sexta-feira, 31 de maio de 2019

  Copiando o captável

“Comecei a escrever esta página mas tive que parar para responder uma mensagem do Watsapp” Júlio Cesar Rodrigues iniciou assim seu mais recente artigo na RC.“As telas dos celulares ou dos computadores nos tornam frios” argumenta o Felipe Nonis no miolo de seu artigo na mesma edição.
Pois é, estamos no mesmo dilema, concentrar no artigo ou tergiversar sobre... Numa edição passada, há tempos, dissertei sobre o assunto: “Geração botãozinho”, sem querer generalizar expus minha visão sobre a precariedade dessa geração para assuntos relevantes a cada momento, deixando de lado a realidade para aportar na virtualidade. É preciso entender que essa geração exacerbe na frequência com que examina a tela à sua frente, desligando os aconteceres ao redor. Do alto da minha desinteligência (ou seria do baixo) me assustam cenas corriqueiras pelas ruas e ambientes das cidades, onde cada um se perde em sua telinha e não absorve mais o que se passa (o real) ao seu lado.Em época recente o virtual seria irreal, como em início do século passado o irreal seria quimérico, das quimeras a que aludiam os poetas para designar o virtual. A princípio a quimera resenhava o impossível, irrealizável, a utopia, que na mitologia grega era um monstro, mistura de cabra, leão e dragão. Até hoje o “bicho de sete cabeças”, que na quimera atual veste-se bem no monstro informática e invade a (in)consciência coletiva. Não se fala mais a língua pátria, mundo afora, se fala em “informatiquez”, uma linguagem q corta vogais e vc se perde nas consoantes vazias, sem nexo para o analfabeto em abreviações. Mas, para vingar esse corte, existe o outro monstro, o “enche linguiça” das articulações jurídicas, onde um documento se estende por tantas laudas que perde o fio da meada, nos meandros. Enfim, é a lógica às avessas de: se puder complicar, por que simplificar?
            Num texto de 1970, um lapso de tempo, o articulista escreve: ”agora que se apagam os fogos e as armas são ensarilhadas, pode-se fazer o balanço da carnificina chamada vestibular. As famílias onde crepitaram fogueiras durante meses, estão exaustas, pelos vitoriosos e pelos fracassados. Nada mais requintado em maquiavelismo do que a queima das provas, para evitar protestos. É a supressão do habeas corpus na meritocracia, e os examinadores declarados infalíveis”... E por aí vai, por mais duas páginas, discorrendo nessa linguagem o tempo das quimeras, na historia que não muda,           O que acontece, e aconteceu em todos os tempos, é um duelo. Nesse mundo tecnológico as armas são mais sofisticadas, não se esgrima mais com simples espadas ou se enfrenta com cartucheiras. O não acesso à computação é uma sentença de morte sociológica, que degrada e degreda o “mais fraco”. A antes luta corporal, agora é puramente mental, e o despreparado tende a ser vitimado pela massacrante máquina de cursos paralelos, e caros, elitizando as oportunidades, aí contida a computação ao nível de competir com outros profissionais. Olhando com uma lente mais apurada veremos que, mesmo para os vitoriosos, (como em qualquer guerra) o campo de batalha é um massacre.
            O que a modernidade explica que já não estava no DNA da vida? Desde os tempos dos gladiadores os fortes ganham as batalhas, mesmo perdendo a razão. Então continua tudo as mesmices de antes, apenas as armas se modernizaram, mas não a pessoa.

Desfazimentos

Trancado
entre essas paredes
invisíveis
procuro minha liberdade
travando a língua
entre acontecidos
e por aconteceres...
amanhã veremos
se o ontem tinha razão
de desfazer-se em
noite...










Inspirações

Um sapato que colhi
Semeando meias...
Uma frase que perdi
Espalhando teias...








A espera pela esperança
É muito cansativa...
É promessa de mais vida
Onde nem se tem vida...







As pessoas
Não vêm de graça,
Apenas sacam
Alguma graça...









O canto
Que cantar não possa
Traz
Uma nova proposta...




Até que a vida nos separe.

