quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Aos reclamantes
A esses que reclamam
Da ditadura
Mas nasceram depois
Da ditadura...
A esses que incutem
A nova versão do que dizem
Ser melhor cultura
Mas não conheceram
A verdadeira...
A esses que pensam pensar
Enquanto não pensam...
Apenas seguem
Pensamentos outros no WhatsApp...
A esses que reclamam da vida
Sem se interessarem pela vida!
A esses que esperam a colheita
Do que não plantaram,
Nem sabem que leite, feijão e arroz
Não nascem em sacos plásticos
Nas prateleiras,
Como se ali brotassem...
A esses que reclamam,
Mas não sabem do que reclamam,
Desmamados se perdem
No alinhamento...
A esses que reclamam
Perplexos com incêndios milenares
E os pensam novidadeiros...
Sinto pena desses,
Que não sabem renascer das cinzas,
Como seus antepassados,
Migrantes fugidos das guerras
Verdadeiras!
Mas imolam seus velhos pais
Como se fossem ignaros
Perdedores de batalhas...
A esses que reclamam
Mas não imigram nem emigram
De seus acomodados lares,
Como se ali plantados
Como cepos podres dessa árvore,
Meu desprezo igualitário.
sergiodonadio

sexta-feira, 23 de agosto de 2019





Elementos


poemas


















Elementos

Sabe-se lá
Que mundo é este
Onde o vento rola pedras,
Bate palmas no telhado
E de lá espanta o gato...
Talvez não seja inerente
Ao último assalto,
Mas me assalta!
Sabe-se lá
Que vento é este
Que rola o mundo,
Tão fecundo...










Desencantos


Todo encanto se desfaz
Olhando de perto as faces
Rebocadas de batons,
Olhando de perto as águas
Conturbadas de lixeiras...
Olhando de perto ideias
Repensadas de besteiras...
Vendo por dentro a paz
Deformada pela guerra
É esse tanto faz
Que enerva...











Rumos


Eu gostaria de saber
Onde estão os bêbados
De ontem...
Estão dormindo nas sarjetas
Ou voltaram para suas casas,
Incólumes?
Eu gostaria de saber
Para onde vão os perdedores
Depois de uma aposta
Mal feita...
Para suas famílias, desfeitas?
Eu gostaria de saber
Mas os que sabem
Não me dizem,
Envergonhados de terem perdido
Seus rumos impedidos...






Pequenas pontas


As pequenas pontas
Das penas anunciadas
Nesses poemas cortados
De reticências
Dizem do desespero
Dos Poetas marginais
Dessa incoerência
De dizer coisas esperadas
Corretas
Mas sinceramente banais...
As pequenas pontas
Amarram a primeira palavra
À palavra final
E ferem a consciência
De ser
Normal,
Anormal?
Fora dos padrões
Dessa normalidade fabricada
Nos rodapés dos jornais...


Quem diria

Que o tempo faria rugas
Na consciência?
Que o trabalho faria calos
Na insciência?
Que o passar da raiva
Faria negrumes
Nas faces rosadas de antes?
Quem diria
Que a viagem seria pouca
Para a felicidade vingar
E por sorrisos nos olhos
De quem volta?
Mais do que lágrimas
Do que não volta
Mais...








Apenasmente

Uma palavra
Que não existe
Mas define o pouco
Que se pode fazer
Em uma tarde de apenas
Sofrer...
Porque nada explicaria melhor
Esse poder do sentimento
De transparecer no semblante
O erro cometido antes...
Apenasmente essa palavra
Define tal sentimento
Perdido nas aluições
Do esquecimento
Dos outros ao redor
Do poder de ferir
Calando.






