sábado, 27 de julho de 2019


Os anos setenta

Ou aos setentanos?
Falando da vida minha
Revivida em sete décadas
Consumidas...
Os setentanos talvez sejam
A força da fraqueza
Desses músculos quebrados,
Dessa próstata aumentada,
Desse pâncreas inconservado,
Trazidos à mão solta,
Presos às possibilidades
De freados pelo cansaço...
Mas são sete décadas
De passados!







À luz do abajur

Sob essa luz azul
As paredes harmonizam
Os pensares na cama...
Somos tão parecidos
Com os vagalumes...
Ou mais com lagartixas?
A luz que refletem
Acervam a quietude
Das lagartixas
Espreitando aranhas
Pelos vãos dos fios soltos...
Somos assim mesmo?
Talvez com o rabo aceso
E a atenção voltada
Para a parede branca
À espera das moscas
Assentarem sobre...




Alzheimer

Tudo que sabias
Desprendeu-se
No último suspiro.
É...
Não levarás consigo
Os adquiridos,
Nem os apreendidos
Nos anos vividos!
Se bem comportado
Deixarás saudade,
Se não, esquecimentos.
Assim é a perdulária
Contagem dos momentos,
Finda esta vivência
Perde-se o amealhado,
Até a consciência!





Troca de fechadura

Esses,
Que entram em nossas vidas,
Se licenciam da intimidade
De chegar-se,
Entrando sem bater
Nessa mente acolhedora
Que lhes sorri amavelmente...
Mas em seguida se afastam,
Batem a porta com força
De quebrar sentimentos
E se vão, às outras portas,
Abertas sem cerimônia
ou respeito...
É hora  de trocar fechadura
E por pra fora do peito
O que não mais se atura.





Jurozinho

Todas as assertivas
Deste guru
São diretas, infladas
Pela voz tonitruante.
Dizia coisas amáveis,
Outras cruéis,
Quando vociferava ideias
Deixadas de lado antes.
Se acalmava quando
Se via compreendido
E aceito em suas ordens,
Corria os dedos pelos cabelos
E voltava a sussurrar
Conceitos desconhecidos
Para nós, expectantes...
Pois bem, jurozinho,
Dessa vez errastes
Sem tempo de consertar,
Acabado o deslumbramento
Por macilento. 

Linha na agulha

Viste
Por onde passa
A linha na agulha?
Olhos lacrimados
De persistir na faina
De bordar botões
Na dificuldade
De acertar a burca,
Se é linha preta
Tudo se complica
Mas a linha branca
Facilita o toque...
Assim é a tarde
Que se obscura
Entre o sol pendente
E o lusco fusco
Das seis horas...








 Gravidades

Se fosse grave...
E tão grave seria
O amor posto à prova
De cada dia...
O cão ladrava sua dor
Acorrentado à laje fria,
O batedor se debatia
Na peia do dia pago,
Que por pago lhe ardia...
Se fosse grave
Assim grave seria?





Asas de falcão

Quando te penso,
Penso
Entre as teias da aranha
E o chão formigado,
De areia fofa
Caio, esparramado
Entre esses que penduram
No meu galho...
Aqui nos sabemos óbvios,
Mais que redundantes,
Lógicos
Mais que estreantes
E voamos...
Embora sem as asas do falcão,
Que em pensamento
Se vão...









Os pensores dão n’agua
Deste rio inventado agora,
Correm com ele à praia
Esperando a aurora...







Mania de querer não seja,
Apenas mova esta linha tênue
Entre o sonhado e o que emerja...











quinta-feira, 25 de julho de 2019


Mas valeu a pena

Penei, penamos, dias amargos,
Frios, incandescentes,
No correr de dias pelas estradas
Desabertas de gentes...
Confiamos e cofiamos
Barba e cabelo e decências,
Manipulamos receitas
De como virar gente
E nos perdemos nessa estrada
A procura de mais valores...
Em nossos parcos poderes
Nos sentimos bem, ou mal,
Pendente o momento vivente...
Tudo o que poderia acontecer
Aconteceu ativamente
Mas valeu a pena!
Valeu-te à pena ser diferente
Enquanto gerente de gente?



