domingo, 29 de agosto de 2010

Os flautistas


Ainda estaremos aqui
Quando se forem os meninos
Navegar seus próprios ares.
O toque dessa flauta
Espanta os ratos e germina
Gerânios e novos planos...
Há um perigo enorme rondando
Na presença desses homens
De fé cega ou nenhuma.

De olho na falha do homem
Viajam os enormes sustos
Pelas sombras, pelas bombas,
Outros pelas palavras, todas
Armas perigosamente mortais.

Cuidado com a criação das maldades
Vociferando narinas
Desse dragão de letras ou adagas.
Cuidado com ativistas irreais,
Conquistadores dessa paz sem paz.

Cuidado com a fome dos nômades
Que nada crêem e moldam o tempo.
Cuidado com os prometedores,
Devastadores dos medos.
Cuidado, muito cuidado que
A esperança não morre, mas
É a última que mata.
E, por podê-lo é que, incontinente,
Assumo erros e acertos casuais,
Que o dia vida alvorece
Sem as agruras dos jornais de ontem.
Por isso, pelo poder de voar os sonhos,
Torno-os factuais, que os fatos
São detalhes a desconsiderar.

Os fatos morrem quando morre o dia,
Esquecem de mim, de ti, de quem mais,
Em guerra ou paz, que o dia vida
É um detalhe a mais.
Fica o sonhado, mesmo inconcluido,
Nos filhos, que o podem viver
Se não punidos.

Por isso posso mais do que pensara
Enquanto engatinhava o dia e a vida
Eram uma fraca nascente,
Vertente que com o tempo, vira mar,
E confunde-se o feito com o vivido,
Que voejar os fatos consumados
É menos real que os inconsumidos.

Então, posso mais pensar do que fizera
Que o bom de sonho é sonhar pudera
Enquanto passe um filme dessa era
Pela tarde quase noite, que me espera
Nas poucas vezes que fazer viera.
Agora, a ignorar passantes e ficantes,
É que inda sonho perdurar na terra.
Realidade das mentiras e seus efeitos

Posso mais do que pensara,
Ignorar passantes ou ficantes
E voar...
Livre como nunca dantes.
Para o voejo dos pensamentos,
Além da forma e estrutura, fixas,
Tenho as asas do temperamento.

A forma impura, de fecal mistura,
Fica nos dias feitos luta, que,
Como outros, passou, pesado...
Pesaroso...
E fica, com os atritos e acomodações
De um outro sopro.
Agora, leve sonho meus vôos.

A noite, sempre companheira,
Mesmo quando triste, avelória, feia,
Parceira para mais pensar
Do que fizera antes, e, por fazer,
Ficou o dia, tornado espera
De amanhecer de novo
A partir do primeiro ovo.

Posso esquecer o envelhecer em mim,
Das vontades, na paridade de ações
Megeras, mas não chorar fatalidades
Que, por fatais, já eram.
Posso então sorrir das falhas
Que antes acordavam iras,
Mesmo que esquecidas.
Viuvez


O dia lhe foge aos olhos,
É melancólico ouvir
O pássaro clamar a dor
De ser sozinho o silêncio.

Mais do que o tempo,
O dia claro, sem mágoas,
Sorri um sol de agosto
E se embriagará disso...

Acordar seu novo tempo
Que o luto é sentimento
De efêmera durabilidade.

A dualidade de momentos
Trará de novo o sorriso,
Cansada a vencida viuvez.
tisnes


