sexta-feira, 29 de março de 2019


De estórias e lembranças

O que esperar da esperança?
Talvez um novo mundo...
Ou uma nova criança?
Neste emaranhado
De estórias e lembranças
O que esperar da criança
Que nasce nesse hoje,
Se nem se sabe que sexo
Ela escolherá amanhã?
Que pais querer como seus?
O que esperar deste casal
Que o gerou e o perdeu?

sergiodonadio

sábado, 23 de março de 2019

Viageiros
A vida é esta viagem
Entre o útero e a campa...
A gente chega a este porto
De espera... E espera...
E se vê, enfim, viajado
O bastante nessa esfera...
Um pêndulo dirige,
Por valores,
E aplaca desconsertos...
O que pode conter essa mala,
Se não a poeira dos mementos?
Talvez algum resto de farelo
Deixado cair no tempo
Mastigado de ontens...
A vida é uma viagem
A gente chega nesse porto
De esperas
E se vê viajado o bastante
Nessa esfera...
Que nosso pêndulo
Dirige nossos valores,
Aplaca desconsertos...
O que pode sobrar nessa mala
Senão a poeira dos tempos?
Talvez um outro farelo,
Deixado com o tempo rígido
Dos ontens,
Não viajados...
sergiodonadio

sábado, 9 de março de 2019


O sol ainda brilhará

Todas as guerras passaram
O sol ainda brilha!
Matam crianças nas lajes,
Incineram papéis comprometedores,
Guardam segredos nos lares...
O sol ainda brilha
Apesar dos pesares...
Apesar de combinarem fracassos
Como bebericarem
Enquanto eliminam saldos
De vidas ousadas respirar...
O sol ainda brilha
Em um novo lugar...
Longe das penitenciárias
As penitências persistem
Num sol brilhando em riste
Sobre o meio dia dos lares...





Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros,
Sem nos dar braços para os alcançar?
                Florbela Espanca







A boca aberta da noite
Engole as ilusões desse dia...
Assim, sem mais nem menos
A escuridão se irradia...





Trapézio

Preparar de novo um mundo novo?
Assim é levantado o circo
No espaço de cada um
Saltando nos vazios dos dias amanhãs...
Sem corda nem rede
Só o abismo do futuro não sabido...
Pedras, areia pelo caminho das horas,
De aurora a aurora...
Olhos vendados pelas promessas
Em nossas pressas...
Pergunto ao menino na casca do ovo:
- Preparas um mundo novo?










Não sejamos hipócritas,
Que a vida recomece
A cada bater de portas...








O gozo deveria ser o fim,
Mas é o meio,
Depois vem o finamento,
Que é o receio.







Todas as vozes são ilusórias,
Desde o afago da infância
Ao último fim de auroras...







O poder é desde o início
Pelo medo do outro,
De sentir dor ao afago
Do látego escondido...






Um povo gente

Neste momento
Sinto saudade da saudade
Que já não retenho...
Foram tempos
Tristemente alegres
Aqueles que
Vagamente relembro
E que me renegam.
Talvez um dia inda possa
Sorver essa mágoa
De não sentir saudade
Da lida amarga que vivera
Entre matas e planuras
E um povo chamado gente.






Recendência

O tempo passa...
Por passar recende
O vigor d’outros tempos,
Deixados mofar
Neste hoje preguiçoso,
Dolente,
Em que falta vontade
Para suprir a inhaca
Que rege o repente...











Macilenta

No tacho
A rapadura ferve,
Ainda cana,
Já melado,
Ainda insana
Macilência
Da seca braba...
Do tacho
O fogo espraiado,
Vitória da fome
Lúdica
Desse quadrado...








Tropeções

O passado
É o passo dado,
Tropeçado,
Embolado,
Costurado
Nas cicatrizes...
Doído?
Mas, passado...
Passado a limpo
Não foi mal vivido,
Mas não planejado...
O próximo passo
Será menos doído
Se cuidado...

sexta-feira, 8 de março de 2019

Provinciano
A graça da vida provinciana
Está em passar tranquilo pela calçada
Sem ter de prever se aquele moço
Encostado na parede está espreitando
Sua fragilidade para rendê-lo...
A graça está em ir a pé ao mercado,
Ao banco, ao dentista, à escola...
Ao alcance de cem passos,
Sem o tempo a açoda-lo...
O tempo é feito de imaginações,
Acontecendo ou não,
A graça está em tê-lo pensado
Antes possível ser concluído,
Seja uma viagem, um encontro,
Uma pessoa impossível, um lugar...
A graça está em imaginar tudo isso,
Desfeito em fatos? Que importa?
Ter o prazer de tê-lo pensado
Sem culpa ou motivo...
A graça está em cruzar o rio a nado,
E voltar carregado?
Seguir rodando para o mesmo lado...
A graça em subir a montanha,
Descer aguadas,
Cumprir e descumprir jornadas...
A graça em poder tudo isso,
Mas,
Sentar na cadeira no avarandado
E não fazer nada disso,
Deixando o tempo passar lento
E não se arrepender pelo perdido.
sergiodonadio