Devemos lealdade
A todos com que convivemos.
Aos professores do primário,
Do secundário, do terciário...
Aos cães criados conluiados.
Somos devedores de lealdade
Aos coletores do lixo das ruas,
Aos cuidadores de nossas almas,
Aos perdedores de nosso tempo
Aos que nem bem conhecemos,
Com os quais cruzamos nas ruas...
Devemos lealdade ao botequeiro
Quanto ao prefeito e seu gabinete,
Ou ao médico de nossas dores...
Devemos lealdade
Ao princípio de nós mesmos,
Mentindo ou omitindo lavores...
Somos devedores e credores
Da lealdade aos nossos erros
Pois conviveremos com eles
Até que a vida nos separe.
Homem lendo jornal

Um homem lê o jornal
Enquanto a vida lhe passa...
O assassino foge,
O político se promete,
A prostituta esvai-se...
Enquanto outro lhe rouba
O homem lê o jornal...
A temperatura ameniza
O dia em que se faz o sol...
Enquanto o homem lê.
Enquanto a guerra explode
Corações e mentes
E o tempo se sacode
Entre relentos...
O homem lê.






Aos que se miram

O mundo
Não sabe esperar.
Ninguém nesse mundo
Sabe esperar?
A pressa dos carteiros
Enerva os cães de guarda
E os vagabundos...
O mundo é uma correria
De fazer dó aos que se miram
Neste espelho imundo
Das calçadas...
Por que todos
Com tanta pressa?
Para aonde pensam que vão?
A um velório? A uma festa?
Talvez apenas
Defender o pão.




TROPEÇOS

O que tem pressa
Tropeça nas palavras...
O que tem fome
Engole com vontade
As carnes duras...
O que sonha viagens
Se estrutura...
O que desiste da viagem
Se atura...
O que mal se programa
Se decepciona...
O que nada espera
Se alegra.
São as pedras
do caminho
Ou o tempo é mesmo
Esse susto
Em descaminho?



Dúvida

Se gosta do frio
Por que acende
A lareira?








As quantas andam
A percepção e vigia
Das frases mal ditas?







Sob olhares

Sob o olhar conivente
Dos que passam
Sei-me seguido
E seguidor de passos...
Não fora assim
Como dizer a história
Que nos fez?
Somos os mesmos,
Troglodíticos,
A procura de ser originais,
Cópias dos que vieram antes,
Os mesmos nossos ais...
Sob o olhar conveniente
Dos que passam
Vendo as janelas abertas
Com que espiamos o mundo,
Sabem que nossa visão turva
Vislumbra o mesmo sol
Pondo-se há milênios,
A pensar que o sol de hoje
É sempre o mesmo...


Sob o olhar conivente
Dos que ficam,
Assuntam sobre greves,
Mortes, nascimentos,
Tombos que se repetem
Em cada dos rebentos...
E querer o novo,
Incontrovertido,
Em cada pensamento!
Serei, no entanto,
Copiado amanhã,
Copiando o ontem,
Que a cada manhã
Pode seja sem futuro
Desde este momento,
Mas, seguramente,
Tendo um passado
Presente.

segunda-feira, 20 de maio de 2019





Mas o sonho feito realidade
Implora seu espaço
Nesta tarde refeita de barulhos
Do sonho que faça sonhador
De forma extrata e forte
Que a sorte que te espera,
Infelizmente, é a própria morte
De suas vontades,
Antes que seja tarde tua revolta,
Volta ao sonho que te reparte
Em tantas partes
E faça-se a vontade daquela idade,
Sem juízo, mas com tanta força
Que agora te parece imprecisa
No abandono à dor que guia os passos
Em volta do mesmo jogo do passado
Em tua forma extinta.




Um canto
Feito de misericórdias
Pousou ao lado da cabeceira
Ofertando rosas...
     





Penso que devemos merecer
Consideração dos desconsiderados,
Esses que esmolam o pão vencido
E a mão estendida em palma...





Babel

As pessoas não se entendem
Pela diversidade de idiomas?
Mas, dentro da mesma sala
Pessoas se desentendem...
Mesma língua... Afiada...
Memórias desvalidadas,
Posições sectárias...
A ordem das preferencias
Das necessidades básicas...
Um emaranhado desfiado
De fiações descascadas...
Essa torre de babel
É apenas adversidade
De ideias na língua abusada...
Às vezes a desigualdade
É o que se pensa igual!
Fatos irrefutáveis


A mão aos ventos altos...

