quinta-feira, 19 de maio de 2022

 

Cracolândia

 

No olhar cansado,

No desistido do dia,

Na feição abestada

A última letargia...

 

 

 

 

 

 

 

A vida desilude momentos

Porque há outro momento

Pedindo passagem...

 

 

 

 

 

 

 

Cicatrizes

 

Marcas de um passado

Deslembrado...

Sangue tenso de afilares

Formas sutis alhures...

Mágoas de terem estado

Em mementos azuis...

Cicatrizes ordenam fibras

Se anelarem aos tíbios

Decantados uma vez

Em tempos idos...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Este tempo de letargia

O pensamento nos traz

O que ficara para trás...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hoje me vejo saudoso

Dos ontens desmantelados...

 

 

 

 

 

 

 

De braços abertos

 

Para eu entender

Não basta que aconteça,

Mas,

Que me faça a cabeça...

Que me autografe

Cada vez acontecido,

Que me faça ater

Ao juízo...

Para eu entender

O verso inverso do terço

Rezado em voz alta,

Perceba a falta...

Para eu entender

Que o valor

É inerente ao pensar

Entre firulas

E verdades doídas

Demais...

 

sergiodonadio

quinta-feira, 12 de maio de 2022

                                                             Da importância do banal

Os procedimentos cotidianos, por sua banalidade, são esquecidos como fatores de sentimentos sutis de alegria ou tristeza, deixados de lado em comparação aos grandes feitos, mas a vida, com seus laços familiares em pequenos gestos, é regida por esses momentos olvidados, o que se lê num livro aberto ao acaso, na contemplação do sol se pondo, na floração de uma planta, tudo ao redor, infimamente vivido, é banal e deixado fenecer em nosso sentido. Pena que sejamos assim perdulários de bons olhares aos mínimos intentos, que passam ao largo da intenção dada aos grandes gestos, que se minimizam quando olhados de esgueira ao vento embalançando trepadeiras...  Thomas Jefferson cria no poder simples da luz do sol aos olhos distraídos dos atarefados, Benjamin Franklin dizia que a felicidade não é resultado de grandes feitos, mas de mil pequenas alegrias. Os sentimentos cotidianos dão cor à aquarela do dia a dia... o sono reparador é um intervalo para meditação sobre esses pequenos fatores que preenchem lacunas indizíveis de nosso humor contradito ao sabor de reações adversas aos fatos soídos. Isto é banal quando visto como banalidade, o menor gesto, se inesperado, sai da banalidade quando dedicamos atenção consciente à observação, interpretando o lugar comum com significativa ocupação que lhe é devida. No mais das vezes o desinteresse diminui a grandeza de um fato ou de uma pessoa por sua contundência momentânea, diminuída pelo fraco argumento, como a observação de uma chuva fina, do canto de um pássaro, da cor de uma rosa... perde-se a oportunidade de entender o argumento pela desatenção ao princípio monótono do discurso, que poderia se tornar interessante se ouvido por mais tempo, um bilhete desprezado por conta da banalidade inicial, pode conter a notícia esperada, se lido atentamente. Por outro lado, um argumento forte é apenas um argumento, se separado do cotidiano banal que o acompanha, é primordial a vivência diária com o que palpita à nossa volta e nos dá conhecimento para podermos analisar a importância do gesto maior, pela junção de gestos menores cotidianamente. A pessoa que valoriza os gestos comuns, normalmente banais, está preparado para enfrentar solavancos maiores, vindos de surpresa num inesperado encontro heterogêneo, seja numa reunião de poderosos ou num encontro descontraído de bar. Momentos clássicos em que especialistas em um assunto, têm menos elasticidade que os menos letrados em réplicas e tréplicas, que mesmo sem estudo vivem num ambiente aberto ao diálogo, acostumados a devolver a bola conforme lhe foi jogada. A banalidade de um gesto, ou termo, leva à preciosidade da resposta, se integrada ao motivo maior da intenção