Somos seres construídos de outros seres, a genética, mãe das interligações, propõe seres díspares e ao mesmo tempo iguais. A mistura de cores, alcunhadas raças, refaz o caminho dos navios negreiros, das levas de europeus, asiáticos, misturados aos nativos dessa terra de Santa Cruz, que resultou numa raça, aí sim acertadamente chamada de brasileiros, da brasa dos brasis de um tempo cru de indagações.
Já dos tempos de Salomão, nos cânticos de um povo à procura de seu destino, lemos versos que tratavam do “tisnado” da cor da pele, segundo o poema, linda, mas escura, e por isso posta a cuidar dos vinhedos de outrem.
Ainda hoje, num país de mestiços, (segundo Darcy Ribeiro “o povo mais bonito do mundo”), se classifica cor como raça. Volto ao assunto porque uma das perguntas do censo deste ano é exatamente se tem na casa pessoas da raça negra! A pergunta parece incoerente, já que o censo só contabiliza a raça humana, catalogando dados outros, como ganho familiar, aí sim estabelecendo a divisão mais doída nesse povo dos brasis.
Os fundos dos grotões e vilas acolhem o que seria a divisão, financeiramente, desse povo, em camadas que a própria segregação esconde. Somos sensíveis ao trato que certos povos dão aos seus cidadãos, seja dividindo em castas ou em gêneros, escancaradamente distintos. (a mais visível aberração de costumes é a condenação ao apedrejamento daquela senhora no Irã) mas não nos condoemos com o trato que nosso país dá aos seus cidadãos, indefesos por herança de pouco ou nenhum estudo familiar, que os prende às correntes dos trabalhos “nos vinhedos de outrem”. Segregados por um salário de fome, aviltados por uma ajuda de merrecas para que não morram de vez.
O censo mostra que somos um povo, nem branco nem negro, mestiço. Mas separados em A B C D E ...e sabe-se lá aonde chega a miséria até o Z dessa classificação! Aí sim, estamos divididos em donos de vinhedos e cuidadores de outrem.
Entre claros e escuros, a estatística aponta o “embranquecimento”social de escuros e o “escurecimento” de claros, quando uns e outros sobem ou descem na escala declasses,financeiramenteanotados. Quando os mais claros empobrecem,”escurecem”no conceito arraigado. Então, visivelmente a segregação, antes de qualquer outra, é monetária. Ao par dessa segregação estão os projetos de governos, direcionados aos grandes projetos, como um trem bala entre duas cidades, num país carente de ferrovias de norte a sul, (segundo um grande construtor, o custo dessa obra poderia estender trilhos de Porto Alegre a Belém). Exemplos como este com viadutos fenomenais, estádios suntuosos, obras de grande porte e serventia elitisada, são os tópicos de campanha, vide o problema dos aeroportos...sim, com problemas, mas, num país onde quase metade da população não é servida de água e esgoto, luz e escola, hospital e lazer, que alcançariam as camadas “de cor”, a prioridade é segregatícia ou não?
Quando o próprio censo distingue os donos dos vinhedos, voltamos aos tempos salomônicos, no século X a.C.?!

sábado, 14 de agosto de 2010

verbas


O Ministro da saúde Jose Gomes Temporão cansou de reclamar da má administração dos órgãos ligados ao seu ministério mas dirigidos pelos apadrinhados do partido, o PMDB, depois de várias declarações, foi instado pelo presidente da república a se retratar perante os caciques do partido que manda na área. Sob o guarda-chuvas imenso o PMDB controla 9% do PIB, onde aloca verbas para seus aliados ao seu bel prazer. Só o ex-presidente Sarney tem sob sua caneta mais de 60 bilhões em verbas, sem contar os menores dentro do esquema, é preciso lembrar que o processado tantas vezes, Jader Barbalho, detém 5,5 bilhões em verbas . Assim, o ministro que reclamava da má administração da Funasa, (Fundação Nacional de Saúde)que deveria estar cuidando dos indígenas e os deixa no abandono(vide a morte de tantas crianças guarani-caiová por desnutrição)e, que declarou como corrupta a administração do órgão, teve que morder a língua, dizendo que estava falando da administração passada, (que também era do partido). A Funasa tem uma historia de 18 anos de anarquia, dos seus 33 mil funcionários, cerca de mil eram preenchidos por apadrinhados até o governo passado, que restringiu por decreto os cargos de diretoria a funcionários de carreira com mais de cinco anos em postos de chefia. Numa penada o atual presidente revogou tal decreto e já admitiu 5 mil apadrinhados até agora! Para amansar os insaciáveis pemedebistas, o presidente injetou na última semana mais l,6 bilhão na veia dos chefetes da saúde, ao tempo em que o ministro pede retenção de verbas por não estarem sendo aplicadas corretamente, pode?
O ministro vem sendo caçado por seus partidários faz tempo, por preferir contratar técnicos para o seu ministério, recusando apadrinhados, como fez quando nomeou a auditora do Tribunal de Contas da União, Márcia Bassit, para examinar todos os contratos , convênios e indicações do ministério, o que cassou indicados pelo partidão para diretorias de ninhos de ratos como a Funasa.
Esse episódio dá amostra de como os políticos se mordem mutuamente por cargos e verbas, de como são insaciáveis por dinheiro, mesmo que sujo, de como têm parâmetros tão pequenos. Só há a dizer que, para pessoas de valores tão mesquinhos, quando perdidos esses valores, o que sobra para eles?!
Das maracutaias (i)legais

