domingo, 17 de abril de 2011

Mal agradecido


Quando vi, era dezembro,
Todos os adeuses se completavam.
As manhãs de sol entram
Pelos vãos da cortina, suo
Como fora meio do dia
Pelo sol de fim de ano...
Meus pêlos branquearam
Pelos adeuses completados.

As manhãs de sol entram
Pelos vãos da idade, suo,
Como fora meio da vida,
Pelo viver fim de ano...
Quando me vi, era dezembro
Nos pêlos embranquecidos,
Nos joelhos cansados,
Nos olhos lacrimados

E a memória desmemoriada
Nem diz obrigado.
companhias


Não quero desvestir meus mortos.
Estamos onde sempre os pusemos,
Na sala de estar, de jantar,
Aqui
Nos demos bem, nos olhamos,
nos pudemos ver e tocar
nossos avessos.

Aqui cheiramos nossos pratos
E a nós mesmos.
Seus corpos apodreceram?
Suas falas não. Sirva o café para
o pai,
As bolachas para a mãe,
Veja que crochê ela faz...

E os conselhos monossilábicos
dele?
Veja a paz que nos traz
Suas presenças.
Aqui nos falamos francamente.
Se enterrarmos nossos mortos
Quem há de falar o silêncio?
nucleares


As bombas disponíveis
Eclodem todos os dias
sua ação distensiva...

a dúvida dos arsenais
se torna ilogicamente
uma arma a mais...
cruzeiros


Essas velas no tempo
Das caravelas de agora...
Quando a lua é de pedra,
A argila dos sonhos poetas...
Uma estranha aparição de luares
Entre as rochas e os mares
A conquistar.

Essas velas com motores
E uma mistura de odores,
Com que não sonhavam
Aqueles navegadores
De um tempo rude pra navegar
Entre os mares e as rochas
De algum lugar...
Idas e vindas


Por que a ida nos trouxe
Até Aqui,
Senão para auscultar as grandes conchas
De nosso mar?

Cada mar interior é maior
Que todo mar que navega as naus sem rumo
Dentro de nossos intestinos
Pensares nulos.

Porque a ida nos quer assim,
Sem noção de nosso tamanho
Nesse infindo mar de oceanos
E várzeas e trigais...

Por que então não podemos navegar
Dentro de nós
A idéia estupenda de ir longe, e
Voltar?
cotejo



Todos esses olhos
Pelo chão da casa espreitam
A passagem das gerações
Sonhadas.

Essas estórias esparramadas
Pelo chão da casa inundam
As idéias de um mundo
Farreado...

Mas a realidade mastiga
A última jornada inscrita
Na memória dos cantos
Quase nadas.

Desses olhos fixos
Nas irrealidades surge enfim
A forçada mão que espreme
E abate.
aposentadoria


O suado pendor do dia
Engole anos de
Felicidade...
Todos seriam melhor
Vividos se a soma
Fosse verdade.

Embora produtivos,
Esses dias suados são frios
E ásperos retornos
Ao princípio das verdades
De cada trabalho
Inda vetado.

Agora sim, descansados
Das penúrias de ganhar
A vida atribulada
Em arcos, a fome...
A fome assim vencida
Seus estágios.
O caminhão de galinhas


Tombou em frente o portão,
E sonho tornou realidade,
Com galinhas cacarejando
Pela casa toda, comendo
As flores do jardim e
Os cereais das gavetas abertas,
E mais de uma dezena subindo
Ameaçadoramente...

