terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Tiro minhas luvas


Tiro minhas luvas
De pelica.
Sou brusco agora nas idéias,
Exponho minhas mágoas
E meus riscos...
E apanho,
não a gripe dessa chuva,
mas palmadas...

minhas palmas
estão vermelhas,
meus olhos lacrimados,
não do medo,
mas da raiva!
Seremos, enfim, nossos
Próprios
Lategadores.

Tiro minhas luvas
De leveza,
Me torno mal educado, e,
Com certeza malvisto
Na arquibancada dos omissos.
Quem sabe agora
Reconheçamos
Nossos viços.

O jarro antigo


Aquele jarro simples na estante
Espelha tantos passados...
Não é antiguidade comum
Dos fundos dos mares,
Tem o gasto das mãos
De minha avó,
Carregando as águas de beber
E as banhas de fritar...

Carregado das mágoas e
Lembranças,
Memória de um tempo casual
Entre esperança e desânimo,
As palavras cansadas de orar
E as vidas sorvidas.
Antigamente este jarro continha
As lágrimas.
Aprendimentos


Aprendi
Com o passarinho
Que
Ninho
Não é um lar.
É apenas
Um abrigo
Donde
Se aprende voar...


















nostalgia


A palavra,
Às vezes,
Se veste nova,
Bonita,
Em fraque
de festa...

Mas eu gosto
mesmo
E daqueles trapos
Velhos
De escrever
saudades...
Por essas horas


Por essas horas da saudade
Me procuro
Entre os tantos jantares e noitadas,
Uma miríade de cores,
Balões coloridos, velas numeradas
de aniversários adversários...
Tantos...
numa série de passados.

Por essas horas esquecidas
Me encontro
Entre os tombos e barrancos e
Uma miríade de cores
Descoloridos balões e velas...
Velas amigas, aniversárias
De uma cantiga
Tão antiga quanto.










insônias


O escuro de dentro
continua
escuro
Quando o escuro
de fora
clareia ao dia.
É a noite
que está correndo,
Com medo dessa
Escuridão
Vazia.
varais


Eu vejo nos varais
Esses panos brancos.
Nunca os vira antes
Como bandeiras.

Agora reconheço
Sua voz de arenas,
Libertando as falas
Dessas lavadeiras...

Esses panos brancos...
Esses panos enfileirados
São soldados vivos!

São passados brancos
De um passado lívido
De sofridos atos.
Quanto baste


Não basta
Que toquem a musica fúnebre,
É preciso que haja o morto
Estendido, atestado, autopsiado,
Para que se convençam
Os convencionais.

Assim como
O nascimento e seu momento...
E seu momento de provar-se
Nascido, parido, nascituro,
Por completo engulho,
Palmada dada.

Assim será
No casamento, testemunhado
Certificado, promulgado,
E a derrota divorciada
De promessas findas,
Anuladas.
Perigos da ambição

Ainda estaremos aqui
Quando
Se forem os meninos...
O toque dessa flauta
Espanta os ratos
E germina ambições.

Há um perigo enorme
Na presença de homens
De fé cega, (ou nenhuma)
Cuidado com os que
Se fazem grandes
Pelo talento único

De criar fortunas...
De olho na falha de homens
Viajam os meninos
Um enorme susto
Pelas sombras dos intentos:
Uns têm bombas

Outros a palavra,
Ambas armas perigosas.
Cuidado, muito cuidado!
Esse dragão das maldades:
A esperança,
É a última que mata.
Crosta


Em esquálidos corpos
Flutua a náusea,
Na sarjeta escorre
A baba dessa chuva...

Enfim limpo o solo
A água expõe livre
Seu desvalimento
Perene de nadas...

Nada a perscrutar
O de menos pretenso
Nas sarjetas sórdidas,

Um só emolumento:
A forja que molda
A próxima semente.
Acasalados


No passeio esses cães em festa
Ao cio da fêmea assediam...
Ela escolhe. O melhor? O pior?
Este canicho que cobre a cadela
E zarpa, satisfeito pelo feito,
Entre tantos pretendentes...

Reflito:-que geração de órfãos!
Assusto, a cadela abandonada
À sua condição de fértil cio
Lembra o mesmo das meninas
E o assédio da garotada em festa...
Depois o regozijo do macho.

Depois o abandono da prole.
Depois o desconhecido do fato
Em que a vida atropela...
Esses canichos vira latas zarpam,
Fica o dito por não dito, a fêmea
A se procurar mãe de improviso.
Mendicante


Vês este homem que passa?
Estranho, te parece íntimo
Com seus gestos combalidos,
Que não abraças.

Vês este estranho que passa?
Que manca, sofre, e passa
Com sua fome, sua sede,
Na fria carcaça.

Embora te pareça sórdido
É igual à ti nas entranhas,
Nos sonhos, fomes, frio, e,
Nas dores que exalas.

Com aqueles olhos pedintes,
Com os braços largados e
Os pés magoados nas pedras
Alisadas no desafio.

Como este homem te passa
O remorso de o teres visto
Com tua fome e teu frio de
Tê-lo deixado passar
A sala


A sala guarda seus segredos,
Forma, silêncio, a cristaleira,
E sua serventia de copos...
Trilha infinda de lugares,
Altar com seus santos do dia,
Seus guardados inatingíveis.

Seus humores nos cochichos
Do pós guerra, seus silêncios...
Porque tive tantos medos, na
Impertinência de tão menino,
Do olhar do anfitrião ao nublo
Fumo dos charutos e das falas...

Agora sala arejada, pé ante pé
Entro com o medo de menino
E a ânsia dos porquês esquivos,
Me descubro assustado, controlo,
Sou mais velho que tu, à época,
Quando já me parecias velho...

Vejo-o de igual para igual,
Nesse retrato vencido o tempo,
Senhores de nossos gestuais,
Assustando assombrações
Te digo: velho tio, já podes
Enfim, sorrir comigo...
renascimentos


Das sobras do silêncio
Faz-se a cor,
O sol nascente vasculha
As sombras,
Os frumentos rejubilam-se
Ao claro...

Tudo que dormia
Renasce ao primeiro canto,
Que o sono é um pouco morte
Na face pálida,
Que reabre olhos e mentes
E esvoaça.

Assim,
Cada manhã é um pouco
Aquela infância,
Quando uns tantos, dormidos,
Acordam o dia,
Nos retratos.
Levitação


Quando a noite apaga o quarto
É hora de ver,
Onde havia uma cômoda,
Coberta de escovas e perfumes,
O dia lavado...

Chora o extenso fio de memórias,
É o dia, desfiado em silêncios,
Para uma lágrima, um sorriso,
O poder de julgar
O tendo sido.

Altar das rezas profundas, o silêncio
Veste as verdades,
É hora de pedir desculpas
E desculpar o encanto
Dos desencantos...

Quando o quarto apaga a noite
Levito,
Entre lençóis brancos
E a raiva adormecida
Pelo grito.