Às margens

À margem do sentimento
Mora um senhor sisudo
Pela experiência de vida
Que traz no cenho furioso...
De raivas vai-se acabando,
Finando seus fracos nervos
E músculos frouxos...
À margem da loucura
Mora o viandante que parte
Do subúrbio para outro,
Sacolejando num banco seco
A procura do pão de hoje
Na grande cidade fera...
À margem da cultura
Vive o menino sujinho
Sem o socorro esperado
Nessa cratera...

sergiodonadio




Num dia assim

Nesse dia
Cheio de negatividades
Anunciadas
Parto para o além rotineiro
Sonhando os sonhos passados
De tantos outros janeiros...
Num dia assim
Perduramos a desesperança
De viver mais um tempo
Sem dores...
Mais um tento de amores
Deixados fenecer
Na relva...










Horas contadas

Quantas horas contaste
Desde ontem famígero?
As fomes se somaram
Às dores de ter se perdido
Entre fronhas e travesseiros
Numa alegoria de insônias
Postas a render fissuras...
Quantas horas minitiradas
Tiveste a pachorra de contar
Entre carneirinhos
E contas a pagar?
O dia amanhece, a manhã
Promete o pão de ontem,
Amanhecido, como sua espera
Sem sentido...








O chão resvaladiço

O que te espera
Nesse chão resvaladiço
É o amanhã novo,
Sem os espinhos de hoje,
Calçado de alpargatas
Não se resvalará ao piso...
Segue, então,
Na mesma esperança gasta,
Que te será amiga
Se isso a ti basta...
É tão pouca a espera
Por esse dia inteiro
De futuros...










Desejos

A moedinha
Na fonte dos desejos
Pode não atender
A quem a joga
Mas certamente atende
A quem a recolhe,
De um ou outro jeito
O desejo
Será satisfeito...


















domingo, 18 de agosto de 2019


Chiados

Se alguém morrer de amores
Enterrem-se o em louvores...
Falo por mim, sem saber
Se empunharás teu sabre

Aos procuradores de culpas
Às perguntas de apressados
Que de mim não se ocupem,
Apenas de seus passados...

Se alguém morrer de dores
Procuremos só consola-lo,
Que tempo cobrirá de flores.

O que a tempo bem sabes
É que os velhos e doutores
Ouvirão aqui seus chiados.





Desforços

Da vez que um menino chora
Ou sente dor ou é desamado,
A culpa será dividida agora
Entre receios e acamados...

Este menino, dolorosamente,
Sente-se abandonado entre
Formas vis em que foi criado
Pelo abandono desforçado

Se o vês assim desconsolado
Procura sua finda mocidade
O que em ternura foi negado

Que ocasião mostrará adiante
Este menino não teve alento,
Pulou a rica fase de infante





Colcha de floradas

No chão trincado
Pela seca do deserto
A floração miúda destaca-se
Em colcha desenhada...








Nova geração

Quando a análise lógica
Torna-se análise psicológica...
        Mario Quintana





Agora é tarde

Tivemos tempo
Para corrigir nossos erros...
Agora é tarde.
Tivestes tempo
Para retornar à casa...
Agora é tarde.
Estivemos confabulando
Ideias vazias espremendo-as
Contra novidades...
Agora é tarde?
Como seria o agora
Se tivéssemos arguido
Dos propósitos disso,
Antes que tarde?








MARGEANDO

A página em branco,
Virgem, imaculada,
É o retrato da ingenuidade.
Por isso abusam dela
Impondo obscenidades
Em suas margens...
















Mementos

Nossas vidas prosperam
Até uma certa meia idade...
Depois arrasta-se
Presa às familiaridades,
E, penosamente contrai-se
Entre achegos e enfermidades,
Até desacorrentarem-se
E esvoaçarem
Pelas saudades...















Todo fim teve um começo,
Assim se determina que
Cada um tem o seu preço...









Mania de querer servir-se
Servindo o outro...
Este fetiche não funciona
Se fores o outro...








E eis que, tendo Deus
Descansado no sétimo dia,
Os Poetas continuaram
A obra de Sua criação...
     Mario Quintana







Solidão é quando
Estar só
Se torna incômodo...







