quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

trajetória


O primeiro olhar, pelo vidro,
Numa distância segura
Pros seus medos...
Depois viemos para casa,
Nos braços da dengosa senhora,
Nossa amada.

Fomos nos acostumando
Um com outro, olhava aqueles
Dedinhos procuradores
Alcançando no ar
Seus primeiros contornos.
Aquele olhar me olhava...

Ficamos assim nos amando,
Nos querendo desmedrar,
Foi articulando as distâncias...
Primeiro os brilhos ao redor,
Depois o berço, o quintal, a rua,
O mundo foi pouco...

Fomos nos acostumando
Um sem o outro, perdendo aqueles
Olhos procuradores pelo ar.
Agora o último olhar, pelo vidro,
Numa distância segura
Pros meus medos...

domingo, 26 de dezembro de 2010

crescimentos


Nós crescemos.
E uma vaidade vã cobriu os males
Descolorados...
Aqui, meu mago, somos responsáveis
Pelo dito das parições adultas...

Crescemos,
E por absoluta transgressão
Somos o vício.
Somos a sobra, o vestígio
Das infantilidades.

Crescemos?
Então, por que nos imbuímos
Das poses nas fotografias,
De suspensórios e
Saudades mitos?
Tiro minhas luvas


Tiro minhas luvas
De pelica.
Sou brusco agora nas idéias,
Exponho minhas mágoas
E meus riscos...
E apanho,
não a gripe dessa chuva,
mas palmadas...

minhas palmas
estão vermelhas,
meus olhos lacrimados,
não do medo,
mas da raiva!
Seremos, enfim, nossos
Próprios
Lategadores.

Tiro minhas luvas
De leveza,
Me torno mal educado, e,
Com certeza malvisto
Na arquibancada dos omissos.
Quem sabe agora
Reconheçamos
Nossos viços.
O jarro antigo


Aquele jarro simples na estante
Espelha tantos passados...
Não é antiguidade comum
Dos fundos dos mares,
Tem o gasto das mãos
De minha avó,
Carregando as águas de beber
E as banhas de fritar...

Carregado das mágoas e
Lembranças,
Memória de um tempo casual
Entre esperança e desânimo,
As palavras cansadas de orar
E as vidas sorvidas.
Antigamente este jarro continha
As lágrimas.
Rosário do Ivaí


A tarde
Já vem moendo
A luz
Quase escurecendo
Os caminhos veredas
Rumo ao rio de águas claras
E pedras escuras
No seu fundo lodoso.

Uma tarde
assim como
Se o fim do mundo,
Mas o fim de semana
voltava
A ensaiar a vida
Entre os dias poeirentos
E uma viola tocando baixo

uma saudade
Batendo fundo
Como se trouxesse
Dos longes
Noticia dela,
Que esperava
Os fins de semana.
Sabendo-me preso ali
Entre motosserras



E peões
E matas e o medo
Das cobras,
Puxava pro banho
Daquele rio fresco
E trazia de lá
Os barulhos das pedras
A soneira das horas
O cheiro da erva doce

E mais o canto
Dos catadores de feijão
Na época de colher
Ou plantar
Ou esperar.
São sempre
essas esperas
Que sustentam
a vontade
De ficar.

Mas não comigo
que sou citadino
E não planto nem colho
Apenas
assisto




O trabalho braçal
Daqueles homens meninos
E suas violas
E suas piadas
E o reverso da moeda
Puxando conversa

Ali me senti em casa
Como não antes
Nas outras moradas
Em que habitei
Por ser criado nelas
Mas estranho
Às vontades delas.

Aqui sei quanto vale
Pagar pela terra,
Pela árvore,
Pela escola de vida
Que é caminhar
pela mata
Abrindo picadas
Entre as canafístulas







E os arranha gatos
Que entopem as vias
E sangram as partes,
Costumeiramente
Me habituo com isso,
Mas sei que tenho
de voltar
Ao mundo esquecido
Chamado lar.


A tarde
Já vem moendo
A luz
Quase escurecendo
Os caminhos veredas,
Agora é preciso voltar
Que a vida
Não parou de fluir
Seu momentos
Garis.






Ofertório


Seria muito
Querer ofertar
Um verso sujo.
Mas um gesto de paz
Bem recebido
Pode aliviar
Em algum sentido
A forra das ofensas...

