segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Herdeiros das folhas murchas


As árvores da rua
Estão chorando suas folhas
murchas...
os homens da prefeitura
estão varrendo sem dó
as folhas murchas.

Os críticos usuais
Estão criticando os homens
Que varrem as folhas,
Não por serem folhas e
Estarem murchas.
Pelo devagar...

Assim é a vida
Das folhas murchas humanas,
Pelo devagar com que
São varridas para longe
Dos críticos e das suas camas...
Muito devagar...







Então


Todos estaremos distanciados
De nossas casas uma vez...
Precisaremos de olhos alheios
Para contar pormenores da fachada,
Do jardim, da entrada pintada nova...
Estaremos então tão cegos quanto
O cego que nos pergunta agora
A cor nova da nossa fachada...

Por outro lado traremos notícias
Dos lugares visitados...
Seremos os olhos alheios
Para contar pormenores das fachadas,
Dos jardins, das pinturas levadas...
Estarão então cegos, como o cego
que nos responde agora a sua visão
das cores dessa fachada.

Suores mansos


Apanhei da chuva, apanhei do sol,
Que, incrementes, fustigam mágoas...
Apanhei das fossas e dos fósseis
Carbonizados de passados...

Castigaram-me errantes salmos,
Pelos vãos das fraldas.
O que fazer desta tarde quente
Que vai virando água?

Meu travesseiro molhado expõe
O dia mal temperado,
Passado a limpo cada passado,

Nesse passo desmesurado
Quando verei a calma
De meu mal estado?










Festejos de agosto


Uns tantos ares mal respirados
Soam seus batuques de passados...
Queimadas e chaminés ardem
Os olhos, as narinas, a alma...

A festa recomeça, soltam fogos,
Cães ladram, bêbedos embevecidos
Saúdam cada estrondoso tiro,
Mesmo que falidos.

À criadora dessa obra deslumbrada:
Como arcar com a fuligem irrespirável
Desse agosto proibitivo?

Entre a fogueira viva e o sol rascante
Prefiro o silêncio doutro instante
Longe dos cães enlouquecidos.
O quadro


Derramar as tintas
Desses sentimentos
Numa tela em branco,
Caderno brando.

Tentar a figura
Do contentamento.
Duma lua cheia?
Da mulher amada?

Talvez de um nada,
Que o artista pinta
Faces abstratas.

No desmembramento
Dessa letra errada
Cada pincelada.










alerta


Para quem queira saber a preguiça,
Alerto que não durmo, apenas fecho
Os pensamentos. Que esta guerra de
Tanto atrito atrás de cada janela

Não me diz respeito. Apenas deito
E fecho ouvido aos estalidos, e sei,
Porque me basta saber o que diviso,
Que essas dores e pés enlameados

Não são o agora, são passado.
Alguns rememorando suas culpas,
Desfazendo-se delas inda ocultas.

Quero sabê-las breves ou suadas.
Então, espiadores, vão à merda
Com seus lavores de tanta farsa.
consolamento


Chorar
Às vezes é preciso
E possível...
Às vezes imprevisível.

Desde as dores do parto
Às de ter nascido.
Desde as dores da morte
Às de ter morrido.
semeadura


Olhando meus descendentes
posso sentir-me, se não eterno, perene entre as perenes vizinhas do jardim
de nossa casa
Em pleno florescer de ramos, e pétalas e sementeando nos quintais vizinhos
nossa semente de bons fluidos,
(ou até maus) mas nossa
Descendência normal de seres
Que ficarão rosando nossa marca de olhos e risos e lágrimas e sentimentos outros
Entre tantos seres, das formigas as flores tensas
De vitalidade entre os leões de verdade e os desaforosos,
Preparados imunes as conjunções das horas,
Doces, amargas, irrelevantes, mas perduradoras de nossa raça, exata de falar das flores
E semear amores.
Das vidas o que fazer?


Da vida o que se faz?
As loucuras de adolescer,
Antes o rascunhar de garatujas,
Antes
A arte de mamar e se sujar,
E fugir depois das lêndeas
Dos piolhos escolares,
Como a aritmética fugaz.

Da vida, o que se faz?
Além de respirar sofregamente
As corridas de curto prazo,
Os as de fundo fundear...
Nas profundezas dos livros
E das lições dos malandros
Nos arruaceiros passeios
Passear...