Da intuição dos meios

Vendo esses pequenos
Gatunos pelas ruas
Fico pensando se eles sabem
Como seria um lar...
Com o fogo aceso no inverno,
Com o chá servido com pão quente,
Com uma cama, mesmo de capim,
E um tempo de brincar carrinhos...
Vendo esses pequenos
Abandonados pelas ruas
Fico pensando em salva-los
Dessas amas cruéis, selvagens,
Com seus carros velozes
E suas madames desdenhando
A fome alheia...









Como se fosse fácil ser madame
Sem ter um berço
Onde deitar a cabeça
Amaciada pelo desvelamento...
Como seria esta madame
Que se faz de pura
Se não houvesse esse zelo
Pela sua soltura...
Se tivesse meios, mas os há...
Coragem até temos
Mas não temos desprendimento
Para soltar os arreios
Da comodidade
E seguir a intuição
Dos meios







Barbatanas

Sou do tempo em que
Se prendia colarinhos engomados
Das camisas com barbatanas...
Termo que se perdeu nos costumes,
Até nos dicionários...
Hoje, como as barbatanas, perdemos
Pelo futuro nossos passados...
Sinto pena desses jovens
Que viajam sonhos, formados
Em suas aptidões sonhadas,
Desertam para Europas e Japões
Acerbados em trabalhos braçais,
Se não regredimos, não avançamos,
Nossos ascendentes vinham de lá
A serem subjugados nesta terra
Brasilizada para os mesmos fins...
Substituir escravos, hoje patronados,
Europeus e americanos do Norte...
Esses que partem, apartam almas,
As que ficam e as que se espaçam,
Que lástima.
sergiodonadio

quarta-feira, 14 de agosto de 2019


A imortalidade

É uma realidade imprescindível:
O corpo se desvai com o tempo,
Aos poucos perde a vida de antes,
Aos poucos cede às dores
Seu desobjetivo forçado
E se vai...
A alma não é um sonho,
É a realidade de viver-se o agora!
Se você está com fome agora,
Se está com vontade de alguém, agora...
Aquela senhora inacessível...
A alma é abstrata, o  corpo é substrato,
Que sofre as dores da carne,
Com a amputação dos membros,
A alma pode até sentir pena de ti,
Que manca enquanto ela se altiva.






Realidade bruta

Quando cheguei
Àquele fim de mundo,
Lá encontrei um ex-gerente
Desdentado a murros, e,
Disseram que eu seria o próximo.
- Quem fez isso?
Perguntei aos rapazes.
- O Valdemar, bebe e se diverte
Esmurrando pessoas...
Como eu tinha investido tudo
Naquele empreendimento
Tomei coragem e fui cobrar dele,
Que se me desse um soco
Levaria um tiro.
Para mim foi assustador o momento,
Para ele foi normal, disse que
Não era verdade, que não era aquilo...
Convivemos por dois longos anos
Em paz.



Turras

Se existem anjos,
Que cuidem das crianças
E dos idosos,
Uns por não conhecerem o perigo,
Outros porque esqueceram...
Perigo de se viver em meio
A adolescentes e imaturos maduros,
Seres obscuros em sua veleidade
De serem turros...













Antes que tarde

Estamos ficando velhos,
Companheiros,
Melhor fazer as pazes
Com alguns desafetos
Costumeiros...
Se vozes me xingam, relevo,
Se às vezes te ofendo, releve,
Relevemos atos impensados
Esvaziemos nossas mágoas
Em espelhos...
Somos tão diferentemente iguais
Que não acordamos
Com opiniões alheias,
Mesmo iguais...








Sorriso triste

Em meio à guerra dos adultos
A menina sorri tristemente
Por não saber como interferir
Nessa loucura convivente...
Com a ferocidade manifesta
A foto retrata a agonia
De velhos combatentes
D’outras guerras infindas...
O pano de fundo incendeia-se
Ao torpor de velhos cansados
E senhoras em desespero
À paz que não se aprende...
São séculos de covardias
De povos trucidando povos,
De gente exterminando gente,
Mas a menina sorri a pedido
Do fotógrafo acostumado
À ferocidade dissimulada
Numa roupagem recente...