Se abrires a mão ao vento
Perderá o que guardava nela.
Se jogares o sal ao mar
O sal voltará às suas origens.

Assim é a ordem das coisas,
Fatos irrefutáveis da vida...
Se fechares a mente ao novo
Sepultarás o sabido antes...

Assim é a ordem irrefutável
Das coisas nos fatos da vida.
Se deres vazão aos sonhos

Eles se tornarão realidade,
Palpáveis ao gesto largo
Da mão aos ventos altos...
     sergiodonadio



Descobri, há tempos,
Que o tempo anoitece
Sem me dar atentos...








É possível enxugar gelo?
Como Manoel de Barros conta
Do menino que carregava
Água na peneira... É possível.




Letreando

Quando a frase arremata
Bote ali umas reticências:
Acaba mas não termina...
E ela vira verso de poesia,

Igual o dia quando finda
Na espera desse novo dia...
O até logo ainda promete
A volta de quem não vinha

Abençoando a ideia fixa
De ser capaz se letreasse
Entre o choro e a euforia

Até a manhã que vindoura
O dia inda é o dia, estoura
Forrado dessas alegrias...


Amizades

É no escuro que
Minha sombra me abandona.
Onde estará neste momento,
Sombreando outros?







A beleza do mundo
É contemplar o tempo
Delineado os escuros
Nos claros obscuros...




Ind’hoje

Ind’hoje ruem charretes
Pela mente desocupada
Entre as valas da limeira
E a sede de triste Rosário,
Uma fileira de fatos ralos
Deixados à memória rasa.
Ind’hoje fixam lembranças
Enquanto na vida passam
Sonhos de desesperanças
Viradas pesadas derrotas
Por essa azáfama levada.
Ind’hoje cursam passadas
Das paridas maniveladas
Nas frias manhãs nevadas
Entre dedos maranhados
E fôlegos desencontrados,
Nas friagens madrugadas
Ind’hoje a dor se acorda
Ao medo das refilhadas...
Consumido

Em tempo ido
Passei por ingênuo
Julgando amorosamente
Cada sentido...
À flor do momento me neguei,
Sofrido por perdido força,
Talvez não tendo sentido
O mesmo que dissera,
Em certa altura do termo
Voltou-se contra o que havia
De possuído...
Quem sabe a noção do tempo
Seja o tempo ido
Na mesma proporção
Do tempo desinfluído...






Escrever, às vezes,
É falar sobre o que
Gostaria de esquecer...






Quando se juntam almas


Descobre-se que ninguém 
Cabe inteiro em outra,
É preciso ceder pedaços,
Do sorriso à lágrima...




Picadas

Eu, que domei as feras
Nascidas com o crescer
Sei vontades deixadas
Apodrecer entre larvas...

Eu, que furtei vontades
Das idades a conceber
Não sei se as apaguei
Ou se eu é que cansei...

Vivo a domar os erros
Entre acertos definidos
Ao senso amadurecido

As víboras amansaram
Meu querer e desquerer
Sem que as visse nisso...






Do quase quando
Até o quase nunca
Existe um vazio imenso...
Quase sempre.






O tempo passa,


E por passar me leva
De menino a crescido
De crescido a velho
Nessa mesma leva...




O silêncio das estátuas

O silêncio das estátuas
Atenua o das pessoas indecisas...
Seu sorriso de pedra,
Seus gestos desarticulados,
Cada momento que passa flui
Uma nova contenção de lava...
O silêncio dos indecisos
Copia o semblante das estátuas...
Suas lágrimas petrificadas
Encimam faces dormidas...
O silêncio das pessoas estátuas
É o fim de suas vidas...









Minerário

Até quando
Tremerão os cristais
Ao rombo das pedras
Soltas?
É uma noite de sustos
E arrebates...
Até quando
Surgirão novas trincas
Nas carcomidas
Paredes rotas?
Até quando
Pessoas terão de fugir
Ao colapso dos taludes
Nos rincões de Minas?
Desmoronam hoje
A fé e a esperança
Junto com barreiras
De terra e mentes,
Soltas...
sergiodonadio

sábado, 11 de maio de 2019





A vida
Sobre o que se fez
E o que se faz
flui entre o que fica
E o que se vai.









