sábado, 28 de fevereiro de 2015



Manadas


Eu vejo cavalos
Onde trotam homens...
Amansados antes
Conseguem aprender regras
E trotar conforme manda
O domador.
Eu vejo cavalos
Calçados de ferraduras
Com freios nas bocarras
E grilhões na cintura
Onde pastam homens
Nesta manada impura.
Eu vejo cavaloarem,
Pela cavalgadura.














Há uma crença
Em alguns povos
Que
A fotografia rouba a alma
Do fotografado.
Vendo esses retratos
De outros tempos
Acredito na veracidade
Disto,
Sorrisos que tínhamos,
Vivacidade, jovialidade...
Ficaram nas fotografias,
Roubadas nossas
Faces.














Não sei o valor de meus escritos,
Mas são meus escritos...
Leio
Todos que me passam às mãos,
Estudo cada verso... relçeio...
Mas nada é como escrever
O próprio enredo.
O verso,
Que pode não prestar pra nada,
É o meu verso,
Anverso do versado
É o que foi pensado, depois
Desenhado
Num pedaço de papel
Rascunho sentimento,
Refaço noutro papel, agora
Numerado... Arquivo...
Que lido, estará completado.







Minares
Aos caminhoneiros

A impossível jornada
Começa agora...
Sem pique para piquetes
Explora-se a paciência
Dos minaretes.

A marcha, cansada,
Espera um copo de água,
Uma salva,
Um adeus por falta
De até logo...

O tempo, sem ressalva,
Acolhe o cansaço,
Esconde as mágoas,
Sorri... Que sorrindo
Terá sua paga.


Sergiodonadio.blogspot.com

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015



Ditames


Não sirvo para dar conselhos,
Às vezes gostaria e ouvi-los
Com a serenidade de
Um bom auscultador...
Pensam que posso opinar
Sobre suas pinimbas.
Mal sabem que não resolvo
As minhas...
As pessoas perguntam sobre
Suas vidas
Como vi perguntarem à minha mãe,
Ela sabia as respostas
Que acomodavam os nervos.
Eu não as sei...
Eu nem sei das minhas!
Tenho uma dúzia de comprimidos
Para o corpo
Nenhum para os pendões
Da alma.









Estamos tão perto
Do que pensamos distante,
Ouvindo rumores...
Cantatas de um vento forte,
Tremular de palmeiras
Entre alvores...
Talvez estejam palmeando
As distâncias invisíveis,
Ou somos cegos?
A força dos trovões
Encurta os trechos,
A eternidade está tão perto...
Podemos ouvir estrelas
Planando em desertos,
Auscultando os homens,
Esses insetos.









Dia das minhas cinzas


Nasci numa quarta feira
De cinzas,
Quem é você nesse mato?
Quem é a moça que vem
Afagar meus pensamentos
Como a pentear madeixas
Que não possuo?
Nasci naquela quarta,
Por isso não festejo o carnaval,
Essa festa carnal não me atrai,
Não me ilude a moça
A pentear-se bela...
Não nos sabemos lícitos
Eu e ela.
Nascido numa quarta feira
Esparramo as cinzas do pensar
Às vozes que ouço dizer
Tais versos, que seriam meus
Não fora a festa anterior
A mim.





Buquês

Venho trazer-te
Este buquê de lembranças
A pensar que sabes bem
A que venho...
Venho por teus olhos lacrimados,
Venho por tua voz pedinte,
Venho pelo que há de sábio
Em vir...
Puxo uma cadeira,
Estico as pernas... Espero...
Que assim nos encontremos
Sãos e honestos
De nosso querer sincero.
Venho trazer-te
Este buquê de esperança
A pensar que sabes bem
A que venho...
Venho por teus sonhos,
Por tua vontade de viver-se,
Venho pelo que há de haver
De sábio em ti.
Puxo essa cadeira...
Estico os pensares... Espero...
Ao pé de seus altares.