Desumanizado

Sem pretensão de ser,
Mais do que me foi designado ser,
Tento lutar minha luta
Para manter este esqueleto coberto,
Então, certo ou incerto, viajo...
Em cada suspiro sinto o prazer,
Imerecido ou não, de ter vencido
Sem perder o conseguido
Neste suor que me move,
Assim como me comove
Ver nos arredores gente
Querendo-se gente
Abanando sorrisos aos aplausos...
Cenas que me dizem um pouco
Nesta fase de desconsertos
Em que vale mais um cão lavado
Que um menino imundo.
Quero não ser este ser
Desumanizado...



Do avesso

Já fomos guerreiros,
Agora somos guerreados...
Culpados pelo abandono,
Pelo clima, pelos crimes,
Por termos tal passado...
Já fomos guerreiros,
Agora somos acovardados,
Talvez pelas dores do corpo,
Talvez pelo peso na consciência
Ou pela alma distorcida ao fato.
Mas somos a vida que dermos
À geração mais nova,
Sem culpa por nosso passado,
Por sem passado!
Portadores de sonhos
Que nos fizeram ultrapassados
Nesses passos dados...





Tentando se esconder da vida

Há uma tristeza febril
Nos olhos das prostitutas
E dos tocadores noturnos...
Nesses bares que a TV não filma,
Núcleos de ébrios profissionais,
Há este olhar mortiço de sono
Vencido nos frequentadores usuais...
Meu amigo recrimina meu silêncio,
Talvez fora do meu ambiente,
Mas ainda é cedo para curtir brigas,
Que são inevitáveis ao descontrole...
A velha tevê na parede mostra
Jogos reprisados, eles vibram de novo,
A cada jogada repetida, eu silencio...
Há um incompreensível fervor
Nos olhares perdidos da realidade,
Assumidos perdedores jogam sinuca
Sem se incomodarem com os horários
De suas casas, mesas postas esfriadas,
Familiares desesperançados de atenção,
Seus desfeitos se escondem da vida
Vencidos pela desrazão...
Processo de desaprendizagem

O processo de aprendizagem
É cansativo...
Levamos anos
Para aprender a andar...
A correr e a falar,
A comer de saciar à vontade...
Tão pouco,
Levamos outros anos
Para desaprender tudo isso,
E, por respeito fazer de conta
Que não esquecemos
O aprendido...










O sol alumiado

Já alumia a janela,
Pondo-se lindamente sob nuvens...
Sei que é um horizonte perdido
Entre as dores do mundo...
Mas é o momento em que
O pensamento se volta
Ao lúdico...
Posso formar abstratos sobre tudo,
O sol alumia o relógio na parede,
É sua última claridade,
Antes de escurecer-se em noite...
Sinto que é assim conosco, mas
É mais demorado nosso ser posto,
A um céu que se expõe
Sofremos menos o torpor
Desse momento quando
Nos distanciamos das verdades
E sonhamos que não é tão tarde,
Embora o escuro nos esfumasse
Um pouco...
sergiodonadio



Se alguém morrer de amores
Enterrem-se o em louvores...
Falo por mim, sem saber
Se empunharás teu sabre

Aos procuradores de culpas
Às perguntas de apressados
Que de mim não se ocupem,
Apenas de seus passados...

Se alguém morrer de dores
Procuremos só consola-lo,
Que tempo cobrirá de flores.

O que a tempo bem sabes
É que os velhos e doutores
Ouvirão aqui seus chiados.







Da vez que um menino chora
Ou sente dor ou é desamado,
A culpa será dividida agora
Entre receios e acamados...