Talvez não seja bem
Falar dessas coisas
Que o silêncio manda
Esquecer às loas...
Mas aqui é meu campo,
Minha cama d’água,
Meu poleiro
Pro sono tranqüilo,

Tirante essas mágoas
Nem é de estilo
Desenterrar mágoas.
Por isso fico
Sem isso nem aquilo
Pensando
O que não digo.





Se você está morto
Não precisa mais
Se preocupar
Com os nadas da vida,
Tipo conversa chata
E contas a pagar,
Amigos a apagar,
Ascendentes a acender velas,
Descendentes que se negam
A acender velas para você,

Mas você está morto
Então não importa mais.
Como não importa se
vão fechar no feriado
Ou se vão jantar mais cedo
Para ver televisão
No quarto.

Não importa se vão calçar
Sapatos ou chinelos,
Bermudas ou pijamas,
Se o sol vai dar praia,
Se a chuva vai dar flores,
Se o gado comeu o sal
Se a vaca pariu de novo,
Se a mulher pariu a vaca,
Narciso

Não é que narciso achasse feio
O que não lhe era espelho.
É que narciso não tem espelho,
Então se espelha no bonito
Que copia a esmo...

Assim a moda, em 1700
Era cobrir tornozelos
com grossas rendas
Num quarenta graus
de Rio de Janeiro,

Como agora em 2010
Torna-se bonito,
por não espelhar-se
O quase nu das dobras
Das meninas cheias
De gorduras novas.






translúcido



Esta tua alma tranqüila
Dentro do corpo esquálido
Solta-se das presilhas
E voeja...

Por mais que se solte
Vivencia presa
à dor do corpo que
Arqueja...

Mesmo que não saibas atuar
Ambidestro
A alma, meu parceiro,
Imita o gesto...

Lento, lentamente fraco,
do corpo que se embalança
Entre as formas sutis do plasma
E sua herança.
Abóbora de pescoço


A cucurbita moschata, popular abóbora de pescoço, é, no mais das vezes, enorme, por isso o comprador na feira dizia ao feirante para pica-la em pedaços, mas o feirante resistia à idéia justificando que ninguém quereria a cabeça, cheia de sementes, todos prefeririam o pescoço, de massa compacta. Desta cena extraio por metáfora a discussão sobre a escolha dos seres humanos, todos queremos a parte boa das pessoas, por extensão das famílias das pessoas, rejeitando os entéricos. Na impossibilidade de pica-las, temos que assumir sempre as partes descartáveis da “abóbora” na serventia dos pedaços aproveitáveis. Quando a cabeça pesa mais que o pescoço é que discutimos com o feirante.
Pensando bem, é preciso à esta altura, nos colocarmos no lugar do feirante: Estamos vendendo nossas abóboras também inteiras, com todas as sementes descartáveis junto, para que aproveitem a massa do pescoço e dispensem o resto?
Nesta hora é preciso pesar o que cada abóbora tem de massa compacta e de cabeça (vazia) para ver se vale a pena comprar, porque, sem dúvida toda abóbora tem cabeça sementeira, que pesa na hora de mexer o tacho, no calor da cozedura, feitura do dia a dia...
Nesta época, de amenidades diplomáticas e correrias natalinas, vivencio nas esquinas de nossas ruas comerciais todo tipo de cabeças, mais do que pescoços, vasculhando ofertas de quinquilharias nas prateleiras para marcar presença entre seus pares na noite de natal, sem esquecer as cabeças ou ofender os pescoços de cada espécie.
Não me coloco como conselheiro dono da razão, mas reconheço-me uma cucurbita moschata de bom tamanho, com uma cabeça enorme de problemas e um pescoço fino de lisuras, neste ambiente é que sementeio minha herança, espalhando para os quintais alheios esta mistura de partes boas e ruins, que, como dizia o Zagallo, terão de engolir.
Tendo o dito por dito, o dizedor aqui presente pede encarecidamente aos ledores que se assustem, como eu, com os tantos “compradores” dessa feira livre que é a vida convivida, que neste final de ano, picaram a abóbora, festejando natal e ano novo e férias e feriados com os pescoços reluzentes, deixando em suas hastes as cabeças, rejeitadas como lixo!
Sergiodonadio.blogspot.com/