segunda-feira, 9 de maio de 2011

gênero


Ainda criarei raízes,
Como o abacateiro,
Que me olha
Misericordioso,
Sempre que passo,
Suado e exausto,
Na minha inquietação
Animal.
muleta


Tem dias
Em que a vida
Sobra
E
O chão
Desaparece.

Então,
O que te acode
É uma
Prece.
Aquerencias



Vendo as flores brancas
do cafezal com um fundo verde
e marrom de terra aguada, penso
O que ficam fazendo as pessoas
Dentro dessas quatro paredes?

Aqui não tem nada, até o peixe
no aquário se inquieta,
o quadro na parede quer voar...
As roupas penduradas no armário
Não vêem a hora de passear.

Por que ficam as pessoas,
que não são peixes nem rouparias,
dentro de quatro demências
Presas nessas miúdas
Aquerencias?
desmembramentos


Às vezes o tempo passa
Entre relâmpagos de idéias.
Elas, desconectadas, se vão,
Ficam as marcas da rendição.

De saber que o tempo passou
As mãos estão calejadas,
Tanto quanto os pés e o cérebro,
Os olhos, as faces trincadas.

Num infinito de perdas, tudo
Vai ficando pela estrada, pe
Daços de cada membro, des
Membrados do cansaço...

Já que não podemos nada pra
Parar o tempo, segura o último
Minuto, cega o último olheiro e
Parte, absolutamente inteiro.
evolucionismo


Como dar nome às coisas coisa,
Se as coisas não respondem coisa?
Quem disse à mesa que era ela mesa?
Quem disse ao vaso que seria vaso?

Como domar uma mesa ou um vaso?
Como nominar cada coisa ou fera
Ao longo das aparições furtivas
Frente a esse fero senhor que fere?

Quem chama o cavalo e responde,
Senão esse domesticado selvagem
Que o homem acavala e doma?

O outro cão obedece mas não sabe
Que seria o cão do mais sábio na
Escala evolutiva do nada ao nada.
O circo chegou


Viva o circo!

O circo chegou com suas palhaçadas
Atrevidas e quebradas.
O ilusionista se ilude com a casa cheia,
Trabalha de a meia.
O trapezista se equilibra entre redes
E marmitas.

Eu, menino, não vislumbro essa face
Moribunda,
Para mim o circo é festa, da armação
Ao vislumbre.
Tudo bem, me parece, com o anão
Aos pinotes e o homem cipreste...

Mas entristeço quando vejo na jaula
O tigre acossando um gato, trocado
Por um bilhete da matinê de domingo,
Ele pula, se safa e cansa, no fim
É o prato da janta...

Vou-me embora, triste, desolado
Com o circo no meu passado.
Deveria...


Deveria ser este dia
O melhor dia, da dádiva constante,
Da floração das lindas horas frias...
Da mágica oferta de carícias...
Da mulher que se enrola
Na poesia.

Deveria ser este dia
Como o de um dia quando
a vida que deveria estar madura,
Só principia...
E volta pro altar onde se prometeu
Até que separe-os a morte,

Mas tardia é a consideração,
O que deveria ser esse dia,
Já quase finda e arrasta-se em dores
E faz-se revelia, delira o que extasia
Tentando a volta triunfal do dia,
Que deveria...
Escambo


A morte não se troca
Pelo que possa ser-lhe oferecido,
A riqueza das mansões,
A arma do bandido...

A cara ruim do azedo,
A doce cara do desprevenido,
O que pudesse ser ofertado
Não tem sentido,

Que a morte,
De tal extremoso tamanho,
Não oferece pechincha
Ou escambo.

Não se deixa levar por promessas,
O que deveria ser feito,
Passou por ter sido,
Sem prometido.
Daltonismo


Todos os negros são negro,
Todas as rosas são rosa,
Mesmo os brancos, as vermelhas,
As faces coradas,
As pétalas areias...
Envergonhado desse daltonismo
Preguiçoso
Confunde-se o colorido mundo
Em branco e preto.
A princípio


Até a agressividade leva à paz.
Dos que ficam para sempre
Aos que não voltam mais...







momentos


A paciência tem um tono finito.
As vezes suporto um trem,
Outras vezes nem um grito.
Os aventais


Se ainda sopra o vento
Sobre os aventais brancos,
Por que iria eu manchá-los
desse sangue?

A voz que chama anda distante,
perturba a paz dos lençóis
Quarando...
Essa mesma paz a que me apego,

Fugindo doutros laivos de loucura,
Leva a covardia ao meu ego,
Mas planto-me estátua,
Que me segura.