Este menino, dolorosamente,
Sente-se abandonado entre
Formas vis em que foi criado
Pelo abandono desforçado

Se o vês assim desconsolado
Procura sua finda mocidade
O que em ternura foi negado

Que ocasião mostrará adiante
Este menino não teve alento,
Pulou a rica fase de infante





Colcha de floradas

No chão trincado
Pela seca do deserto
A floração miúda destaca-se
Em colcha desenhada...








Nova geração

Quando a análise lógica
Torna-se análise psicológica...
        Mario Quintana



O sol alumiado

Já alumia a janela,
Pondo-se lindamente sob nuvens...
Sei que é um horizonte perdido
Entre as dores do mundo...
Mas é o momento em que
O pensamento se volta
Ao lúdico...
Posso formar abstratos sobre tudo,
O sol alumia o relógio na parede,
É sua última claridade,
Antes de escurecer-se em noite...
Sinto que é assim conosco, mas
É mais demorado nosso ser posto,
A um céu que se expõe
Sofremos menos o torpor
Desse momento quando
Nos distanciamos das verdades
E sonhamos que não é tão tarde,
Embora o escuro nos esfumasse
Um pouco...
sergiodonadio

terça-feira, 13 de agosto de 2019








   Janelas


    



                                                      Poemas












O que as pessoas não sabem
É que o ser Poeta
Pode sentir o aroma das pedras...















6 de agosto de 2019

Vou datar,
De agora em diante,
Minhas palavras de gaveta
Para saber quando e porque
As disse de mente e olhos abertos
Sobre situações de perigo...
Vou escrevinha-las em páginas
Limpas
E guarda-las nessa memória viva
Cerrada às investidas das traças...
Assim, se queimar um HD,
Não as perca na pobreza deste meio,
CPU, entre coisas que não entendo,
Está essa situação de medo
Frente à máquina mesquinha
Que desdenha de minha chateação
Por perdidos violáveis ritos...
Agora vou engaveta-los nessa nuvem
De meus guardados poeirentos,
Úteis ou inúteis palavras ao vento
Ido dos tempos, imaturos?
Inerentes.
Janelas

Atenção
Para as janelas abertas,
Podem ser venezianas,
Grades, vitrôs...
Ou cadernos abertos
Em páginas descritas
Breves...
Faz-se preciso abri-las
Para sorver a fresca
Do ar lá de fora
E amainar sentimentos
De culpa por fecha-las
Ao tempo ontem...









Fraquezas

Talvez o tempo esmoreça
Ao perceber que não me pode...
Dois teimosos a duelar,
Uma quebra de braços?
De pernas talvez...
Mas nos olhamos desconfiados
Faz tempo...
Nos miramos como atiradores,
Nos flertamos como enamorados...
Talvez eu esmoreça ao tempo,
Cansado, extenuado,
Ou apenas desistido de lutar
Com braços frouxos de forçados...
Talvez o tempo não ceda,
Ou sou eu o fraco?







Truques

Eu tenho truques escondidos
Para vencer indecisões...
Como o que somar aos erros,
O que plantar na sombra
Das árvores pioneiras...
Eu tenho truques, sabe,
Para sobreviver às guerras
Que perdi em tempos idos...
Mas agora vencedor
Desses vencidos
Escondo truques
Deixados sorver minha calma
De vivido...









Andar em círculos

Descubro,
A duras penas,
Que andar em círculo
Nos leva ao mesmo lugar,
 O lugar nenhum...
Mas nos ensina ver
As pequenas saliências
Desse lugar,
Como flores diminutas,
Crianças escolares,
Flores esquecidas,
Crianças pedintes,
E a fome delas duas
Em círculo...








Adolescências

Talvez os meninos
Estejam depenando
Mais cedo,
Como os pardaizinhos
Estão empenando
Mais cedo...
















