sexta-feira, 29 de maio de 2015




do livro 14 versos   500 sonetos

Mãe


A tua ausência presencia em mim
O que falta de vida por viver...
Como as raízes hereditárias
Da planta mãe que o solo acolheu.

Que mais posso querer da tua terra,
A que me fez firmar sobre a minha
Os pés segurando um corpo frágil
E a alegria que mais possa prever e

Que não era, nos tempos imemoriais
Da infância? Não, mãe, mesmo não
Sendo eternos mas infinitamente...

Irmãos, conquanto breves, teremos
A paz de teu sermão, a benção aqui
No sempre o abraço que nos leve.






Amigos


Vou trazer minha pasárgada
Para que venha ter comigo,
Ela, por saber-me frágil,
Eu, por tê-la conseguido.

Vou ter a paz tão sonhada,
Troco mulheres por amigos,
Viveremos acompanhados
Debaixo do mesmo abrigo.

Vou criar descompromissos
-que é meu modo de viajar
Os recônditos sentidos.

-prá aconchegar tenho livros.
Vou buscar minha pasárgada,
Que ir, já não tem sentido.








Oração
(à neta natimorta)


Esta súplica é por ti, menininha,
Tem a tua feição, me parece,
Que não pode dizer à que vinha
Na afeição que terias, se viesse.

Este dia é para ti, menininha,
Que, sem tempo, teu nome dissesse.
Nos longes, assim, não comezinha,
Tua alma lesta se expresse.

Não há claro ou escuro que afete
Sua forma de anjo, vibrante,
Do oráculo o feto, essa messe.

Esta minha oração, essa prece,
Não é por teres ido tão antes,
Mas... Porque vieste.







Das utopias


No céu de agosto a nuvenzinha
Passeia a forma dum barco a vela
E vai-se, como se por encanto
Viajasse meus sonhos nela.

O que seria da vida, agora,
Se a pudesse viver nesta janela?
Se me fosse novamente aurora
O que faria da vida, aquela?

Já se tornou tremendo esforço
Essa janela para o sonho torto
Como se fora apenas ela

A zarpar em pleno agosto
Levando, mesmo a contra gosto,
O encanto da vida, nela.

quinta-feira, 28 de maio de 2015



Motivos


Não faço versos verborrágicos,
Cotidianamente versifico
Cotidianos versicolores,
Vestindo dores despercebidas
Eu verso a vida.

Não vendo versos versificados,
Não metrifico nem centrifico,
No verso idílico apenas fico
Idiossincrásico, idiomático,
Mágico idílio.

Eu vejo versos por onde passo
E com seu passo me pacifico
Às vezes amargo, às vezes vário,
Nem sempre doces ou agridoces
Com os das feiras.

Não faço versos por brincadeira
Nem é esta a vez primeira
Que com eles me gratifico,
Não com dinheiro ou por ofício,
Faço versos gratuitos.





Se puder pensar
Que possa haver consolo
Procurarei pelo que vai
Embora...
É chegada a hora dos adeuses,
Sem mais choro,
Apenas sabendo
Que chegou sua hora.












Os mortos caminham devagar

Os mortos caminham
Devagar.
Nem dá pra se notar o quanto
Nessa miríade de espantos...
Seria preciso auscultar
O pranto
Para sabê-los assim
Sofredores
De ter morrido por caminhar
Entre moribundos
Devagar...
Mortos antecipados
A caminhar juntos
Par a par.








Madurescências
Do livro Viandando


As coisas maduras
Invertem os valores,
A pá, a colher,
As formas de amores...
As coisas amadurecem conforme
Convivem com as outras coisas:
O menino, a menina, o garfo, a colher,
A mesma cisterna a lavar tantos pés...
Que envolvem as verdades
Mentindo passagens
De um tempo andado
Entre o pronto e o aprontado.
As coisas maduras tiveram
Cores diversas...
Da cor da inocência à cor do pecado.
As cores maduras são filhas
Dessas cores diversas.
Entre o branco da flor do cafezal
Ao preto do café coado, madurado,
As cores têm tanto futuro
Quanto passado.

Sergiodonadio.blogspot.com

Horas moídas


Outra vez moídas as horas
O cansaço de ir
Por ficar implora à dona do mundo,
Como que por esmola
Um canto seco sob a chuva cortante.
Outra vez, moídas as horas,
O pensar volta-se ao instante
Sob águas debruçadas sobre o tanque,
Emergem daí novas vontades:
A vontade de ir
Sem ter de ir embora...
É ausentar-se sentado à mesma mesa,
Pensando avoado as aventuras
E a paz de tê-las vencido
Por ventura da outra longevidade,
A da vida madura.
Dessa vez o sono repara o cansaço,
Há tempo de sobra sobre
O cadarço da bota escura.
Aqui, outra vez a mesa está posta,
A fome é que não volta.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Eu não apresso o tempo
Livre agora para redescobrir
As verdades,
Dentro do aprisionamento negativo
Sou positivista,
Mesmo com essa gripe ondulante
Que me atrasa...
Percorro as ideias, antes fixas,
Viajando nelas minhas prioridades...
Ou seja,
O que me hesita.
Eu não hesito... Suo a hora dada
Por vencida.
Corro à frente da desdita,
Passo a passos largos
O que a vida não explica,
Mas está explicado.