Talvez por covardia sopro o vento
Sobre esses aventais lívidos, que
O instante não me faz bravo,
Mas vivente.

A voz que xinga está mais distante,
Já não perturba a paz
Em que me entendo, ventando
os lençóis e me quarando...
Penitenciária


Se tivesse o dom
de celebrar o dia, o faria
Num de sol claro,
malhado de nuvens brancas...

não assim, frente a este presídio,
que me espanta
a respiração forçada dos meninos
penando suas penitências,

merecidas ou não, cabíveis de pena...
que penar por penar, penam mais
os que ficam aqui fora, tentando
mandar um beijo, pelo ar.

-Se pudesse celebrar um dia,
Não seria este,
Com todos os olhares
Pelas grades...
Visita ao leito 5



Se te pareço soturno
É que a mim coube o silêncio
Das horas doentias, dos choros,
Das manias de sofrer

De certas pessoas com corujas
Ao pé do travesseiro babado
E dormido por tantos minutos
Quanto o dia passado.

Que não sabem que me dói
A dor de vencido, que flui
Dessas camas hospitalares.

Se te pareço tristonho,
É que a mim me cabe
Sorrir aos desavisados.
Piaçaba



Da piaçaba fiz um feixe,
Amarrei com arame liso,
Torci no cabo roliço
A bruxa desse feitiço.

A propalada varrição
Da rua onde moramos
Joga no lixo coisa boa
Deixa apodrecer a lama...

Na próxima varredura
Vou prestar mais atenção
A cada falsa candidatura.

Ah, vassourinha xucrana,
Quando varrerá pro bueiro
A gente que a gente clama?!
Derrotas


Um dia, num minuto
o tempo que foi embora
deixou no esquecimento
A cicatriz exposta...

Deve ter doído...e muito!
Mas não lembro quando
O raio da roda da bicicleta
quase decepou meu pé.

Então, por que não esqueço
Dos incêndios que apuram
a mente e tiram-me do sono
Com susto e estrondo?

Então, por que não deixo
Ir essa dor das desavenças
Que não mostra cicatriz?
Então, por quês?
suscetibilidades


Meu pai guardava uma torquês,
Um serrote, um traçador de muito uso,
Dos tempos em que fazia taboas
Das árvores nativas.

Meu pai guardava o cheiro do cigarro
E um ranço rouco na saliva,
Umas mãos calejadas
De toda uma vida...

E deu-me de presente um violino!
maratona


O pouco da história, revivida,
Revisito, vivendo da partida,
Acompanhando passos ligeiros
De uma pressa companheira.

Desses caminhos relembro
Pouco a pouco do silêncio
Que se fez no trecho morto
Imerso no pleno da corrida.

Quem me viu trôpego passou
Adiante de minha ida e vinda
E voltou-se para gritar-me

Que perderia pouco se parasse.
O que se perdeu, enfim, é muito,
Foi o que perdi, por transeunte.
susto


O pássaro embalsamado
não é um pássaro,
é um objeto.

O que dói na
minha austera consciência
observativa

É que um dia
seremos todos objetos,
inanimados,

Postos a vender
produtos vários, antigas idades,
das cuecas vencidas

aos pássaros raros,
souvenires de aparato lixo
De nossa fidalguia.
Parti.



Se aqui cheguei foi por ser cumpliciado,
Em alguns momentos, pelos outros atos.
É poemático saber que me acompanham
Minhas esquivanças de ser, por inteiro.

Acompanhado de mim, viajo por mim,
Por isso me conheço bem e me sei aqui,
Porque amo os lugares e uma mulher,
Embora não conheça bem esta ou aqueles...

Quando já não o for, só os ossos viverão,
Se a alma morrer de vez, quando me for?
Eis que me é dado o direito de discernir,

Acredito-me assim feito por meu Deus,
Aquele que criei à minha imagem, que
Está aqui quando me vejo vazio de mim...
31 de agosto de 2009-08-30


Começa tarde o mês de agosto,
Com seus fumares e seus cheiros,
Indontem fazia frio, hoje esquenta,
Timidamente a tarde, de agosto.

Somamos, eu e o mês, incapazes
De formular idéias, um só tempo,
De rédeas tensas, tempo de espera...
Começo tarde o meu mês de agosto,

Meu orçamento instável de transes,
Entre o bolso vazio e o dia, inteiro.
Esperamos, agosto e eu, a primavera,

Que virá degelar as intenções de fato
De sermos meses inteiros em dias
Arrastados de janeiro a janeiro...
Das desumanidades


Quem sabe, rascunhando
Palavras, possamos dialogar
com passados e futuros e
costurar raças... humanas.