Diz um grande jurista que, com os recursos admissíveis nos trâmites de um processo, um advogado mediano o estica por dez anos e um bom advogado por vinte! Temos assistido barbaridades na justiça brasileira, principalmente nos fóruns de primeira instância. Para um leigo como eu a justiça aplicada desse modo promove a prorrogação de débitos com prejuízos imensuráveis, e nada se pode fazer, aos olhos da lei.
A imprensa noticia hoje uma dessas aberrações: O processo do mensalão, correndo na Suprema Corte, vem se arrastando lentamente, o relator do caso , o Ministro do STF Joaquim Barbosa, está preocupado com a parada indigesta, ouviu até agora 41 pessoas, testemunhas da acusação do escândalo. A defesa apresentou como testemunhas de sua parte nada menos do que 641 pessoas, pode?! Esses supostos juradores da verdade, nada mais que a verdade, começarão a ser ouvidos em dezembro, pela média de tempo até agora, terminará a agonia de ouvi-los em SEIS anos! Isso sem contar com as estratégias(perniciosas) de advogados, de fornecer endereços errados para atrasar processos. E não adianta pernejar, caro litigante de província, que, se isso está ocorrendo com um ministro da Suprema Corte, imagina com você, mero cidadão chamado comum...Havia uma perspectiva de julgar os trinta e nove acusados até 2011, esquece...que, voltando ao jurista acima, estamos longe dos vinte anos programados...
O poder de legislar cabe à Câmara e ao Senado, (ao judiciário cabe cumprir tais leis), que, como se vê através do tempo, entupiu de emendas e leis complementares, ordinárias, delegadas e decretos legislativos que, juntadas às medidas provisórias do executivo, que também legisla, estabelecem um inferno na vida do cidadão. Sem querer desmerecer nenhum cargo, os elegidos pelo povo, em geral, são ignorantes em relação ao que legislam, ou, nós, eleitores é que o somos quando elegemos leigos para legislar em nosso nome. Não adianta muito ter uma suprema corte de 11 magistrados sabidamente instruídos se têm de obedecer o estabelecido por um poder sabidamente matreiro e esgarrado da verdade.
Há que se perguntar: Se a lei já não vale para punir, para que vale?
Sergio Donadio.Blogspot.com
As ilusões (e desilusões)da ótica

