sábado, 29 de maio de 2021

 Madurescências

Do livro Viandando
As coisas maduras
Invertem os valores,
A pá, a colher,
As formas de amores...
As coisas amadurecem conforme
Convivem com as outras coisas:
O menino, a menina, o garfo, a colher,
A mesma cisterna a lavar tantos pés...
Que envolvem as verdades
Mentindo passagens
De um tempo andado
Entre o pronto e o aprontado.
As coisas maduras tiveram
Cores diversas...
Da cor da inocência à cor do pecado.
As cores maduras são filhas
Dessas cores diversas.
Entre o branco da flor do cafezal
Ao preto do café coado, madurado,
As cores têm tanto futuro
Quanto passado.
sergiodonadio

sábado, 22 de maio de 2021

 

Cinzas de agosto

 

O orvalho cobriu a árvores

Com seu frio intenso,

Agora o orvalho é a árvore,

Branco, denso, rumoroso

De seu intento arvorado...

Os meses frios chegaram,

Com as folhas amareladas

Pelo outono que se despede...

Velhas senhoras sentam-se

Ao sol com seus senhores

Jogando bocha na botica,

Com os meninos crescendo

Soltos de suas amarras...

Agora o orvalho são meninos  

Derretendo ao sol de agosto...

sergiodonadio

sábado, 15 de maio de 2021

 

Do leite derramado

 

Dá-se ao leite derramado

A voz da mãe de todos...

Urge campear o sorgo,

Tirar dele o chá do tempo

Irresoluto, efêmero...

Puxar o pito tantas vezes,

Grunhir a fim seu relento,

Cortar as vísceras

Ao seu poder de tempo

E temporizar o azedo

Vindo deste leite

Deixado ao sol poeirento

E descer às barbas do mero

Descobridor de intentos,

Invasor de saudades idas

A sobreviver das lidas...

Notícias fúteis

 

Estou a ver todas as janelas

Me verem deste edifício em frente,

Parece que criticam meu olhar

Fixo em seus batentes...

Que me repreendem em espia-las,

Quebra a intimidade conservada

De pessoas e sons, e anáguas...

Quando despem de seus casacos

Vindos do frio de lá fora...

Querem me olhar enviesado

Como a perscrutar o que penso

Quando nem penso nada

Sobre seus passados no presente

Datado como hoje...

 

 

A cor assustada

 

A cor assustada

Desses tempos de nuvens esparsas

Vindas das madrugadas,

Trazendo espectros de novos tons...

A cor assustada

Desses olhos, que eram verdes,

Deixados de ser

Pelas circunstâncias dos dias...

Que força tem esta desalegria

Do novo? Que força demonstra

Ter ilusoriamente este fosco

Na formação assustadora do novo?

Este anuvio de incolores sóis

De manhãs soturnas, que nos leva

A temer novas sombras....

sergiodonadio

No passamento

 

A alma está ferida

De flechadas distraídas,

Outras mal direcionadas,

Todas a formar feridas

Na alma desencarnada...

Quantas foram as vidas

Levadas até aqui?

Algumas desencontradas

Entre este ir e vir

Acumuladas de paridas...

No passamento

O descanso do corpo

Pode ser suplício da alma,

Necessário ao aprendizado

Da razão de ser

Sensitivamente vida!

Com fé na esperança

 

Com fé na esperança

Não nos desesperemos!

Sempre haverá um dia límpido

Entre nevoados em nossas mentes,

Um caminho florido

(Mesmo que não)

À frente dos passos necessários...

Uma verdade contida na nesga

De cada palavra em louvor

Das esperas desesperadas...

 

 

 

 

 

 

 

 

Assim somos pranteados com a fé

(Mesmo que incautos) nos outros,

Que nos fazem promessas

(Mesmo que inalcançáveis)

Os sonhos que sonhamos acordados

(De acordo com nossos ideais)

Com a fé na esperança

Caminhemos rumo ao passado

Passado a limpo entre pendores

Deixados vazar...

 

 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

 

 

 

 

Adeuses coloridos

 

Sim, os adeuses são coloridos

Na imaginação de quem parte,

Com flores, cartões, alardes...

Olvidando celulares este palco

Gera situações de saudades...

Póstumas, remotas, alhures

De vaidades caídas em tules...

Outras necessidades da vida

De em parte repartidas

Por herança ou por dívida,

Até por dúvidas das idas...

Momentos e mementos

Com nova cor preferida...

 

 

 

 

No fundo do balaio

Por dentro do colchão

Na boca deste cofre

Entre sete sete chaves

Sob a cola sob o lacre

O registro desta caixa

O segredo desta porta

A campainha do alarme

Guardam a merenda

Da escola na sacola.

O silêncio desta mala

Na língua deste vírus

Da espera na miséria

No fosso desta fossa

Sob o musgo deste limo

A perfídia desta lábia

Não cobrem o engano

Do malogro no seu bojo

Sobre cifras, sobre restos,

Sobre vistos, sobre nesgas

Sobre cargas de jumentos,

Sobre vestes, fingimentos.

No fundo deste bueiro

Contra cantos de suborno,

Contra lobos, contra sensos

Baixos de capachos

Vestem togas salpicadas...

(mario chamie)

 

 

 

 

 

 

 

Urgências

 

É urgente

A demissão do passado,

Passado da hora

De ir-se embora...

A demissão do passado

Sem gosto de desforra,

Apenas o fato inefável

De que é chegada a hora

De esquecer o outrora,

O chão pisado, barro d’agora...

A demissão do passado

Se faz real bora fora...

 

 

 

 

Aterradores

 

Seria preciso mais

Que o silêncio aterrador

Para assustar meu dia...

Já tenho por perdido

O senso da razão deste dia

Mas continuo pressionando

O tempo para seguir tentando...

Pensar é preciso,

Viver nem tanto,

Apenas o suficiente

Para chegar ao próximo dia,

Mais aterrador ainda...

 

Espólio

 

A morte vem com o silêncio,

Não prenuncia seu jogo,

Apenas surge na esquina

E se conforta...

Assim tenho assistido tantos,

Inesperadamente mortos...

Rindo de aconteceres outros,

Chorando mágoas avizinhadas,

Deserdando verdades...

Agora, quando chega aos calcanhares  

A promessa do fim

É que se pensa, enfim:

O que fazer do espólio?

sergiodonadio