Mas está explicado:
Focado na matéria publicada,
Calmo,
Os olhos brilhando o momento
Sem passados...
Nada nega o posso ou poderia,
Apenas cada passo principia
Um novo passo.
Estão brilhando os caminhos,
É clara a visão deste dia
De tantas horas percebidas falhas
Em tantas outras,
Feitas alegria!
Todos os sonhos são realizáveis,
Ante o cansaço desse corpo
Arquejado ao cansaço, mas
Com a alma límpida.
Com a alma límpida
A mente destravando travas
Imaginárias,
Estou quebrando barreiras
Desses passados...
Desbravando sonhos
deixados de lado
Num tempo sem tempo
de sonha-los.
Por contá-los inda verdes
É que travo batalhas comigo
Desses tempos...
Sou passado, sou presente,
Sou o que queira a mente,
A alma pronta ao desprendimento
Sou, mais que o tempo,
A floração do tempo.
A floração do tempo
À floração desse tempo,
Onde me sei um plano,
Minha jornada começa
Novamente...
Seremos ambos, corpo e alma,
Regados pela essa floração,
Mandados perdurar
O que a vida jogou para mim,
Salvar o que me serve de razão:
A paz de reviver toda vazão
Desse encaixe das coisas belas
Perfazendo as horas vagas
Com a força das derrotas.
Agora somos caixa, eu e o tempo
Reservado ser futuro
Já!
Sergiodoandio.blogspot.com

domingo, 24 de maio de 2015





Sacolejos


No sacolejo
Dessa história
Os motivos das derrotas:
Ruídos de bombas,
Intermináveis...
Assustadoras...
O chão tremido, a voz tremida,
O choro...
Bombas... Bombas...
E o fim trágico
De cada civil, feito
Em pedaços.













O pássaro da aurora


O pássaro da aurora,
Não o galo,
O que não canta...
Apenas encanta
Mirando distâncias...
Dono de sua área de visão.
Pássaro apenas,
Penas e traços,
Não o capitão da fragata,
Fragata, com suas garras
E seu olhar de prata
Sobre as naves passageiras,
Sobre as pedras, sobre as ondas
Deste mar que põe medo
Ao navegador,
Mas não espanta a ave.
O pássaro da aurora,
Para aonde irá o vento
Que te torce as asas?






Trabalho duplo


As moscas assentam sobre o prato,
A fome os mantém acordados
Nessa vigília forçada
Aos perambulantes da noite...
Os gestos oferecem o pão, o vinho,
A mão que se estende mostra
O canto escuro da sala
Onde meninas bordam filigranas
Em seus enxovais...
Uma baciada de pipoca é servida
Mesmo aos que já jantaram,
Seria deseducado não querer, mas
A pipoca rasga minhas gengivas
E sofrerei a noite toda
Esse sangramento do bem educado
Passageiro.
São vinte e uma horas,
Os pais se recolhem e nos despedem...
As meninas saem agora de seu canto
E, festivas, vão porta afora...
Perguntadas para onde,
Respondem -Vamo trabaiá de putas.
Com sua sinceridade ingênua de caboclas.

sábado, 23 de maio de 2015

CAMPANHA: A poesia se completa ao ser lida
sergiodonadio.blogspot.com
Das possibilidades de guerrear
Se for possível some-se aos bons.
Se for preciso some-se aos maus.
Se for passivo de quebrar a cara,
Suma-se.
Que a guerra é para guerreiro,
Armado, descaracterizado
Como gente, nutrido
Para isso de vencer
Com a adaga a atual batalha
Não se importando
Com a terra arrasada
Para a colheita do amanhã...
Que a paz é para os fortes,
Que lutam nas salas,
Na formação de meninos de hoje
Para uma próxima geração
Se for possível some-se aos bons.
Se for preciso some-se aos maus.
Se for passivo de quebrar a cara,
Suma-se.

quinta-feira, 21 de maio de 2015



Do livro 14 versos  500 sonetos


Pelos caminhos do sábado


Se vai à feira de roubados,
Se vai às coxas das meninas,
Se sabe que a semana foi-se
Pelos últimos carregadores

Um burburinho de festas
De lixos e de mochilas,
De cheiros de manga doce e
O amargo das bebidas.

Pelos caminhos do sábado
Se proclamam as aleluias
Na preparação do domingo

Pelos pecados do sábado
As igrejas se locupletam
Já que o sábado é findo.












Altares


A lua cheia açula
A cadela no cio,
Um vaso podrido
Recende à flor...

O velho esculpidor
De altares volta,
Por um momento
A vida se refaz.

Na escureza da noite
O cão que marcava
Posses, enamora-se

Há nova floração no
Altar desconstruído
Pela fereza humana.












A fino traço


Desenho sob a peia
Uma serena planura,
Com até flores nareia
Onde plantara secura.

Das ondas realinho
A expressão futura
No telhado amarelinho
Donde a lenha esfuma,

Assim é que a fino traço
Vejo surgir passo a passo
As cores sem amargura

Pintor de fina pintura
Envereda na fartura
O que antes fora escasso.