domingo, 26 de janeiro de 2020

Cada dia um novo feito
Voltar à infância não tem jeito.
As inocências apertam o peito
Numa sequência de desfeitos...
Então, agora emana o cursar
Previsto tantas vezes, ao leito,
Como sonha hoje teu amanhã...
Uma vez sonhei este devaneio,
Encurtar arriscados caminhos
Ao graduar idealismo refeito
Pelo voejar fora dos ninhos...
Houvera em mim este tempo
De aflorar-me ao amplo peito
Hora de sorrir em que chorei
Os dias pelo abrasivo trecho.
Mas a bela ilusão reviveu-me
Nisso chamado de utopismo,
Sonora música vinda do peito,
A ser destravado desse jeito,
Em espuma atos consumados,
Seria bom não os ter sonhado?
Não! Apesar não ter chegado,
Voltar à infância não tem jeito.
sergiodonadio

terça-feira, 14 de janeiro de 2020


A força da poesia atemporal

A alma e a lua

A alma, como a lua,
é agora, e sempre nova outra vez.
eu vi o oceano criando continuamente.
Desde que eu percorri
a minha mente e meu corpo,
eu também, Lalla, sou novo,
cada momento novo.
Meu professor me disse uma coisa,
viver na alma.
Quando isso fosse assim,
eu comecei a ir nu,
e dançar.
Lalleshwari (1320 - 1392 / Pandrethan, Srinagar, Kashmir / India)






Retratos na parede

Qual a importância da imortalidade
Se os próprios são tão mortais,
A ponto de estarem capengando
Na escadaria dos “imortais”?
É de se pensar na curteza da vida,
Ali representada na hora do chá...
Quantos sobreviverão
Ao próprio sepultamento?
Onde corpo e alma se despedem
Melancolicamente...
Imortais seriam os retratos nas paredes
Não fora a hora da repintura,
A troca por obras abstratas,
Quando jogam atrás da porta
A memória escavada...







Serventias

Para que servem as vestes
Senão para sepultar ocultos
Os insepultos suicidas
Que se jogaram ao mar?

No cais em que desabrocharam
Não teve força o lugar
Para acolher essas vidas
Que se jogaram ao mar...

Para que servem as rezas
Senão para relembrar
Esses pobres desencontrados?

Para que servem os suicidas
Senão para comprovar
Nosso fascínio com o mar?





Fogo extinto

Parece fogo o fogo extinto,
A brasa treme, a cinza fecunda
O fogo aos pés de barro...
Aqui jazem corpos
Que não voltaram...
Parece fogo a lenda contada,
A vontade extinta parece lauda,
A brasa treme, fecunda o fogo.
O fogo queima vontades idas
Porque a porta não se abriu
Aos pés de barro...











Nos cantos do fim de noite

Nos cantos do fim de noite
Onde se escondem os perfis
Das paredes sofridas
E apagam-se as luzes das janelas
Sofre
A solidão infinda em que que se isola
A menina que acreditava
Nas fadas...














Coincidentes

Talvez nesse mês o calor, imenso,
Faça aquecer os mortos idos...
(A cada verão tem menos gente
 Que eu conheça)
O mundo não diminui,
As casas novas passeiam e sorriem
Na calçada, é preciso esquecer
As velhas casas e pessoas da rua lavada...
No eu fechar os olhos morre mais um,
No eu abrir os olhos nasce mais um,
No eu olhar de lado some outro...
Para repor a safra dos que se foram,
Não há tempo para rezar por eles
Ou festejar pelos chegantes.
No eu fechar os olhos definitivamente
Outro já aponta no horizonte...






Para que eu sobreviva

Nada a dizer por hoje,
Apenas repensar o que disse antes.
Nada a prometer para amanhã,
Apenas tentar o melhor a ser feito.
Como podemos anotar receitas
Se mudamos de ideia a cada ato?
Nada a arrepender do feito,
O passado é o passo dado,
Apenas corrigir o próximo passo
E rumar para o dia amanhã
Com o mínimo de mal feito...
Para que eu sobreviva
Terei de somar meus dias
E assomar meus defeitos
Em harmonia com o refeito
A cada vez menos errôneo,
Mais reto e digno de quem
Fez por mim o que não pude
Retribuir direito.
sergiodonadio



quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Assomadouros
Do livro contexto
Quantas vezes falamos
Das utilidades inúteis?
Talvez mais de cem,
Por inúteis, deixadas de contar.
Da facilidade de sorver defeitos
É que estamos juntos
A desejar bom ano,
Até aos eleitos!
Quantas vezes “desutilizamos”
Erros de informática?
Antes imperdoáveis, agora
Corriqueiros?
Por um ano inteiro desse calendário
Erramos pela aí
Nossos passados...
Perscrutando futuros iminentes,
Como fora hoje divisória
de opiniões contrárias...
Tantas vezes nos deixamos ir,
Antes das madrugadas
Sem pensar nas tempestades
Das ações em equilíbrio
Com as reações...
Tantas as vezes repetidas
No mesmo erro
A esperar que esse erro
Se torne acerto
Pela teimosia de errar
“Disterço”.
Repetindo a sintaxe
Do pragmatismo
Nós é o que não somos,
Nós faz o que queremos,
Que o tempo de errar
É inóspito de acertos...
Assim, por que assomar
O que seria o certo,
Se erros são capazes
De acertar em cheio?