Os anos setenta

Ou aos setentanos?
Falando da vida minha
Revivida em sete décadas
Consumidas...
Os setentanos talvez sejam
A força da fraqueza
Desses músculos quebrados,
Dessa próstata aumentada,
Desse pâncreas inconservado,
Trazidos à mão solta,
Presos às possibilidades
De freados pelo cansaço...
Mas são sete décadas
De passados!







À luz do abajur

Sob essa luz azul
As paredes harmonizam
Os pensares na cama...
Somos tão parecidos
Com os vagalumes...
Ou mais com lagartixas?
A luz que refletem
Acervam a quietude
Das lagartixas
Espreitando aranhas
Pelos vãos dos fios soltos...
Somos assim mesmo?
Talvez com o rabo aceso
E a atenção voltada
Para a parede branca
À espera das moscas
Assentarem sobre...




Alzheimer

Tudo que sabias
Desprendeu-se
No último suspiro.
É...
Não levarás consigo
Os adquiridos,
Nem os apreendidos
Nos anos vividos!
Se bem comportado
Deixarás saudade,
Se não, esquecimentos.
Assim é a perdulária
Contagem dos momentos,
Finda esta vivência
Perde-se o amealhado,
Até a consciência!





Troca de fechadura

Esses,
Que entram em nossas vidas,
Se licenciam da intimidade
De chegar-se,
Entrando sem bater
Nessa mente acolhedora
Que lhes sorri amavelmente...
Mas em seguida se afastam,
Batem a porta com força
De quebrar sentimentos
E se vão, às outras portas,
Abertas sem cerimônia
ou respeito...
É hora  de trocar fechadura
E por pra fora do peito
O que não mais se atura.





Jurozinho

Todas as assertivas
Deste guru
São diretas, infladas
Pela voz tonitruante.
Dizia coisas amáveis,
Outras cruéis,
Quando vociferava ideias
Deixadas de lado antes.
Se acalmava quando
Se via compreendido
E aceito em suas ordens,
Corria os dedos pelos cabelos
E voltava a sussurrar
Conceitos desconhecidos
Para nós, expectantes...
Pois bem, guruzinho,
Dessa vez errastes
Sem tempo de consertar,
Acabado o deslumbramento
Por macilento. 

Linha na agulha

Viste
Por onde passa
A linha na agulha?
Olhos lacrimados
De persistir na faina
De bordar botões
Na dificuldade
De acertar a burca,
Se é linha preta
Tudo se complica
Mas a linha branca
Facilita o toque...
Assim é a tarde
Que se obscura
Entre o sol pendente
E o lusco fusco
Das seis horas...




Por destino

Um passado tornado breve
É cada vez mais longo,
Enquanto o futuro,
Que fora longo, torna-se
Cada vez mais breve...
Cada um de nós pode finar
A qualquer momento,
Agora que nos sustentamos
Com medicamentos...
A exemplo de meus pais
Eu não sinto medo
Deste momento inefável...
Mas não tenho pressa,
Não me apavora o acontecer
Mais do que a espera...
Sinto-me proprietário
Quando sou inquilino
Deste corpo mal cuidado,
Por destino.




