domingo, 30 de novembro de 2014



                  Almejos
Não almejo ver Deus, pois
Que abstrato, de meu olhar
Ignaro das porções ambíguas,
Concreto tato.

Mas almejo senti-lo
No êxtase do enfermo,
No que mais se aproxima
Dele, no momento aflito,

No calor da terra que piso,
Quando se mostra mais amigo.
Não o temo no ato contrito,
Mas o respeito de fato nisso.

Não almejo Deus no paraíso,
Mas no torrão ressequido
De corações partidos, perdidos
Entre o podre e o probo;

No estio das criancinhas,
No desespero da mãe,
No desconsolo do pai,
Aí peço à mão em que creio,

Que, forte, levanta-me fraco.
Que faz o cabisbaixo arrepanhar
Os olhos para aflições outras,
E põe a todos no mesmo colo.

sábado, 29 de novembro de 2014



Do livro Calendário

Tratado sobre a cegueira   (3/10/1980)
Parte 1

(À luz do sol)


A noite,
À procura dos gestos,
Apalpa frontes em silêncio;
Ah... Aqui já somam olhares
Entre vidros e cartazes, e, uma
Voz anunciando as formas
De onde poderia erguer-se e
Alcançar o sol

No silêncio
Eleva-se uma parede
(imaginária)
E cerca a vontade de ir
Adiante.

À sensibilidade dos dedos
Toca objetos e faces,
Construindo o belo,
A doçura do belo!







Parte 2

(à luz da lua)


À procura dos gestos
O susto
De encontrar alguém
Adormecido, e, acordá-lo,
(Que pode ser o homem ou
O cão em guarda)

A espera de tocar um
Muro inconstruido e
Ouvir sussurros dos
Retratos, e, enfim,
Encontrar as ondas
No marulhar das águas
Tão longe do mar...
No silêncio

A procura do gesto
Amigo de tocar
O céu límpido que,
Enfim, pôde encontrar.







Parte 3


(À luz da verdade)


À procura dos gestos
O coração pulsando forte,
Agora,
Explora novas considerações,
O mar é promessa de brisa...
O silêncio eterniza
O gesto que simboliza
A vitória da persistência.

Está tudo aqui ...
O sol, a lua, o dia intocado.
Apenas um sussurro mostra
O outro lado,
As formas de sombras e
O respirar da alma
Nos distantes retratos
Do dia antes
De chegar.


Sergiodonadio.blogspot.com

sexta-feira, 28 de novembro de 2014



No dia azul
De uma tarde
Em branco
Passeio os olhos
Pelas páginas


Vazias...


E me encanto,
Quanta alegria
Pode haver
No silêncio
E seu canto.












Visto da beleza


O que trouxeste na algibeira
Macerá o hoje em gestação.
Cuidado com cada passo
Nessa lama de gestos fúteis.

O que tugires ao ouvido mouco
Daqui a pouco será passado.
Tudo que fizeres fará eco
Entre o dito e o feito ato.

Nos silêncios do agora
Os silêncios da memória
Num futuro frágil, trêmulo,

Mal e mal engendrado
Tua última proeza,
Visto da beleza.












No fundo


No fundo do fundo do mar
Não tem pilares de sonhos,
Não tem argônio ou azoto,
Não tem fumaça ou moeda.

No fundo do fundo do mar
Não tem ilusão de estrada,
Não tem senhor de escravo,
Não tem eleito ou eleitorado.

Não tem paixão e abandono,
Remorso, estupro, suicídio.
No fundo do fundo o fundo

Não tem homem ou formiga
Não tem raiva ou intriga.
A vida se harmoniza














Lição de economia


A solução
Na vida é
Não guardar
Restos.

Guardar
Sobras.



A grande descoberta
É que a vida não nasce no parimento,
A vida vive de fazer nascimentos...

quinta-feira, 27 de novembro de 2014



A teoria do nada
Homenagem a Drumonnd

Carlos
E agora, Carlos,
A festa não acaba,
A margem continua
Além da margem,
O cio do tempo
Fabricando rebentos,
A ideia fértil,
Que é básica?
E agora, Carlos?

Carlos, e agora?
Está com mulher,
Com discurso e carinho,
Não bebe nem fuma
Mas tem o cachimbo
Que cospe dos lados
O ranço do fumo
Passado no tempo...
Você, que tem nome,
Não zomba, faz versos,
Não protesta, calas?!





E agora, Carlos,
Que o riso já foi
Com tudo mofando
E que nada acaba
Não foge, grita
A fé extirpada!
E agora, Carlos,
Que fazer desse nada,
Se nada findou?

Carlos, e agora?
Sua palavra amarga,
Com febre e gula
Curtindo o jejum,
Sua lavra sem ouro,
Seu vidro em terno
Na incoerência
De amado sem ódio
sem chave na porta,
Sem porta... Sem nada...
Nesta finda estrada?!





“Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, Carlos!”


Sozinho no escuro
Por só teoria,
Na prática a vida
De paredes nuas
Para não se encostar...
cansado dessa lida
de brita fugaz,
você marcha, Carlos!
Carlos, para onde?


sergiodonadio.blogspot.com