Meu jardim de letras

Semeio aqui e ali
Minhas letras cifradas,
Como alguém semeia
Salsinhas e cebolinhas
E espera colhe-los adiante...
Assim somos, semeadores,
Alguns, de boas ervas,
Outros, de ervas daninhas,
Assim como os letrados fazem
Com suas raivas e parições...
Então, procuro me distanciar
Dos males engendrados
E me ater aos bons pensares
Adiante com meu cajado
Fazendo deste chão pedregoso
o guardo da terra seca de propósitos,
Talvez inda colha algum fruto doce
Nesse meu jardim de letras
Regado a suores noturnos
Na empírica esperança, factual,
Da absorção do gozo.
Sergiodonadio
O clima de amanhã

Qual a importância
De se saber o clima de amanhã,
Se hoje a guerra
Exporta cadáveres?!
Os tiros ressoam bem perto
Agora,
Será Napoleão, ainda,
Expulsando D. João para além mar?
Ou Hitler se safando no dia D?
Será uma guerra nova
Essa em pleno século novo?!
Pense nos romanos
E suas conquistas, nos etruscos...
Pode crescer essa raça
Assim tão belicosa, desde Cain...
Até hoje?!






Olhar espelhado

Olha no espelho
À procura de si no outro,
Refletido comparsa de seus atos...
O espelho é um mentiroso,
Pensa,
Reflete a pessoa que não sou,
Fria,
Absolutamente fria!
Torna o olhar, surpreso,
Se descomposta ao ver-se assim,
Meio cansado, meio fodido
Pela pele solta
Sobre o cílio...









Oras!

Deixei o cavalo pastando,
Indo à feira,
Um desatilado
Propõe-se compra-lo.
Tenho isso como insulto!
O cavalo é meu parceiro,
E,
Em toda parceria
Não se põe preço,
Oras!














Basta que se tenha vivido
Um pouco
Para não estar completamente
Morto...








A pior notícia do dia
É acabar
Sem nenhuma alegria...









Essas latinhas vazias,
Recicladas,
Não lhe parecem prova
Da reencarnação?








Existem inúmeros cursos
De relações públicas.
Não deveria haver um
De relações íntimas?






Do outro lado

Do outro lado
As causas são minimizadas,
Fatos estarrecedores
Tornam-se normais...
Ações descabidas
Passam a caber na ideia
Sem fim dessa eternidade...
Enfim,
O canto sonoro dessa paz
Faz-se esquecida dos antes,
Preocupado com o depois
De suada lida...










Esperador

Num mais de um ano
Passados em desesperança
A esperança mereja
Gotas de utopia...
Pode seja o dia dessa enfim
Trazido ao ano presente,
Ao desalentado esperador
De futuros, mesmo em suas
Derrotas costumeiras, mas
De otimismo feito presente,
E se compraz em ver sorrir
Um choroso sofredor
De sempre... 










Pacientemente

Um tempo
Pacientemente guardado
Entre quatro pensares
Invoca a autoridade
Que realmente tem sobre
Nossos risos e nossas dores,
E usufrui dessa liberalidade
Saber os quantos e os porquês
De nossas relações,
Ora contaminosas, ora sadias,
Traz dos longes passados
Essa nostalgia...
É de se querer bem,
Mesmo nas maldades,
Quando quebra pernas de aranhas,
Cega pardais para satisfazer-se
Por não poder fazer o mesmo
Em nós, humanos,
Derrotados por suas vontades,
Defensores de nossas asas e olhares
Penando ao não ver a verdade
De não podermos voar...
Incondicionalmente

Todos os corpos fodem,
À flor da terra fedem...
Os que comem grama, menos,
Os que comem gordura, mais,
Muito mais...
Por isso lacrados em caixões,
Soterrados a sete palmos,
Cobertos de flores para disfarçar
O odor da pele se desgrudando
Das carnes que recobriam ossos,
Última porção de restos
Comprobatórios do que nos foi
Vivido...











A poesia é um método
Para controverter
As leis impuras do poder...









A realidade não interessa
Se a irrealidade é uma festa...