Sergiodonadio.blogspot.com




Não sei por que o pássaro preso
Canta,
Mas sei por que, preso, sonho
Ter asas...
Somos ambos prisioneiros
De mesma causa.
Não encontro meus chinelos
Para pisar os vidros quebrados,
Não encontro meus motivos
Para desentender comigo...
Assim o pássaro engaiolado
Com seus pés descalços
Pisando vidros... Mas tendo asas.
Tenho meus pés calçados.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015



Antanho


Pelos silêncios sonhamos,
A benesse das madrugadas
Seria enfim o antanho
Suposto sobressaltado.

Neste silêncio confabulamos,
Olhos nos olhos,
As coisas que a vida salva
Do esquecimento...

Perduramos assim
Para a próxima geração
Nossos passados conjuntos
Pelo silenciar das palavras...

O que dizer do que se disse
No calor das emoções              
Se o tempo apaga a razão
De lembrá-las?






Normas atuais


Essas canções antigas
Diziam tanto das paixões
Reprimidas...

O que dizer para hoje
Sobre o ficar das crianças,
Esputando feridas?

O sangue dessas salivas
Irrompe pelas faces
Falácias de contenção.

Quantos sermões
Serão necessários            
Para cada exumação?










Na perene morte igual
Do livro itinerários

Na perene morte igual
Para todos os seres
A pergunta se cala.
Dinheiros e fachadas
São de vidro esfumaçado,
Não deixam ver o futuro
Não clareiam o passado.

Pessoas de fino trato
Aqui se igualam aos
Mortos em batalha,
Em campos concentrados
Ou nos rios turbulentos...
Todos afogados
Na própria halitose.

Com falas mansas
E olhos de feras seremos
Drogados pelo vício
De conter verdades,
Espalhar a mentira
Que dirá de tumultos
Desvairados.
Paralisações
Anoiteceu
E continua chovendo,
Penso
No bem que faz esta chuva
Para a grama...
Para o pó desse verão,
Para suprir as mesas
Desse pão.
Anoiteceu
E continua chovendo,
Penso
Na greve dos caminhoneiros,
Dos professores,
Dos outros tantos, sufocados
Por seus parcos ganhos,
Que se levantam e tecem
Essa parede nas coisas
Do viver.
Penso nas crianças,
Nos postos sem combustível,
Na falta que nos vai fazer
A seca das gôndolas nos mercados,
Nas farmácias,
Teremos nossa fome avivada
Pela perspectiva da falta?
E continua chovendo
Sobre grama e alface,
E sobre nós, desapercebidos,
Nessa falta por momentos
Da necessidade de estocar.
Mas continua chovendo,
Em algum lugar a comida cresce,
Apesar de...

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015



500


Encomendamos a placa
Com o número da casa.
Escolhidos formato e tamanho,
Vieram instalar.
-Ficou pequeno.  Ela disse.
Esperamos um ano,
Mandei instalar o mesmo.
-Está muito bom. Ela disse.
Por isso nos damos bem
Há quase meio século...


















Nada tenho a esconder
Mas há pergunta capciosas
Que hesito em responder...









O amanhã não é destino,
É consequência...











Perecíveis


Bate
Na perenidade da pedra
A efemeridade do homem.
Homem que se entroniza rei,
Deus, escravo e senhor...
E morre.
Na sua dor e odor de homem
Se sente pedra
De alma e coração
E uma ilharga suspeita
De ver-se em rendição.
Cansado, vivido, usado,
O homem não é mais pedra
Feita estátua de homem
Perecível na estação
De chuvas torrenciais,
Calores de aluvião.
A pedra continuará a reinar,
Sendo chão.






Figuras


Uma figura de medo
Persegue os imortais...
Tudo desmorona na vigília
De seus restos
Consumidos ser extintos
Aos vermes...
Aos vermes!
Senhores donos do dia,
Aos vermes...
Madames de hierarquia,
Aos vermes...
Governantes surripiadores,
Aos vermes...
Só ficará na memória
O nome de rua, praça,
Exílio de carcaças
Carcomidas aqui,
Antes de mais nada.