles são caros a cada coração...
Mas, se o amanhã não chega,
Como lembrar olhares de procura
Às emoções que refletem a chama
Do que denominamos amor,
Que arde dentro do peito?
Lembrar que, apesar de a vida
Ser curta e imprevisível,
É bela e esperançosa, e, o que
Se poderia fazer dela eu fiz!