                                    O tempo pós-moderno
O tempo em que vivemos é chamado por muitos como “pós-modernidade” é o período em que todas as visões de mundo entram em crise e os indivíduos estão livres para criar tudo novo. Para Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, a modernidade é liquida, pois se molda ao invólucro em que for colocado, ele não utiliza o termo pós-modernidade, cunhou o conceito de “modernidade líquida” para definir o tempo presente. Escolheu a metáfora do “líquido” ou da fluidez como o principal aspecto do estado dessas mudanças. Um líquido sofre constante mudança e não conserva sua forma. As formas de vida contemporânea se assemelham pela vulnerabilidade e fluidez, incapazes de manter a mesma identidade por muito tempo, o que reforça um estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos. Essas mudanças de perspectivas aconteceram em um ritmo vertiginoso a partir da segunda metade do século XX. Com as tecnologias, o tempo se sobrepõe ao espaço. Podemos nos movimentar sem sair do lugar. O tempo líquido permite o instantâneo e o temporário às formas de vida contemporânea, o que reforça um estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos. Para Freud, autor de “O mal-estar da civilização” a tese é de que na idade moderna os seres humanos trocaram liberdade por segurança. O excesso de ordem, repressão e a regulação do prazer gerou um mal-estar, um sentimento de culpa. Para Bauman, “a modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas" pela estabilidade do Estado, da família, do emprego ou de outras instituições, aceitava-se um determinado grau de autoritarismo. Segundo o sociólogo, a marca da pós-modernidade é a própria vontade de liberdade individual, princípio que se opõe diretamente à segurança projetada em torno de uma vida estável. Na modernidade sólida os conceitos, ideias e estruturas sociais eram mais rígidos e inflexíveis. O mundo tinha mais certezas. A passagem de uma modernidade a outra acarretou mudanças em todos os aspectos da vida humana. A modernidade líquida seria "um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível.” Na sociedade contemporânea emergem o individualismo, a fluidez e a efemeridade das relações. Se a busca da felicidade se torna estritamente individual, criamos uma ansiedade para tê-la, pois acreditamos que ela só depende de nós mesmos, somos impulsionados pelo desejo, um querer constante que busca novas formas de realizações, experiências e valores. O prazer é algo desejado e como ele é uma sensação passageira, requer um estímulo contínuo. À medida que o futuro se torna incerto o sentimento coletivo dominante é que se deve viver o momento presente e exclusivamente para si. Dessa instabilidade e ausência de perspectiva também nasce uma angústia, a incerteza diante da modernidade líquida, quando os vínculos humanos têm a chance de serem rompidos a qualquer momento, causando uma disposição ao isolamento social, onde um grande número de pessoas escolhe uma rotina solitária. Isso também enfraquece a solidariedade e estimula a insensibilidade em relação ao sofrimento do outro. Esse tipo de isolamento parece ser uma contradição da globalização, que aproxima as pessoas com a tecnologia e novas formas de comunicação, mas se tudo ocorre com intensa velocidade, isso também se reflete nas relações pessoais. As relações se tornam mais flexíveis, gerando níveis de insegurança maiores. Ao mesmo tempo em que buscam o afeto, as pessoas têm medo de desenvolver relacionamentos mais profundos que as imobilizem em um mundo em permanente movimento, gerando a solidão solidária das redes sociais atuais, espero estar errado quanto à durabilidade desse processo.

segunda-feira, 22 de julho de 2019


Um povo gente

Neste momento
Sinto saudade da saudade
Que já não retenho...
Foram tempos
Tristemente alegres
Aqueles que
Vagamente relembro
E que me renegam.
Talvez um dia inda possa
Sorver essa mágoa
De não sentir saudade
Da lida amarga que vivera
Entre matas e planuras
E um povo chamado gente.







Recendência

O tempo passa...
Por passar recende
O vigor d’outros tempos,
Deixados mofar
Neste hoje preguiçoso,
Dolente,
Em que falta vontade
Para suprir a inhaca
Que rege o repente...












Macilenta

No tacho
A rapadura ferve,
Ainda cana,
Já melado,
Ainda insana
Macilência
Da seca braba...
Do tacho
O fogo espraiado,
Vitória da fome
Lúdica
Desse quadrado...









Tropeções

O passado
É o passo dado,
Tropeçado,
Embolado,
Costurado
Nas cicatrizes...
Doído?
Mas, passado...
Passado a limpo
Não foi mal vivido,
Mas não planejado...
O próximo passo
Será menos doído
Se cuidado...







Andarilha

Veste-se andarilha
Para tentar-se pura,
Pura maldade implícita
No seu ato de malícia...
Molha-se
De suores e gozos
E espera o parceiro certo,
Alto, forte, porém dengoso.
Veste-se princesa
Para esse engodo...