Da vida assim se faz
As dores de viver, sem viajar.
Que dói ver passar os dias
Sentado nos sofás e
Centrado nos sofás das costas
Moídas de sentar e centrar
As vidas do que se faz.


Antes da tarde chegar


O sol avisa os incautos
que irá escurecer
Breve...
A respiração cansada também avisa.
A perna doída também avisa.
A memória desprovida também avisa.

O desavisado tende a culpar
O improviso de chegar a velho,
Queixando que antes ainda pretende
Muito...

O muito que deixou passar,
Por falta de tempo, de grana,
De atarefados momentos de ganhar
Tempo?
Dinheiro para se tratar de não envelhecer
Mais.


Sofreres


Não ao ponto de arrepender-se
Ter nascido.
Não ao ponto de sublevar-se
À dor de ter nascido.
Não ao pico da dor de
Ter nascido...
Assim,
Sem qualquer outro motivo quando
A vida se for, e,
Da vida em si restar a memória
Dessa dor, sorrir...
Que o sorriso, ou ao menos o riso,
Sarcástico ou tísico, forma
A estrutura do que se foi.
Sem outro motivo senão esse riso
Sonhar...
Que o sonho, antes da dor e do prazer,
Pode ser o viver acima do viver
Em dor
De sofreres.







A vela


Que vês entre ondas, pode ser...
Pode ser
A ilusão de partir de si
Sem deixar marcas, além da efêmera
Roda anelada no espelho d’água,
Após a partida da proa
Que segue a vontade desse mar...
Que define-se como despedida,
Esquecimento, outra veleidade
Do pensamento fugaz de
Partir...
Partir antes de enrugar,
Enquanto podes discernir
O que convém não lembrar
Mais.



Éden


Um dia
a gente
ia nascer
Gente.
Mas no princípio era
O verbo.
O verbo
tido como barro.
Barrento?
Não.
Sacrário.

Um dia
Fez-se
A luz.
No seguinte
Deu-se à luz
este ser que
Reproduz
Sempre igual,
Mamífero,
Fero,
Animal.




Terra do sinal da cruz


Disse o mestre que viria
Alguém de outro mundo
Catequizar-nos índios
Com sua fé não nossa...

E veio.
E como veio...
Veio
Levando a rodo a conquista
Da pele, da vista, da crença.

Mas, lenta...
Lentamente levaram os
Ouros
Dessa terra
Aqueles predadores
De um outro mundo,

De onde
O mestre, já morto,
Preconizou que viriam.

Antes de nós


Foi preciso
um dia inteiro
Pra saber que o erro
Era andar de lado,
Lá pelos lados da zona,
Entre distúrbios
E passeatas
Das beatas.

Mas deste dia inteiro
Aprendemos a caminhar...
A esmo, é verdade,
Mas resolutos do que
Faríamos no fim:
Sentar e sorver o sol
Se pondo antes
De nós.










Educação pela pedra


Antes de ser poesia
A idéia já era o sêmen,
Prometendo vida...
Quem sabe vai nascer homem...
Quem sabe vai tornar-se homem
Depois...
É, quem sabe a poesia
Ensine a educar filhos
Para dizerem oi
Aos amigos do pai
Embevecido...




Realidade absoluta


Depois
De uma lua grande na janela
Clareando idéias,
De uma extrema pose de maldito
Entre elas,
De um sarau dos esquisitos
Por poesia!
Eis que
Me chamam da copa para
O lanche das sete
com a família.
Deslumbro a forma de ser
Pragmático
E ao mesmo tempo erguer
A bandeira do poema
Inacabado,
No meu prato.
Morrer é...


O sentido de morrer
Adverte-me:
Que estaria eu morto
Se não me mexesse.
Como me mexo pouco,
Devo estar morrendo
Um pouco.

Talvez a vida promova
Essa idéia de morrer
Pouco a pouco...
Isso é inerente ao ser
Humano.
Nunca vi morrer um urubu,
Ou um pato do brejo,
Ou uma planta ou
Uma pedra...
translado


Penso que as pessoas
Me ouvem pensar...
Aquele que passa
resvala o olhar
No meu pensamento.