Dá-se o ar da graça
Mesmo que não tenha graça
A situação de desgraça...






O cão é o melhor amigo?
Então, por que encoleirado
Nessa amarra curta?




Cachoeira

Desce rio abaixo
Sobre pedregulhos soltos
E vaza...
Que belo exemplo,
Não teimar subir montanhas
Mas
Seguir sua natureza,
Descer para conquistar
A liberdade
Do sonho...

sergiodonadio




Em frestas

Quando engatinhei
Já pensava ter conquistado
O mundo...
Quando se me abriu a porta
Assustei-me com o tamanho
Do mundo...
Quando decifrei as letras
Desse livro aberto,
Abismou-me
A dimensão do mundo,
Arriado às portas abertas...
Continuo procurando
Há sete décadas conhecer
Parte desse mundo
Enfrestado...



Descobri, há tempos,
Que o tempo anoitece
Sem me dar atentos...













Vivências

Todos vivemos
As mesmas agruras?
Alguns se fecham
Em redomas protetoras,
Outros se expõem
Abertamente...
Somos iguais,
Sendo diferentes.
Dormimos nossas aflições
Com nossas esperanças,
Sonhamos nossas condições
Em nossa realidade...
Mas somos!
O que nos faz iguais...




A resposta
De um tempo vivido?
O que ficou para trás,
Sonhado... Esquecido?
O que virá pela frente,
Arado? Decernido?
Quem sabe, aqui
Possamos ser reais,
Sendo gente,
E ter sentido...






No colo de tuas mãos

Passei meses
Olhando teu rosto,
Talvez uma expressão, de peso?
Não sei se seria a dor do parto,
Ou da partida...
Sei que me olhavas enternecida,
Complacente com minha fragilidade
Mas, com o amor estampado
Num semblante esgotado,
Eu era seu décimo parto!
Poderia ser isso aquele olhar
Sonolento de cansaço...
No colo de tuas mãos
Vivi quantos tempos?
Meses? Séculos? Momentos...



Não sei se me desprendi do colo,
Quando foste de nossa lida...
Sei que fazes falta no meu entardecer
Agora... Olhar cansado, pés exaustos,
Coluna alquebrada pelos fatos,
Querendo ind’hoje o colo de tuas mãos
Consolo às aflições desse alvoroço
Que é ter de voar sozinho,
Sem saber como, nem caminho...
Parecia fácil olhar adultos
Expressando maturidade vencida
À primeira mulher de nossa vida,
Atribuladamente sucedida.
No colo de tuas mãos
Tenho guarida!
sergiodonadio

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Da percepção das fragilidades

Sei que não sou o mesmo
De há trinta anos...
Ou talvez cinquenta!
Mas
ainda posso escrever poemas
descrevendo isso
das venturas e aventuras
de uma vida...
a minha vida!
Agora posso sorrir aos netos,
Penar por eles
Como antes pelos filhos...
Sei que não sou o mesmo
Mas
Ao mesmo tempo o sendo...
Com meus sonhos acalentados
De uma vez vividos...
Curtindo minhas angústias
De ter feito no passado
Os erros não concebidos...
Agora, mais fragilizado,
Sustentado
Por essa coleção de comprimidos
E pelo pejo de ser visto idoso
Nas filas dos supermercados
E bancos e museus...
Mas usufruindo disso.
Ainda sou o mesmo nas vontades
De viver-me!
Sei que não sou o mesmo
Mesmo o sendo...
Vivo com menos dúvidas
E menos certezas...
Apenas me sei
Um senhor cansado
E tudo que tento
Afeta as costas, a mente,
O equilíbrio de estar em pé,
Mesmo sentado.
Nisso, bem trabalhado,
Está a vida,
Mas o corpo todo sofre
A ação das investidas do tempo
Em minhas entranhas.
Retenho sentimentos
Mas não retenho as vontades
Orgânicas de meus órgãos,
Talvez revoltados
Pela subserviência de anos
A fio...
Sei que não sou o mesmo,
Mas estou aqui,
Respirando esse ar
Cada vez mais irrespirável...
Sentindo saudade ou remorso
Pela presença ou ausência
De certas pessoas
Do meu passado.


sergiodonadio