Foi sancionado pelo Presidente da Republica o projeto de iniciativa do MCCE(Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral) subscrito por mais de 4 milhões de cidadãos. Viva o movimento!?
Antes de gritar viva em uníssono, é preciso esmiuçar a mente do Senador Francisco Dornelles, que, em defesa talvez de companheiros “malufados”, alterou a redação do projeto, de “que tenham sido condenados” para “que forem condenados” empurrando para candidatos futuros a obrigação (óbvia) de que tenham ficha limpa, isentando os atuais próceres dessa qualificação. O absurdo, semântico, (segundo o presidente do TSE) pode melar o sonho de 193 milhões de cidadãos brasileiros, de ver cuidando de nossos direitos, pessoas que tenham no mínimo a ficha limpa, já que não se exige, nem se pede por favor, que tenham capacidade intelectual e moral para tais encargos. Elementos que se candidatam, e são eleitos pela destreza de manipulação dos votos cabrestados pelas promessas e ameaças, continuarão candidatíssimos, já que tais precauções não entram nas manchas que possam sujar suas fichas de bons meninos(as).
O projeto torna inelegíveis cidadãos que pratiquem crimes dolosos(intencionais)contra economia popular, administração publica, patrimônio privado e meio ambiente
Primeira ilusão: Para surtir o devido efeito, imediato, a lei precisa ser sancionada pelo judiciário até 8 de junho próximo?(Estou em 5 de junho), até a publicação dessa já saberemos se foi ou não sancionada.
Segunda ilusão: É preciso um colegiado de dois ou mais juizes para concretizar-se, embutindo aí um recurso a ser apreciado.
Terceira ilusão:os “inelegibilizados” têm 15 dias para entrar com recurso suspensivo em instância superior...
Para quem já conhece de perto a morosidade desses caminhos é de se esperar muitos atalhos nessa trilha. E como se sabe que boa parte de nossos indignos representantes candidatos a inelegíveis, estão respondendo processos de ação civil, o que não afeta sua condição, que só atingirá processos criminais, é de esperar sentado a verdadeira punição aos culpados por dilapidar não apenas os cofres mas a consciência de cidadãos, parias de uma legislação canhestra, que não alcança os alvos verdadeiros, ops. Esperemos a promulgação de tal lei.
Discípulos que somos de São Tomé, só acreditaremos vendo.
sergiodonadio.blogspot.com.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O dono do mundinho


"Irmãos, não me julgueis pelo abandono dessas sombras"
"Não me julgueis pelo que fui e jamais fui e sempre serei, pois de não ser vou sendo"
"não me julgueis por ter começado meu caminho naquela canoa"
"Perdoai-me por dizer a Deus que Ele não pode pisar meu caminho"
"eu fui ferido pelos vampiros gigantes"
Esses versos são extraídos dos "marimbondos de fogo" de José Sarney, declarações soltas, fora de contexto, mas, que por si, formam um novo contexto dentro do atual contexto. O poeta Sarney, membro (da cadeira 38) da Academia Brasileira de Letras, faz um mea culpa nesse palavreado, pedindo que não seja julgado pelo abandono
Das sombras, pelo que foi, é e será, porque, segundo ele, de não ser vai sendo... Explicado está, que para bom entendedor meia palavra bosta. Pede perdão por ter começado pelo caminho errado, mas julga-se além da lei de Deus, como está comprovado que está além da lei dos homens, diga-se, de seus pares, na enferrujada sede do congresso nacional, e completa dizendo-se ferido pelos vampiros, quem é ferido por vampiros vira vampiro, diz a lenda...
Este senhor octogenário é um vencedor, começou a vida nos confins do Maranhão, estado do qual é dono, pobre estado, que conseguiu deixar mais pobre ainda,
Manda no Amapá, outro com as calças nas mãos, tem uma bela família, toda instalada no governo central, conseguiu se maquiar de governador a senador, sem ter sido nenhum dos dois de verdade, ganha o maior salário do senado (52 mil reais), é membro da Academia! Não é qualquer Zé que tem poder sobre tantas coisas, nem sendo vampiro! É considerado o último coronel, ufa!
Falando nisto, a pior conseqüência dessa briga de foice é justamente a volta do coronelismo ao país que tanto sofreu nas décadas passadas nas mãos desses truculentos "coronéis". A volta de Renan e Collor na defesa de Sarney é uma amostra azeda do que teremos pela frente. Essas figuras vampirescas rondam o poder com tal veemência que assusta por sua periculosidade na manha de corromper governos fracos e se sobrepor às idéias e ideais progressistas, que vêm norteando as cabeças pensantes, mas poucas, desse congresso manietado.
Na nossa vida provinciana estamos acostumados a ver pessoas dessa idade com o respeito que as figuras deles merecem. É duro olhar para um homem de oitenta anos e ver tal canalhice. O que mais quer uma pessoa que já chegou onde almejaria um cidadão dessa idade? É preciso avisar o velhinho que estamos em 2009. Ele vive os tempos passados, sua mente o está traindo, tadinho, quando ele pergunta, na sua surdez e senilidade, do que o acusam.
A presença dos invisíveis


