sexta-feira, 24 de abril de 2020


Em matéria

A matéria plenifica a flor,
A abelha na árvore florida,
Nos meandros a formiga...
Tudo, em sendo matéria,
Faz-se vida!
Custa a reflorescer
Uma nova pessoa na gestada
Em que se a aperfeiçoa...
No âmago traz cura e ferida,
Casca e carne, suor e lágrima,
Sumo e resina derramados...
Vidas que murcham e reavivem
A cada vez cortada
E sentida...

sergiodonadio







Assim florados

Por trás o muro desconstruído
Neste imenso canteiro de lírios
Florando a cada vez seu delírio
Entre outras flores deste sítio

Eu mesmo juntarei meus ossos
Quando forem se desprendendo
Entre outros órgãos em destroço
Do vivido torto desaprendendo

Assim floramos e finamos lento
Entre paredes deste pavimento
Que nos livrem, presos ao leito

Quando a memória se despede
Deste que se encerra vencido
Num último dolorido suspiro




Saibro

O sonho que sonhei dormindo,
O mesmo sonhado em acordado,
As pessoas que se vão, não indo,
Das mágoas mortas do passado;

Todas contas a definir vencidas
Entre perdas a cumprir na vida
Acumulando-se neste tablado
Sulcando fundo outras feridas;

Quanto aos sinos segundo a sina
Forjando em aço a palavra finda
Advinda deste mesmo regaço

A cicatrizar as pendências idas
Legislo novas a cumprir horários
À hora da extrema despedida.




Escurezas

O silêncio,
Acossado pelo escuro
Da madrugada
Faz medo
Ao farfalhar da palmeira
Encimando a rede...
Aqui todos os barulhos
Se aumentam
Ao toque deste vento sonso
Levado a esmo
Pelo não ver seus passos...
Quem pode crestar o medo
Em seu regaço?










A seca é mais sincera
Que a chuva desmesurada
Que, por repelão
Leva tudo de virada...








Aqui se juntam as águas...
- Rios? –Não, das magoas...









O vento sopra medroso
E se desatrela
Da paz de antes do dolo,
Saudade dela...







Esferas somam estrelas?
Essas que se mostram luzes
São apenas amostrestrelas
Das bilhões de obuses...








Subsulto comento
A dor de cada ato,
Do mínimo momento
Ao extremo relato...








É assim, você vai
Até certo ponto
Dali a vida vem
De encontro...





Prosaico

Crítica é a dor do imediato,
Mesmo sendo doce ao olfato...
Espera-se a resposta: - Sim.
Se for não, que se cale de antemão...
Que o tempo que se vale do tempo
Em verdade é um contratempo
Que abate belisca e assopra
A força estilística de cada verso
Desenhado inverso,
Em prosa...











Bailaricos

O que não dá
Já não deu,
Você é que
Se perdeu...


Os dias eram mais lentos,
As noites mais longas,
O som noturno dos grilos
E das manhãs de galos...
Anus-pretos passeavam
Pela calçada de pedras...
Esquecidos das verdades
Corríamos atrás deles
Atravessando pedaços...


O que não dá
Já não deu,
Você é que
Se perdeu...


quarta-feira, 15 de abril de 2020


Voar sem asas

Não hei de chorar o passado,
Não moro mais lá, faz tempo...
Quem dera um dia possa
Esquecer o hoje temário...
Voar sem asas é meu sonho,
Voar em sonho a realidade...
Ferido por tantas chagas
Saro minhas enfermidades
Esquecendo a sina velha,
Aquela que já morou
Na memória de meus medos...
Sou secundário nos pensares,
Nesse sítio de acontecências
Fico meio transparente
Entre verdugos ferrenhos...
Apenas sei-me cansado
Depois da tarefa feita...
sergiodonadio

terça-feira, 14 de abril de 2020





O dia está maduro
Para que tudo aconteça,
Ou nada,
Em cada cabeça...





                      Se preciso for
Se preciso for
Antecipemos a forma de vitória,
Ou derrota,
Frente à verdade constituída,
Até contra prova...
Se preciso for
Cumpramos a sina verdadeira
De somar os dias
A cada nova asneira
Que for constatada
Nessa esteira...
Se preciso for,
E será sempre preciso,
Além de juízo,
A palavra amiga,
Mesmo que do inimigo...
Sempre haverá a vez
Primeira...



O santo do dia de sempre

É o que venero,
Este que acorda comigo
E me apoia,
Mesmo se eu erre,
Ensinando trilhas...
O santo do dia de sempre,
A poesia em meus pensamentos,
A cada momento
O santo do dia de sempre
Avisa se estou de partida
Frente ao abismo evidente,
Mesmo não o sabendo,
Cotidianamente...