 

                                     A semana de 22, cem anos do modernismo

O primeiro impulso para surgir o movimento de 1922 foi das artes plásticas, a pintora Anita Malfatti trouxe da Europa obras de cubistas, o que provocou grande tumulto nas artes daqui, Monteiro Lobato tachou de paranoia, mas os jovens de então, como Mario de Andrade, descobriram na corrente antiacadêmica europeia um novo caminho. A ideia da “semana” surgiu de Di Cavalcante, no Rio, e prosperou com Ribeiro Couto, em São Paulo. Entre outros, Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida encabeçaram a ideia de promover no Teatro Municipal a “Semana de Arte Moderna” ganhou impulso com a solidariedade de Graça Aranha, membro da Academia Brasileira de Letras, da qual se afastou para unir-se àqueles jovens revolucionários. Na sua fala de apresentação disse. “É uma resultante do extremado individualismo que vem na vaga do tempo há quase dois séculos até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora. Cada pessoa um pensamento independente, exprimirá livremente, sem compromisso, a sua interpretação da vida, a emoção estética que lhe vem do seu contato com a natureza. Que a arte seja fiel a si mesma...” Os Poetas foram vaiados por sua libertação, mas depois da Semana, nas páginas da revista Klaxon e outras, firmaram sua posição com grande tumulto, no seu discurso na Academia Graça Aranha em 1924 proclamou que sua fundação fora um equívoco, mas já que existia, que viva e se transforme, admitindo nela as coisas dessa terra informe, paradoxal, todas as forças ocultas desse caos, são elas que não permitem à língua estratificar-se e que nos afastam do falar português e dão  à linguagem brasileira este maravilhoso encanto da aluvião, do esplendor solar, que a tornam a única expressão viva da nossa espiritualidade coletiva. Mario de Andrade explicou: ”. Escrevo sem pensar, tudo o que meu inconsciente grita. Penso depois, não só para corrigir mas para explicar o que escrevi. Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem medir sílabas com acentuação determinada. Arte, que somada a lirismo, da Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisa-lo das pedras e cercas de arame do caminho, deixemos que tropece, que caia e se fira. Arte é montar mais tarde o poema de repetições fastientas, que não seja de limpar versos de exageros coloridos. ” Cem anos depois ainda estamos a separar briga entre parnasianos e simbolistas com o modernismo datado por aqui, mas que já era expressado por Walt Whitman em confronto com a rigidez de Castro Alves, ou nos versos de Shakespeare em “o vento senta no ombro de suas velas” ou ainda de Homero “A terra mugia debaixo dos pés dos homens e dos cavalos” ou ainda mais longe no tempo, em 2 mil a.C.  Nos versos: ” O homem precisa manter os dentes e alma limpos” todos eles sem as amarras do simbolismo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Somos seres divisíveis quando

Damos colo aos descendentes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O encanto pela palavra

Atravessa gerações e aporta, se esperada,

Viaja séculos e conforta

O leitor obstinado pela verdade que ela traz em seu bojo em brasas!

 

 

 

 

 

 

 

Incisões

 

A vivência que temos

É muito pouca para

Dar lição aos novos,

Corremos por fora

Nas incisões às normas...

Não participamos nessa maratona,

Salvo algumas exceções,

Fugimos da real necessidade

Nas sesmarias.

Na superficialidade de nossos atos

Cruzamos ruas sem dobrar esquinas

Por medo de nossos fantasmas

À espera,

Tudo que vencemos

É por alguém que erra...

 

 

 

Partidas

 

Como hei-me seguro

Ao segurar as mãos da morte

Neste corpo moribundo?

Como hei de entender

O sentido infértil da passagem

Por este tempo imerso

Em imagens?

Como hei te consagrar

Ao afeto de meus atos

Se desato em lágrimas

Com teu parto?

 

 

 

 

 

 

Inventários

 

Se fosse possível

Ansiaria voltar

D’onde foi-me início,

D’onde me veria

Na inocência de ter sido,

Sem ter olvido...