Sinto pelo seu riso
Que me olha sabendo
O que quero fazer hoje,
Além de viajar pelo mundo,
Viajar por mim mesmo.
Corredores


velhas casas de família
Têm extensos corredores,
Onde surgem novos olhos
E despedem-se os velhos...

Agora mesmo parte um
Acenando adeus aos meus
Olhos lacrimados pelo
Velho companheiro...

Enquanto pula e vibra
O novo pimpolho, aceso
Na ponta do corredor,

A roda da vida roda,
Espera a reza ao sepulto
Acorda o nascituro.
Quando você é gente


Alguns te reverenciam,
Outros atropelam nas faixas.
Alguns te idolatram,
Outros te mandam à merda...
Nada disso é definitivo.

Você pode ser pedestre
E depois ser motorizado.
Pode ser carona em moto,
Ou condutor em ônibus.
Sentiu a diferença?

É, amigo, quando você é gente,
Não tem gaiola, tem rua
Que te prende e te ameaça
E não deixa voar
Pensamentos...

Contagem regressiva


A hora do viciado
Não tem sessenta minutos,
Tem sessenta espasmos
desunião


Esta aliança vazia,
Ainda cheia de dedos
E do finar dos dias
De tantos segredos...







Lencinho rosa


Este é o lenço de Cida,
Com que ela abana
E assoa despedidas.
motiva mentos


O inconcebível momento deste dia
Puxa as pernas da alegria ingênua
E as faz bobas de rir sem motivos...
Apenas o princípio ativo de sorrir.

Agora o amor se espane em farpas
Entre os pequenos eleitos e velhos,
Assumidamente bons ouvintes...
Mesmo que não entendidos sábios.

Riem, sem saber de que, mas riem,
Das pequenas máscaras de alegria
Às velhas ruínas da percepção.

Riem de que, afinal? Se a razão
Do riso é mais por medo de calar
E ser reconhecidos vivos.
lascívia


Agora que todos dormem
A solidão dos incertos
Vejo a fome abocanhando
As frases desses excertos.

Aqui a força é mais lúcida,
Vale mais que a força bruta
A palavra desfechada
Entre os olhos e o cerebelo.

A solidão que todos dormem
Plácida acomodação de egos
É-me deixado pensar livre:

Talvez fosse revivida a força
Da adaga dita em frase mocha
Vertida nos jeitos lascivos.
Abrangências


À luz do sol a noite aviva
A próxima, descingida
De alguma aproximação
Entre as visões no escuro
E o escuro da claridão.

A luz desse sol ofusca
A visão tida no escuro
De coisas desacontecidas,
Pensadas vivas na reflexão,
Agora exposta à fusão.

O que passa e acena
Não é sujeito de pena,
Apenas veste-se mendigo
Na acalorada vertigem de
Não ser mais o que pensa...

Talvez mesmo a cena,
Vista antes no escuro,
Ao claro amanhecido
Seja a sombra desluzida
No desbrio da solidão.
Corredores


velhas casas de família
Têm extensos corredores,
Onde surgem novos olhos
E despedem-se os velhos...

Agora mesmo parte um
Acenando adeus aos meus
Olhos lacrimados pelo
Velho companheiro...

Enquanto pula e vibra
O novo pimpolho, aceso
Na ponta do corredor,

A roda da vida roda,
Espera a reza ao sepulto
Acorda o nascituro.










Quando você é gente


Alguns te reverenciam,
Outros atropelam nas faixas.
Alguns te idolatram,
Outros te mandam à merda...
Nada disso é definitivo.

Você pode ser pedestre
E depois ser motorizado.
Pode ser carona em moto,
Ou condutor em ônibus.
Sentiu a diferença?

É, amigo, quando você é gente,
Não tem gaiola, tem rua
Que te prende e te ameaça
E não deixa voar
Pensamentos...
translado


Penso que as pessoas
Me ouvem pensar...
Aquele que passa
resvala o olhar
No meu pensamento.

Sinto pelo seu riso
Que me olha sabendo
O que quero fazer hoje,
Além de viajar pelo mundo,
Viajar por mim mesmo.
companheiros


É...
A doença também tem infância,
Adolescência e maturidade.
E
Para não morrer de velha,
Mata-nos com ela.





De ouvir contar


Sei das lamúrias
da criança com fome.
É pior do que lamúria do adulto
Com fome.
Por que a criança não pode esperar crescer,
Nem ela nem a fome dela.