Neste fim de ano, desejando um feliz natal a todos, quero relembrar Gabriel o Pensador, quando fala da invisibilidade dos cidadãos de profissões "periféricas", como catadores de papel, coletores de garrafas pet, garis, faxineiros, entre tantos outros, que vivem no mesmo ambiente dos bancários, profissionais liberais, comerciantes, balconistas, industriais, mas que são invisíveis, na sua informalidade forçada. Fazendo um trabalho tão digno quanto o dos outros, mas não reconhecido como tal. Peço que o leitor faça uma indagação à sua consciência: Você trata igualmente sua faxineira, seu gari, seu coletor de lixo, como trata seu médico, seu advogado, seu atendente bancário? Você conhece pelo nome, ou, mais pragmaticamente, reconhece uma dessas pessoas se a vir fora do ambiente de trabalho dela? Você cumprimenta o gari de sua rua? Você atende o catador de pet com a mesma atenção com que atende o vendedor de seguros? Se não estiver mentindo para si, reconhecerá que não. Que não dá a devida atenção ao cidadão que limpa sua sujeira, que lava e passa sua roupa, que recolhe seus restos nas lixeiras fétidas das ruas...bom momento de mudar de atitude.
Dia desses, vi gerente e funcionários de uma loja, de queixo caído, quando o catador dos papelões que a mesma loja descarta diariamente, comprou um aparelho eletroeletrônico da loja e pagou mil reais em dinheiro vivo. Aparelho que os funcionários da loja não têm.
(Do outro lado dessa moeda, um amigo industrial, que encerrou sua atividade no mesmo ano em que eu encerrei(depois de quarenta anos, no meu caso) viu-se nessa situação, como eu também senti na pele, de se tornar invisível para alguns companheiros de profissão, pessoas com as quais convivia diariamente, em reuniões, em viagens, em situações idênticas de problemas iguais, resolvidos em conjunto, que agora, (friso: em alguns casos), não o viam mais, mesmo que sua presença fosse notória. A mim feriu bastante, como a todos que conheço, aquele momento de distanciamento, já cicatrizado pelo tempo.)
Por isso, por esses que se sentem invisíveis perante a sociedade, neste natal quero desejar a todos que se presenteiem com mudanças de atitudes frente aos menos aquinhoados, senão pela sorte, pela oportunidade ou mesmo pela capacidade. Exercendo profissões tão mal vistas, mas que são tão dignas quanto as outras citadas.
Lembremos que o natal é o aniversário de Uma Pessoa que pregava justamente a igualdade!
Tudo igual, ou piorou?



Tudo parece sempre igual, mas tudo é, ao mesmo tempo, perverso demais para ser igual ao ontem. Por volta de l789, 220 anos atrás, o Brasil tinha uma população de 2,5 milhões de habitantes, concentrados em sua maioria em Pernambuco, Bahia, Minas, Rio e São Paulo, distribuídos em capitanias. A grosso modo, já com uma composição étnica bem diversificada, com uma sociedade majoritariamente urbana, até mesmo nas regiões de engenhos, onde se formavam vilas, voltadas para grandes latifúndios, “governado” pelos “fidalgos do reino”, proprietários de terras e escravos e não escravos,
que praticamente substituíam o poder publico.
Pois bem, essa característica de desigualdades, muito bem mostrada por Gilberto Freire, em “Casa grande e senzala”, embora minimizada, persiste ainda hoje. A confissão disto é, entre outras, a criação de cotas para minorias negras e índias. Sendo gritante a disparidade entre ricos e pobres, essas cotas deveriam incluir outras etnias nas mesmas situações de penúria, onde brancos, por exemplo, nas periferias, são tão miseráveis quanto...
Mas, a coincidência de situações dois séculos depois, abrange todos os cantos do país, hoje com uma população de 190 milhões! Fala-se muito nos progressos conseguidos, sem duvida os há, mas persiste, insisto, a disparidade, muito visível nas situações de favelados, dentro e fora das literais favelas, ou melhor, comunidades, carentes, famintas de tantas fomes diversas...
Você, pai de família mais ou menos colocado, nesta escala escabrosa, que tem seu filho alimentado, vestido, com sua dentição tratada, (veja que estou colocando o mínimo para sobrevivência) com seu estudo regular, já parou para pensar naquele outro brasileiro, pai como você, que mora nos caixotes de papel e lona, e não tem esse mínimo para seu filho? Já parou para pensar que daí, dessa miserabilidade é que se extrai o dinheiro para as mansões de luxo, vizinhas das favelas?
Você, que comprou um carro por 60 mil reais, já pensou que o trabalhador braçal (que é braçal por falta de oportunidade de se instruir melhor) tem de trabalhar QUATRO MIL dias para receber o valor deste carro, bruto? E, depois de suados quatro mil dias, tem de ver que comeu mal, vestiu-se pior ainda, não saiu dos seus caixotes de moradia, não comprou uma TV nova, ou o que o valha, e continua no mesmo calejado trabalho braçal, enquanto você já trocou aquele carro de 60 mil por outro, novo, umas cinco vezes, e comeu bem, vestiu-se melhor ainda, conheceu novas praias, melhorou sua casa, etc...Você é o fidalgo do reino!
Voltando a l789, o fidalgo da época vivia na casa grande, mas sem nada do que tem a morada de hoje, quer dizer, as diferenças talvez fossem menos acachapantes do que hoje.
Das fábulas atualizadas