Talvez se possa faze-lo

Em sonhos e inventários

De não acontecidos...

Ah, se assim fosse possível,

Render aos rios e baldes de sal

Que ganhei contigo...

Se assim pudesse ter sido

Que bom fora estar vivo!

 

 

 

 

 

 

 

Kamikazes

 

As esquinas são praças de guerra,

Motores obedecem a instintos,

As motos são as partes fracas

E se habilitam a guerrearem-se

Entre sarjetas e asfaltos...

Apanham, mas não arrefecem,

Lançam-se sobre carros e atletas

E se machucam sempre...

Ou sobre ou sob kamikazes

Que se ofertam em sacrifício

Neste campo de batalha

A céu aberto aos desastres,

Seja na paz da manhã

Ou na batalha da tarde...

 

 

 

 

 

 

 

Ressurreto

 

Alguém

Que me aparenta um ídolo,

Propagando que seria um bom papo,

Um companheiro de pescaria...

Chegamos, sentamos,

Ficamos a olhar aquela múmia

Temblando os longes de sua vida...

- Bem, ele deve ter sido um cara legal

Quando estava vivo...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quaisquer maneiras

 

De qualquer maneira

A gente envelhece,

O tempo vivido nos despromete,

Os membros não obedecem,

Os olhos não veem com bons olhos

Nossas preces...

As mãos tremulam quando,

Como bandeirolas ao vento,

Torcem para o time conveniente...

Como eternos perdedores

Nos conformamos com cada derrota,

Só não quando, à juventude,

Se entrega vencido ao torpor

Jogando fora momentos preciosos

De viver-se ao seu dispor...   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De todas as verdades

A que mais dói é a imediata...

 

 

 

 

 

 

No colo da tarde me aconchego

Deitado neste berço esplêndido

De vividos momentos tensos...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A mentira da terceira idade:

Traçada assim cor de rosa

Essa verdade mentirosa...

 

 

 

 

 

 

 

Conceitos, ideias, opções,

Religiosas ou sexuais,

São como escovas de dentes,

Cada um usa a sua...

 

 

 

 

 

 

Armadilha

 

Os senhores da mansarda

Olhando da água-furtada,

Trapeira onde a luz alveja,

Há de se ver a criançada

 

Correndo de erva em erva...

A memória puxa a franjada

De um tempo levado à era...

E passa, por cicatrizada,

 

A raiva chamada besta fera

Na rima pobre de dor e cor

Há uma inversão poética,

 

A cor a gente que escolhe,

Na dor a gente se encolhe,

Contorce, geme, e espera...

 

 

 

 

DO LADO DE LÁ

 

Do lado de lá do sonho

Os ossos se contorcem,

O manco manca a sorte,

O tempo não se estorce...

 

Do lado de lá não sonhe,

O tempo não se demora

A assistir a rota da hora

Que a tempo foi embora...

 

Do lado de lá em sonhos

A vida até que melhora 

Ditames de hora em hora

 

Por isso não se demores

Do lado de cá nem leves

Em cantigas as derrotas.

 

 

 

 

 

 

 

 

enfim entendo que aprendo o que não sei
e continuo não sabendo...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São tantos mais não do que sim

Que acostumamos a negar-nos...

 

 

 

 

 

 

 

Não se nasce em berço de ouro,

No máximo pintado de dourado...

 

 

 

Trapada

 

Mesmo que não se queira

A estrada nos leva adiante

Sem porteira, sem fronteira,

Sem pestanejar o instante...

 

Mesmo que não se queira

A paz nos preza enfeirando

Flores de trilhada algibeira

Renascendo vontades teias

 

De tempos desmemoriáveis

De farsas lamentadas eiras

À margem, se não as queira,

 

Deixadas antes de quere-las...

 Mesmo que não se queira

Esta trapagem costumeira.

 

sergiodonadio