Pão e leite e sorrisos

Saímos pela manhã
À procura de sentimentos...
São momentos assim
Que valem o dia...
Fremem em nós a alegria,
De poder sorrir sem choro
E amar sem armamento...
À procura de sentimentos
Saímos à brisa da manhã
E nos encontramos com
Luzes a se apagar nos postes
Cedendo razões ao sol
Em seu momento,
E nos deparamos na várzea
Entre mendigos e ricaços,
Nesse meio cansaço e euforia...
Não temos grana mas matamos
Fome na simplicíssima ração
De pão e leite e sorrisos...




O que sabe ganhar o vintém
Pode perder-se quando, depois,
Vê que o valor da vida se esvazia
Ao preço monetário que tem...







Se a vida fosse extensa espera
Que outros se prometem um dia,
O que seria desta hoje fera
Se o amanhã é lida tardia?






Pão e leite e sorrisos

Saímos à brisa da manhã,
Nos encontramos com
Luzes a se apagar nos postes
Cedendo razões ao sol
Em seu momento.
Fremem em nós a alegria
De poder sorrir sem choro
E amar sem armamento,
São momentos assim
Que valem o dia...
À procura de sentimentos
Nos deparamos na várzea
Com mendigos e ricaços,
Nesse meio cansaço e euforia...
Não temos grana mas alegria,
Matamos a fome
Na simplicíssima ração
De pão e leite e sorrisos...
Nossa utopia.
sergiodonadio

segunda-feira, 15 de julho de 2019


Disparidades

Para alguns
O dia termina ao por do sol,
Para outros
O dia começa ao anoitecer...
São vidas paralelas,
Afeiçoadas às horas vazias,
Não como as manadas
De gado findando os dias...







Endógenos

O dia ontem
Fechou-se anuviado...
O dia hoje
Viveu-me momentaneamente...
O dia amanhã
Quem sabe, seremos verbos?
Advérbios?
Adversos ao mal vivido
Nesses passados...






Melancólicos

Melancólicos
São os meninos embriagados,
Ou pela entorpecência,
Esta palavra inexistente,
Ou por seus sonhos defasados...
Melancólicos
São os bêbados sentados
Nessas esquinas sem semáforos,
Diferenciados pelos outros,
Os que se confundem
Pelas próprias derrotas...
Melancolicamente...



CALOS DE OFÍCIO

Oficiemos:
A paz sempre conseguida
Pela exaustão da guerra...
O conforto
Pela exaustão dos contratos...
A vitória
Pela acumulação de ofícios...
A procriação
Pela acostumação de sexos...
Até onde a manipulação
Chega a consumir gestos
E elucubrações
No correr dos anos
Viciados em suores
E apaziguamentos?


O que faz
O ato da semeadura
Tornar semente?



Instintos

O homem
Que se fez homem,
Fez outro homem,
Herdeiro de seu nome...



Horizonte imaginário

Hoje estamos aqui,
Voltados dessa viagem
Que foi começo e fim
Em si mesma.
Talvez seja este o destino
De cada viandante: Estar vivo!
Voltar-se para si
Sem ter saído de si...
Tornar-se raiz, enfim,
Depois de despregado
Caule e folhas, e juntar,
Na historia de vivido
Entardeceres diários,
No fundo de seu quintal
Ou no horizonte imaginário.
Assim te lembro

 Assim te lembro:
Raiz e folhas,
Arcádia e dentes...
Aberta a mente
À ilusão poética.
Assim te lembro
Rosácea flor
A florescer estética,
Sendo a ternura
Em sempre festa!
Assim te lembro
Poeta!
Em sendo claras
As ideias...



 Assim te lembro,
Como sendo o pensamento
Aresta...
Passos trôpegos, lembrados
Firmes na surdez necessária
Aos boatos de cada ato...
Assim te lembro
De ato em ato, que desato
Com o percurso
Da névoa das manhãs
E do sol das tardes...
Assim te lembro
Como quem seca,
Como quem arde...
E parte.

O amor é um deserto
Quando lembra de alguém
Que não está perto...