Reportando à sátira de Jonathan Swift “modesta proposta” escrita em 1729 e relembrada por Cristovam Buarque em 2007, que tratava do abandono das crianças numa época sombria em seu pais, a Irlanda. O escritor “propunha” tirar o fardo que significava a criação dessas crianças sobre a vida dos pais e do país, vendendo-as para as famílias ricas “degustarem” nos banquetes como fina iguaria...
Esta crônica de horror escandaliza, à primeira vista, nosso humanismo contrário ao canibalismo! Mas, ao mesmo tempo, nossa condição de ser humano aceita a antropofágica criação de crianças para servir, nas mais degradantes condições, aos prazeres da “mesa”, por assim dizer, o que não é muito diferente da sátira proposta pelo autor. Senão vejamos: as cenas de rua em todo mundo, mais doído no micro cosmo que é nossa cidade, de pessoas esmolando na avenida, nas portas dos bancos e lojas, com suas presas nos braços, visivelmente desnutridas, desvestidas, sujas de atrair moscas, com seus olhinhos implorando uma solução menos sofrida para suas mazelas, e, que não horrorizam às pessoas que passam, fingem o que vêm, jogam uma moeda, e vão embora...pois bem, na visão extrema de Swift, essas pessoas, NÓS, estamos comprando essas crianças, nossas consciências, e deglutindo em nossa mesa a miserabilidade vista naquele momento. O que dói é a naturalidade com que aceitamos esse canibalismo, lento, gradual, horrendo, assistido comodamente de nossos lares bem nutridos, com nossos filhos à mesa, degustando em vez de suas carnes tenras, as vidas daquelas, vendidas à exploração de todo tipo, da sexual à perversão de trabalhos danosos, que imolam pouco a pouco essas vidas, conservadas vivas para tais fins. Ao lado dessas, as crianças abandonadas em nossas ruas, igualmente consumíveis por essa sociedade cega, que passa ao largo das ruelas, onde crianças brincam suas vidas, expostas ao lume das mentes canibais, que as consomem de todas as formas com que se as possa consumir.
Voltando à “proposta” de swift, nosso neocanibalismo talvez esteja fazendo sofrer mais as mães que não vêm solução para seus filhos, e, principalmente, as crianças, que não sabem o quanto são deglutidas morosamente pela sociedade constituída, que não planejou essa leva de filhos de ninguém, abandonados à própria sorte, quando ainda não podem se defender sozinhos, da ferocidade de ser humano.
Olhando friamente, algo está distorcido quando o macho alfa não se preocupa com a manutenção da espécie, instinto básico para sobrevivência do próprio. Coisa aprendida nos primórdios da vida na terra, anterior à conscientização de nossos atos, enquanto humanos.
Se, desses atos resultou tal abandono de princípios, melhor seria voltar ao troglodítico tempo de eliminar o mais fraco, simplesmente.