sexta-feira, 1 de março de 2019



                                           Divagações sobre a PEC 287/16
A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) é um instrumento importantíssimo para o exercício da democracia. Chequemos a PEC em questão, tramitando pelo Congresso Nacional, apresentada por Henrique Meireles: Para ser aprovada precisará de três quintos dos senadores e deputados, com duas sessões em cada casa. Com a pressão popular, talvez nossos congressistas deem ao assunto a importância que ele merece, analisando a questão antes de tomar uma decisão precipitada. De um lado, defensores da reforma apontam o déficit da previdência como motivo, do outro, especialistas apontam que essa conta desconsidera as demais fontes de recursos do Orçamento de Seguridade Social, bem como as fatídicas renúncias fiscais do governo. Meireles toma por base os países da OCDE e outros países de primeiro mundo, que utilizam como idade mínima para aposentadoria 65 anos. (no Japão, a idade mínima para aposentadoria está subindo 4 meses por ano e só vai chegar em 65 no ano de 2025) a expectativa de vida média dos países que delimitaram em 65 anos o corte para a aposentadoria é de 81,2 anos, versus a expectativa de vida de 75 anos no Brasil. Ou seja, indivíduos desses países deverão viver 6,2 anos a mais. Na Turquia, a expectativa de vida não chega aos 76 anos e na Eslováquia não chega aos 77. As idades mínimas de aposentadoria nesses países é de, respectivamente, 60 e 62 anos. Expectativas de vida menor, idade mínima para aposentadoria menor. A situação se complica aplicando o fator HALE (Expectativa de Vida Ajustada pela Saúde). O fator HALE é uma conta complexa que abate proporcionalmente da expectativa de vida doenças ou limitações de saúde dos indivíduos. Imaginemos um caso de um indivíduo que tenha Alzheimer aos 76 anos e passe os próximos 6 anos sendo gradativamente afetado pela doença. Apesar de o indivíduo ter sobrevivido até a idade de 82 anos, esses últimos anos foram cada vez menos aproveitados, por conta da doença. Da mesma forma, alguns indivíduos perdem gradativamente a visão com a velhice. Apesar de importante, contudo, sem a visão é possível ter uma vida bastante agradável, caso o resto da saúde esteja bem. Dessa forma, o cálculo HALE atribui um peso maior a doenças mais debilitantes, enquanto que impedimentos menores influenciam menos na expectativa de vida. Vemos que nos países escolhidos como modelo a expectativa de vida com saúde (HALE) é sempre maior do que a idade de aposentadoria. Na média, temos que nesses países um indivíduo ainda terá 6,5 anos com saúde para aproveitar sua aposentadoria antes de ser acometido por alguma doença ou impedimento. No Brasil, na média, um indivíduo teria 6 meses. Conclusão: A PEC 287/16 tem o potencial de transformar o Brasil no pior país, dentre os analisados, para se aposentar, muitos brasileiros sequer irão se aposentar, enquanto outros irão se aposentar na beira de problemas sérios de saúde que os deixarão incapacitados de ter uma vida plena. Para puxar a corda no pescoço dos mais fracos, os mandantes teriam que mexer em seus proventos antes. E mais ainda, receber dos grandes devedores com a mesma rigidez com que trata o mínimo salarista! O que impede essas ações, conluio ou covardia?


Provinciano

A graça da vida provinciana
Está em passar tranquilo pela calçada
Sem ter de prever se aquele moço
Encostado na parede está espreitando
Sua fragilidade para rendê-lo...
A graça está em ir a pé ao mercado,
Ao banco, ao dentista, à escola...
Ao alcance de cem passos,
Sem o tempo a açoda-lo...
O tempo é feito de imaginações,
Acontecendo ou não,
A graça está em tê-lo pensado
Antes possível ser concluído,
Seja uma viagem, um encontro,
Uma pessoa impossível, um lugar...
A graça está em imaginar tudo isso,
Desfeito em fatos? Que importa?
Ter o prazer de tê-lo pensado
Sem culpa ou motivo...



A graça está em cruzar o rio a nado,
E voltar carregado?
Seguir rodando para o mesmo lado...
A graça em subir a montanha,
Descer aguadas,
Cumprir e descumprir jornadas...
A graça em poder tudo isso,
Mas,
Sentar na cadeira no avarandado
E não fazer nada disso,
Deixando o tempo passar lento
E não se arrepender pelo perdido.








Conciliamentos

É possível
Que a pessoa termine a vida
Sem ter vivido...
Outras vivem em cinco minutos
Todo o tempo de viver-se...
Seria possível
Conciliar esses elementos
Sem ferir sentimentos?












Caminheiros

Segundo dizem,
Todos que morrem
Sobem um degrau.
Seja na altura que estiver,
Não é possível retroceder
Ao caos...














Olhares

Quando perguntamos
Sobre a saúde de alguém
Talvez estejamos
Querendo saber
Se está melhor ou pior
Que nós
Com essa trinca de azes
No jogo de viver-se...









Mês novo
Peço que a esperança
Não seja como a espera
Do boi pelo sal no cocho,
Do homem pelo sal da terra,
Do uso pelo tempo mocho...
Peço que a esperança
Seja a paz do mês vindouro,
Sem a desalegre intemperança
Do tempo morto...
Peço que a esperança
Transforme um pedaço de hora
Em boa sadia lembrança
Antes que outro pedaço
Faça lambança...
E se não for pedir muito
Peço paz para esta criança,
Nascituro d’esta hora
Santa...
sergiodonadio