O dia dos tolos

Por que não?
Se temos o dia dos sábios,
Esses que se enamoram
Por paixão desenfreada
Por pessoas ricas...
Podemos ter o dia dos tolos,
Esses que se enamoram
Por pessoas feias, pois,
Para quem está amando
O feio não existe, nem resiste
À pertinência da cegueira
Amolante que se frisa
Em amorosa brisa...









Veladamente

Esta noite encontrei
Um velho amigo velho,
Construtor de túmulos,
Agora aposentado, amante
Dos mármores desenhados
Nessas campas sem passado.
Na reunião de família e amigos
Animou a conversa
Com um assunto funerário,
Dissertando sobre seu tempo
De cemitério e as peculiaridades
De seus clientes,
Principalmente dos orientais,
Com seu costume de trazer
Comida para agradar os mortos,
Como ocidentais trazem flores
E religiosos trazem velas acesas...
O velho amigo velho discorreu
Sobre apetitosos pratos
Que lhe eram oferecidos
Após as cerimonias... Detalhe,
Numa festa de aniversário!  
Animais noturnos

Animais noturnos
Somos todos...
A partir de certa idade,
Ou por perturbação da tarde.
Às altas horas ouço a coruja
Reclamando no esporão
Sua sempre atenta indignação!
O pica-pau aquietou-se
No teto externo do chalé...
Os tucanos se aninharam,
A águia pousa no alto galho seco
A espreita dos filhotes
No pombal dos ninhos,
Mães aflitas essas
Que se aninham sobre eles
Numa proteção quase impossível,
A águia tem fome ainda,
E entre animais noturnos
O cão açoita o gato,
O rato foge e eu não durmo...


Teia

Flertando com a aranha
Enteando um inseto menor,
Que desconhece o que seja,
Apenas vítima indefesa...







Relacionamentos

Nada tão fácil, hoje em dia,
Do que assassinar uma mulher,
Os vizinhos entendem que
É assim mesmo o relacionamento...







Vivem a temer o futuro
Mas é o passado
Que atropela os planos...









Quando você se propõe
A dar caminho a um moço,
Pode estar lhe mostrando
Seu próprio caminhar frouxo...








Como livrar-nos
Desses filmes novos
Em que o artista
Principal é um carro?








Impressiona que o macaco
Tenha sido nosso passado?
Assusta o pressentimento
Que seja nosso futuro!








O que estraga a viagem aérea
É a rapidez de chegar,
Tirando o tempo de apreciar
A paisagem bucólica de vida...








O mundo está cheio de loucos,
O perigo é quando um deles
Alcança o poder presidencial...
 CDA






A imortalidade

É uma realidade imprescindível:
O corpo se desvai com o tempo,
Aos poucos perde a vida de antes,
Aos poucos cede às dores
Seu desobjetivo forçado
E se vai...
A alma não é um sonho,
É a realidade de viver-se o agora!
Se você está com fome agora,
Se está com vontade de alguém, agora...
Aquela senhora inacessível...
A alma é abstrata, o  corpo é substrato,
Que sofre as dores da carne,
Com a amputação dos membros,
A alma pode até sentir pena de ti,
Que manca enquanto ela se altiva.






Realidade bruta

Quando cheguei
Àquele fim de mundo,
Lá encontrei um ex-gerente
Desdentado a murros, e,
Disseram que eu seria o próximo.
- Quem fez isso?
Perguntei aos rapazes.
- O Valdemar, bebe e se diverte
Esmurrando pessoas...
Como eu tinha investido tudo
Naquele empreendimento
Tomei coragem e fui cobrar dele,
Que se me desse um soco
Levaria um tiro.
Para mim foi assustador o momento,
Para ele foi normal, disse que
Não era verdade, que não era aquilo...
Convivemos por dois longos anos
Em paz.



Turras

Se existem anjos,
Que cuidem das crianças
E dos idosos,
Uns por não conhecerem o perigo,
Outros porque esqueceram...
Perigo de se viver em meio
A adolescentes e imaturos maduros,
Seres obscuros em sua veleidade
De serem turros...