Para entender D. Quixote

Se faz preciso
Entender quais  moinhos
De vento
Estão a cruzar nossa frente...
Se faz preciso eleger
Quais desafetos
Se vestem de moinhos
Para enganar as gentes,
Diariamente...


sexta-feira, 10 de abril de 2020


Uivos

Estava o Poeta
Cantando à lua nova
Quando a lua se fechou
Em nuvens desencantadas...
Deixando na tristeza o Poeta
Uivando aos seus encantos
Com a lua e seus passados
Itinerantes...













Faz escuro

As fulanas cabisbaixas
Se prendem em casas
De cercas eletrificadas,
Distantes das sujeitas

Que zanzam pela rua
Cuidando suas fomes,
E não resta comunhão
Nas lixeiras carregadas,

Como solução ao logro,
Mas os maiores assaltos
Não atravessam muros...

Acomodam-se em salas,
Roubam vidas de almas
Nesse extremo escuro...

sergiodonadio


Acerbo

Passo pelos hiantes,
Sem olhar de soslaio,
Não devo nada por isso
Que me assombre...
Num instante volto
Ao meu enleio normal:
Mantendo distância
Sigo em frente como
Se não tivesse visto
O que vi de relance,
Tão amargo...










Extravases

No âmago de ser
Que os fatos pactuam,
Quando acontece querer
O que se sonha acordado...
É por dentro que jorra
O mundo por onde
Extravaso...














Das fragilidades

A mão que guia outra mão
Para desenhar alfabetizada
Tira o menino da evasão do
Cárcere em que é guardado

Esses que passam brandindo
Armas e não falam nem serão
Escutados trazem na sacola
E insurdescência nos falados

Os meninos deixados lá fora
Por trocados, se vão à forra,
Massacram sem ter motivo...

O instante preenchido ultrajo,
Mas mesmo sem ter por nexo
Arquiteta neste frágil verso...




Tijolos

Tijolos emparelhados
Erguidos nessa esquina
Com pretensões limpas
De a planta ser um lar...
Pode ser, se aqui forem
Amanhados uma flor
E a criança lado a lado
Florindo essa casa lar
De tijolos e mais tijolos
Amontoados em prumo
Na frieza de erguerem
Mais uma casa num lar,
Pendente o acabamento
Em cores na escureza
De suas paredes vagas...






Quando todos dormem

Há um ruído inquietante
Quando todos dormem,
O silêncio acorda vozes
De antes despercebidas...

Agora irritam os sentidos,
Principalmente do medo,
Já que tudo dormita cedo
Até o cuco cala a parede...

Se desliga desmotivado
Pela conveniente tristeza
Que invade as sombras

Seja por não ter sentido
Por a tempo estar calado
O acomodado ao lado...




Pressões

Construí muro a dividir a rua,
Não promovi bazófia da casa,
Não vejo motivo que inclua
Este medo que nos aguarda,

Temo mais a língua amarga
Que inventa fatos de boatos
Que o miúdo de mão armada
Contorcer a evolução do fato,

Sei-me frágil pela conjuntura
Vista de longe perigosa arma
A defender a atual legislatura

Desde a força dessa estrutura
Fazer de legisladores o carma
A suprimir cada criatura...






Entre meus aprendizados
Gostaria de conhecer-me
Nesta miríade de faces...








Cada boa lembrança
Uma nova esperança...








A mesma porta

Embora
Eu esteja fugindo
Não arredo pé
Do meu instinto,
Talvez um dia
Me encontre
Percorrendo
Maus passos
Levianamente
A transportar
A chave de volta
À mesma porta...












O amor no estágio de utilidade
Quando passa a vigiar saudade
O que resta do restante árduo
Sentimento útil de verdade...








Digo ao meu pensar:
- Dá um tempo,
Que a mente é ligeira
Mas o punho é lento...




sexta-feira, 3 de abril de 2020


Desconformes

Repara na TV os comentários
Sem nexo, dos especialistas nisso...
Os sociólogos que se vendem
À ideia de serem sábios...
Cada um com sua verdade,
Do presidente ao locutor da hora,
E todos têm razão
(Que a própria razão desconforma)
Opiniões querem ser verdades,
Arroubos querem veridicidade
Para as mentiras coletivas
Dos senhores e suas divas...
Talvez possamos, um dia,
Ser criaturas melhores
Nesta faina de esbórnias...






Segundo a TV

O mundo está se desfazendo
Em epidemias... (e alegorias)
Mas os cavalos continuam
Competindo nos hipódromos,
Os mercados alteram preços,
Os medos prendem em casa
Idosos de muito risco sobre
A razão avoada da molecada...
É fantasmagórica a teoria
De cada palavra repetida...
A imagem é a incoerência
Das autoridades vigentes...
Vem de uma criança a frase:
“Temos de ficar em casa, que,
Se a epidemia chegar à escola
E não vir ninguém, vai embora”
É o mais sensato que ouvi
Até agora...