Em meu sonho eu comia galinhas,
No real elas querem me comer
Literalmente,
Pelos pés descalços na cama,
Pelas mãos descobertas,
Vidradas no brilho de meus olhos
Como urubus à espreita
De meu sono ou minha morte,

Para consumir meus ossos
Depois das partes macias
De meu cérebro.
Quem pode mais nessa hora,
O desespero ou a fome
De canja de galinhas
Entre os comensais?
Em trãnsito


De todos os pensares
A que temos direito
Um é especialmente predador:
O que aparece vez ou outra
Ante
A mecânica da guerra
Frente a um volante de auto
Em movimento circular pela
cidade

Entre tantas outras armas
Em nossa direção
Ameaçadoramente.
Aqui nos vemos guerreiros
Em plena paz
De viver a rua,
Seus sinais, suas luas,
Suas marcas de freadas na terra
Nua.
Boletim das ocorrências


Tão perto de casa
E ainda longe de chegar...
Um lugar ermo entre tantos lugares
É esta plataforma de rodoviária,
De onde levam minhas preciosas fotos
E o passaporte e a certeza de estar
Aqui.
Perdido entre malas e passageiros fedidos(?)
E uma imensidão de esperas
Pelo próximo.

Assim é a mansidão das horas...
Um pouco a raiva da inércia,.
Outro pouco a incerteza
De voltar.
Todas as horas são poucas se
Você ficar pensando as perdas
E os lugares comuns das derrotas
E um lugar especial, o âmago
Do viver o agora, sem pressa,
Sem destino, apenas a chuva
A molhar a raiva de perder.
Além da dimensão do rosto


A aura forma do proposto:
-Um santo!
Ou a formação do outro?
As linhas finas dos ascendentes
Denotam uma força
(ou fraqueza)
Da raça toda alinhavada
Nesses traços sutis
De raivas.

Além da forma a expressão,
-Ambígua?
Talvez a forma de informar
Que liga fere essa feição
Macabra,
Apenas a força do mau
Sobre a face sedutora,
Autora dos outros tantos
Funerais...
outonais


Essa paisagem escorrida
De árvores
Voltando à vida.

Essas folhas enegrecidas
Contornando
As águas vivas.

Essas meninas colhidas
De semblantes,
Envilecidas.

Toda sorte de saudades,
Das meninas,
Das idades...

Dessa idade fluida
De olhares
Enternecidos...

É essa paisagem escorrida
De formas
Voltando vidas.
Retratos nos túmulos


A dureza impenetrável,
De campas frias,
Estas feições calhau,
Seixos de madrepérolas,
Sem lembrança da história,
a face rígida sem dor.

As pessoas impessoais
Amadurecem nesse tempo
De esperas ásperas...
Aqui não se memoriza o mal,
Apenas a nuvem rala
De passadas casuais ontem...

Apenas um olhar, distante,
Distraído, seguro de si,
Do lado de cá das coisas
Dessentidas demais,
Assoando suas lágrimas
De tantas outras vindas.

Agora se vão as visitas,
Findo o dia dos finados
O outro lado assobia fados
Indiferente a tais conquistas
De meros muros penetráveis
Idílicos, puros.
Olhar o poente


De repente
O sol se desprende
Dos galhos da árvore
Para o silêncio
Das horas frias.

Agora se levantam
Os noctívagos...
Seria bom dormir de novo
Já que os dias se repetem
Há tanto tempo...

Não há novidade
Digna de registro na tarde
Se pondo no balanço
Da galhada dessa árvore
Que segurou um sol.

De repente
O sol se desprende,
Cansado de cerzimentos,
Para o silêncio
Das horas frias.
pire


A vida é esta caverna
De tempos imemoriais,
Donde trouxemos desenhos
E formas descomunais.

É esta fonte pendurada
Nos estalactites que somos
A gotejar estalagmites
Disformes...

Das eras de pedras lascas
Às eras de perdas laicas
O que somos mais que fósseis
Desses memoriais?

Apenas o que caçamos...
E se cassamos demais
Seremos tanto humanos
Quanto animais.

A vida, esta caverna,
É só um momento a mais
Nesses dentes afiados
De caçar.



aleivosias


É hora de sentar-se
Frente o próprio eu, dialogar com ele,
Ouvir dele a aspiração das verdades...
Talvez absolutas, talvez tardas,
Mas presentes nesta hora
De sentar.