O andarilho

Dorme a vida toda
Sobre a mesma pedra,
Repousa a morte toda
Sob a mesma pedra...



O grito, que esperavas
De mina boca aberta
Silenciou-se à dor
De eu ser Poeta.





Sobre tua campa brotam flores,
É a vida tua que continua nelas,
Mostra o que há um tempo fores
Aquilo que interiormente eras.






O que dissera um dia
Diverge do que diz agora.
Pensa de modo novo
Ou compungir-te o torvo?





Quando a verdade aflora
Faz-se preciso ruborizar o cenho
Na vergonha da mentira dita
Anteontem no teu desenho...




Ressaca

O tempo nos faz sinceros,
Há de somar-se ao tempo
O imemorável senso
De a verdade ser melhor
Que todas as esperas...
O que fora sonho
Realizou-se diferente
Do sonhado, como fosse
A alegria do antes
Essas tristezas do passado,
Passado a limpo
O nosso pensar de antes
Evolui-se no aprendizado,
Somos bêbados dormidos,
Hoje acordados.




Brando vento balança a árvore,
Traz a oferta de nova miragem,
Pensar o dia hoje como dia claro
Mesmo a névoa diga o contrário...





Quem nunca soube dizer
O que soubera fazer
Espera desacontecer...



Letargos

O mundo começa entediar-se.
É um perigo...
Assim começaram as guerras
Do passado...
As fomes pelas regalias,
Por mais terras, mas trilhas,
Uma imensa vaidade
De ser-se maior que a vida,
Essa espera desconstruída...
O mundo começa a atritar-se
Por mera melancolia
Dos tempos havidos nobres
E sua pobre letargia...


Às horas tantas

Às horas tantas da noite
A parição das ideias
Socorre-me das lonjuras
Que o tempo antecede...
Pois para haver lonjuras
É preciso que se carregue
Uma mochila recheada
De destinos e validades
Como a saudade que impera
Nos meus pensares de agora...
A vida assim vai-se embora
Sendo a vida tão breve
E sendo contado em hora
Cada dormida que cede
Por agora...
Quatroras

Ainda eram dez das horas
Da noite chegada em tempo
Passava o capitão delegado
Em seu jipe oficial, dos medos,
Mandando que a meninada
Fosse dormir no repente...
Embora inda fosse cedo,
Agora são quatroras
E os meninos não vão pra casa
Inda tocam música alta
De um mau gosto fremente...
Capitão perdeu autoridade
E menino perdeu respeito
E foi assim se mudando
A vida que era d’outro jeito...
Inominadas

Casinhas sem nome...
Apenas a cadeira vazia,
Treliças rasgadas
Embalando saudade
D’outros dias...
O sol que inda arde
Na enxadada tardia...
A enxada descansa o fio
Escorada na parede nua,
Ornada com o pé
De trepadeira seca
Pedindo poda e água,
O podador desistido
Foi-se a procurar serviço
De melhor paga...


Casinha sem nome,
Na ausência presente,
O resignado ir-se embora
Tentar vaga sem trelho
Nos edifícios a meio feitos,
Inda vazios de paredes,
Entregues ao nu dos pilares,
Ouvindo os ventos nos ares
Assobiando suas bases
De escravatura forçada...
Melhor seria voltar
A plantar-se onde se nasce
E que a enxada replanta
À espera da germinação
Das batatas novas...


Casinha sem nomes,
Pessoas sem nomes,
A peia se alonga
E cola cal e cimento
Nos sapatos e nos rostos
E nas camisas rotas...
Mas a casinha espera
Com suas goteiras
E fuligens e picumãs
Que inda volte arrojado
O senhor das eiras,
No demanhã...

sergiodonadio

A palavra

Há de construir-se
Como se constrói uma casa,
De tijolo em tijolo.
A poesia é o acabamento,
De verso em verso,
Pintando cores ao cimento,
Forrando pisos toscos
Das palavras nuas...
Cobrindo-se em telhados
De sentimentos puros,
Embora impuramente
Dedilhados, sem pejo
Ao erro ou lisura...

quarta-feira, 10 de julho de 2019


Às vezes no silêncio da noite

Um cão ladra a certa distância,
Acorda meu senso de medos...
Por que razão estaria o cão
Espantando o próprio medo?