Antes que tarde

Estamos ficando velhos,
Companheiros,
Melhor fazer as pazes
Com alguns desafetos
Costumeiros...
Se vozes me xingam, relevo,
Se às vezes te ofendo, releve,
Relevemos atos impensados
Esvaziemos nossas mágoas
Em espelhos...
Somos tão diferentemente iguais
Que não acordamos
Com opiniões alheias,
Mesmo iguais...








Sorriso triste

Em meio à guerra dos adultos
A menina sorri tristemente
Por não saber como interferir
Nessa loucura convivente...
Com a ferocidade manifesta
A foto retrata a agonia
De velhos combatentes
D’outras guerras infindas...
O pano de fundo incendeia-se
Ao torpor de velhos cansados
E senhoras em desespero
À paz que não se aprende...
São séculos de covardias
De povos trucidando povos,
De gente exterminando gente,
Mas a menina sorri a pedido
Do fotógrafo acostumado
À ferocidade dissimulada
Numa roupagem recente...



Desumanizado

Sem pretensão de ser,
Mais do que me foi designado ser,
Tento lutar minha luta
Para manter este esqueleto coberto,
Então, certo ou incerto, viajo...
Em cada suspiro sinto o prazer,
Imerecido ou não, de ter vencido
Sem perder o conseguido
Neste suor que me move,
Assim como me comove
Ver nos arredores gente
Querendo-se gente
Abanando sorrisos aos aplausos...
Cenas que me dizem um pouco
Nesta fase de desconsertos
Em que vale mais um cão lavado
Que um menino imundo.
Quero não ser este ser
Desumanizado...



Do avesso

Já fomos guerreiros,
Agora somos guerreados...
Culpados pelo abandono,
Pelo clima, pelos crimes,
Por termos tal passado...
Já fomos guerreiros,
Agora somos acovardados,
Talvez pelas dores do corpo,
Talvez pelo peso na consciência
Ou pela alma distorcida ao fato.
Mas somos a vida que dermos
À geração mais nova,
Sem culpa por nosso passado,
Por sem passado!
Portadores de sonhos
Que nos fizeram ultrapassados
Nesses passos dados...





Tentando se esconder da vida

Há uma tristeza febril
Nos olhos das prostitutas
E dos tocadores noturnos...
Nesses bares que a TV não filma,
Núcleos de ébrios profissionais,
Há este olhar mortiço de sono
Vencido nos frequentadores usuais...
Meu amigo recrimina meu silêncio,
Talvez fora do meu ambiente,
Mas ainda é cedo para curtir brigas,
Que são inevitáveis ao descontrole...
A velha tevê na parede mostra
Jogos reprisados, eles vibram de novo,
A cada jogada repetida, eu silencio...
Há um incompreensível fervor
Nos olhares perdidos da realidade,
Assumidos perdedores jogam sinuca
Sem se incomodarem com os horários
De suas casas, mesas postas esfriadas,
Familiares desesperançados de atenção,
Seus desfeitos se escondem da vida
Vencidos pela desrazão...
Processo de desaprendizagem

O processo de aprendizagem
É cansativo...
Levamos anos
Para aprender a andar...
A correr e a falar,
A comer de saciar à vontade...
Tão pouco,
Levamos outros anos
Para desaprender tudo isso,
E, por respeito fazer de conta
Que não esquecemos
O aprendido...










O sol alumiado

Já alumia a janela,
Pondo-se lindamente sob nuvens...
Sei que é um horizonte perdido
Entre as dores do mundo...
Mas é o momento em que
O pensamento se volta
Ao lúdico...
Posso formar abstratos sobre tudo,
O sol alumia o relógio na parede,
É sua última claridade,
Antes de escurecer-se em noite.
Sinto que é assim conosco,
Mas é mais demorado nosso ser posto,
A um céu que se expõe
Sofremos menos o torpor
Desse momento quando
Nos distanciamos das verdades
E sonhamos que não é tão tarde,
Embora o escuro nos esfumasse...