Nesta hora de meditar
É tempo das sinceridades, de olhares
Fixos na expressão do rosto,
Este num espelho fosco
De mentiras antigas, quase verdades,
Mas inda podres.

É hora de soltar-se
Do aleive necessário antes,
valorizar o instante, quando ruborizam
as faces envergonhadas
e posam sorrisos esmaecidos
pelo juízo.
dimensidades


Vive-se ao mar as dores do mar.
Vive-se à terra as dores da terra,
Que aqui nos vamos a navegar
O esquecimento das quimeras.

Pelo imenso vazio dessas águas
Podemos dormir, comer, dançar,
Não podemos é esquecer a força
Dessas ondas dementadas ao mar,

Fronteiras do que há de ausências
Entre portos e o restante corpos
Doídos mas satisfeitos por isso,
De não ser agora que se vá doer

Entre o ir e o ficar em cada lar.
Nosso lugar é o aqui e o agora,
E aonde mais possamos navegar.
Entre ir ou ficar é preciso definir

O que se aspira respirar.
Aqui somos nós, mais que antes,
Mais que depois, dos amanhãs.
Que o amanhã já é hoje ensilado






No fuso de se esperar o momento
Que nos dê finalmente Gibraltar.
O que ficou está presente entre
O horizonte azul e o solo de tapetes

A remexer-se no balanço em nós,
Navegantes sem noção de navegar.
O forte dessa magia é justamente
Esperar o expirar de cada dia.
De Pessoa a Vinicius


No vagar desses dias a razão do Pessoa
Sobre a força dos mares aos navegantes,
Que se o propuseram trafegar.
De quando em quando uma ilha,
Promessa de atracar nossas esperas
Na fecunda ociosidade dessas horas.

No vagar, navegar barcos e tripulantes
Com a noção de voltar à terra do antes...
Que esperar desse plaino horizonte?
A espera doutro mar, reto, distante,
Em terras de Espanha, fechadas enseadas
E portos e promessas de vacâncias...

A beleza é sem ser, caro Vinicius,
Que tudo ilude à ótica, e o feio no geral,
Ao olhar pessoal é belo. Iludido?
Talvez pelo instante. Cada rosto lembra
O amarelo pôr do sol, invisível
Ao censo pétrico de narciso.

Que tal superar esse mar de horizontes?
Talvez um novo lar(?) refeito das sobras
De vossas esperanças...talvez o retorno
Do que se quebrou em nossos avós...
Que fizeram o inverso, sem rotas,
Navegar é preciso
Dedico aos amigos de viagem 26/03/2011
Estamos a construir empatia
Na presença de novos amigos,
Na ausência dos antigos.
Na calma desse mar novo
A acalmar esses dias,
Na face calma da amada,
Na alusão às alegrias,
No que se faz ocioso
Na ociosidade desses dias.

Estamos a reconstruir empatias
Nos momentos olvidos antes,
Rememorados nesses dias,
De algumas vidas distantes
Da diversidade das vidas,
Na conclusão dos instantes
Como poucas vezes vira.

Estamos a desconstruir manias
De enfatizar o óbvio:
Que é ainda preciso se dar
Valor devido a cada dia,
Levados de mar em mar
De Santos a Barcelona,
Visto da popa tardia
Como se fora outro lugar
O mesmo lugar instante.



Quando se pode superar
As dores, os acalantos,
E, por fim, almejar agora
Os agoras tão distantes,
A reconstruir bases fortes
Aos ausentes tão presentes
Na memória desses antes,
De quando fomos jovens,
E nos fizemos amantes,

E voltar à jovialidade
Daqueles ternos instantes
Reconstruindo nas vidas
Nossos prazeres restantes
Em cada sorriso franco
De cada amigo do dia
Em cada rumo do sextante.

Assim, de passo a passo
Em cada porto um pedaço,
Em cada mesa um riso,
Em cada parceiro um abraço,
Em cada aula uma agenda
Em cada agenda um laço
Que não se desfará no porto
Ou na memória do outro.