A distância entre
A mente e as mãos
É muito longa,
Às vezes inalcançável...


Sonhos pequenos

Esses sonhos,
Quando menores,
Criam as possibilidades,
Por realizáveis...
Já dizia meu pai:
-Não dê o passo maior que a perna,
Vai tropeçar...
Tropeçamos todas as manhãs
Nos nossos próprios chinelos,
Estranhos de nós,
Depois de uma noite
De sonhos...
Grandes demais.


A desesperança

Não seria o contrário
De esperança,
Mas a falta de...
O fim do túnel
Sem claridade à frente...
A curva da esquina
Sem esquina?
Talvez o sonho desfeito
Ao fim da realidade...
A desesperança
É tal qual o olhar lacrimado
De um órfão
Em seu orfanato...


Viranças

Todos se vão, um dia,
Não é possível perenizar
Cada momento
Em cada memento...
O agora há pouco
Já se finda em ponteiros,
O daqui a pouco
Surpreenderá o desvivido...
Assim todos corremos
O mesmo risco de virar
Cisco...




Términos

A memória do corpo
Tem mais valia
Por mais presente...
Na terceira idade, a última,
Tudo é definitivo, a dor,
O amor, a sensação de estar
Pronta a casa, o muro
Que a separa da rua,
No sentido do nada.
A memória da dor
Vale-se dessa fraqueza
Do corpo para impor-se
Ao encanto da espera
Terminada...

Feminais

As coisas
Passíveis de ser
Acabam sendo...
Ao menor esforço
A fêmea vista macho,
O macho visto fêmeo,
Assim, na ira extrema
É passível de entender
A cada objeto o abjeto
A conceber o errado
Como certo.




O carro

Às vezes é mais amigo
Que o humano amigo...
Envelhece com a gente
E a gente não percebe
Quanto estamos
Envelhecidos...
Na troca de pneus,
Na implantação
Do marca passo...
Nas regulagens dos pinos
E dos cadarços...
O carro, velho companheiro,
Bate as bielas e afoga-se
Nessa mágoa de seguir
Rodando esgarço...
Maturidade

Saí pro mundo
Pra vencer o mundo,
Volto desse mundo
Vencido pelo mundo...



Ouvindo Suassuna

Nada é tão irreal
Quanto a realidade...




Sombra e água fresca

Todos morrerão um dia,
Se acreditares nisso...
Por isso eu não morrerei,
Porque não acredito na morte,
Senão de um corpo cansado
De correr atrás das coisas fúteis...
Mas eu, a alma desse morto,
Viverei para outro corpo...
Erraremos pelo mesmo jardim,
Nem que esteja seco,
Seremos bem vindos nele,
Entre as rosas ressecadas,
E tartarugas procurando
Sombra e água fresca...
Acreditas nisso?
Pequenas fardas

Procuro as cores
De pequenas fardas...
Não fui guerreiro
Tesoureiro dessa ilharga...
Operário da palavra
Cedo-me a mim como
Retrocesso... Dei a volta
No quarteirão, não me vi
Em nenhum portão...
Apenas me assisti
Passando, procurando
As ocorrências pardas
Perdidas pelo trecho
Das pequenas fardas...



Do que importa ou não importa

Não importa
Que estejamos envelhecidos,
Importa
Que não sejamos envilecidos!
Não importa
A sofisticação vazia,
Mas que a sinceridade resfria!
Não importa
Que o dinheiro esteja com o outro,
Importa
Que não nos falte o conforto
De ter um teto e um almoço,
Por tão pouco...




Importa
Que estejamos prontos
Para isso
De a alma sentir-se leve
De alheios prejuízos
E o corpo dolorido
Se acostume ao atrito...
Aprendamos a conviver
Com o sol e a chuva nevoada
Entre os dias bons
E os de virada a sonhar
Nosso dia amanhecendo
Em nova estrada...

sergiodonadio