Porque o mundo não amoleceu
Suas brutalidades com altares,
Estruturas modernas de viver
As periculosidades da raça...

A ambição da palavra: Asas
De revoar intenções raleadas,
De fazer dar as mãos, atadas.

Um dia, quem sabe, seremos
Um tanto melhores que isso
De ser tão humanos e fictícios.
resquícios


O resquício imaterial
desta construção
acabada
É tão ou mais evidente que
os cacos de tijolos e azulejos,
Amontoados na beira
do muro externo.

Os resquícios imateriais
de dor de braços quebrados,
De cabeças abandonadas,
de visões de um futuro nuvem,
São o que aparece na pia suja

Onde
O servente lava o cimento
de suas mãos grossas
De entulhos.
consolo


Tudo na trajetória da vida
É letífero,
Pois a fatalidade guia os passos
De cada transeunte por esta rua
Sem nome, sem placas, sem calço.
Apenas uma rua
Que vai a lugar nenhum.

Já sentiste assim tua vida?
Esse trajeto é forçado a caminhar
Teus passos,
Seja na primeira infância,
Seja na última idade...

É fatal que se arranhe em espinhos,
Se tropece em supostas pedras,
Se caminhe a esmo pela areia e
Que as dunas caminhem contigo,
Por isso é preciso sempre
Esse abrigo.
ciclos


Desta árvore no cio
A sombra esquelética despenca
Folhas amarelas e flores podres.
É o tempo de desfazer-se das sobras,
A sombra sabe e se encolhe
À sua condição de passado.

Nascerão desta árvore
Os anfíbios sem pernas,
com pequenas barbatanas,
Que serão jogadas fora futuramente,
Por imprestáveis.

Quando penso nisso, tremo.
Temo pelo meu futuro, como imprestável,
Quando minhas pernas serão descartadas
E pequenas barbatanas me ensinarão,
outra vez,
A nadar.
embriagues



Foi-me dado a escolha,
Embriago-me de poesia,
já que não bebo o vinho
Da embriagues etílica
À meia


Sou medido pelo tempo.
Sou medido pela gula.
Sou medido pela gala.
Sou medido pelo suor
Daquilo que penso e falo...

Imensurável é a mesquinhez
Daquele que me mede,
Mas cala.
desmembramentos


Às vezes o tempo passa
Entre relâmpagos de idéias.
Elas, desconectadas, se vão,
Ficam as marcas da rendição.

De saber que o tempo passou
As mãos estão calejadas,
Tanto quanto os pés e o cérebro,
Os olhos, as faces trincadas.

Num infinito de perdas, tudo
Vai ficando pela estrada, pe
Daços de cada membro, des
Membrados do cansaço...

Já que não podemos nada pra
Parar o tempo, segura o último
Minuto, cega o último olheiro e
Parte, absolutamente inteiro.
gênero


Ainda criarei raízes,
Como o abacateiro,
Que me olha
Misericordioso,
Sempre que passo,
Suado e exausto,
Na minha inquietação
Animal.
gênero


Ainda criarei raízes,
Como o abacateiro,
Que me olha
Misericordioso,
Sempre que passo,
Suado e exausto,
Na minha inquietação
Animal.
O tempo que passa


Vi passar, na manhã,
A menina das saias curtas,
Os homens das calças rotas,
A menina para os homens,
Os homens para a menina...
Mas, não disse nada.

Vi o dia tornar-se claro
Dos escuros da noite densa,
E a noite, densamente ousada,
Dividindo-se em sombras
Esparsas sobre telhados...
Mas, não disse nada.

Nasci e cresci espiando
A vida das cores e sombras
Entre o nascer e o pôr
Dos sóis diversos, premidos
Entre vidas que passavam...
Mas, não disse nada.










Sobrevivi às derrotas
Onde passei sede e fomes
E viajei às pasárgadas
De meus sentidos absortos,
E fui desfiando horas...
Mas, não disse nada.

Que a vida, como me é dada,
É-me tirada aos poucos
Nos sentimentos de dores
Matando-me previamente,
Que só os ossos ficarão.
Mas, os ossos não dizem nada.

Os ossos apenas ficam
Observando calados
As mortes das madrugadas
E dos sóis que pairam
Em nuvens escurecidas,
Que não dizem nada.