sábado, 1 de fevereiro de 2020


Bordador

Por profissão bordava botas
No seu banquinho sapateiro,
Mas lia Florbela e Nobre
E declamava trechos inteiros
A se orgulhar dessas raízes
De poetizar sapateiros...
Se condoía das dores poéticas,
Das dores bem entendia
De Poetas e poesias...
Bordava botas, cunhava frases,
Sonhava versos de menino velho,
Lia e relia seus amados Poetas
A barba cheia, calças rotas,
Mente povoada de amores...
Por profissão bordava botas
E sonhos em sua banqueta...






José

Por onde trilhamos
Há muitas pedras
A sangrar as mãos
Nessas travessias...
Cascar os pés, José,
Por onde trilhas?
Mente cansada,
Coração acelerado,
Há tantas pedras
Pelo caminhado
Ou sou um frouxo
A correr de hienas
E pelourinhos?
Talvez seja cedo
A voltar pro ninho...







 Choque de gerações

Enquanto meninos
Se iludem com internet
O tempo os consome,
Mordiscando suas ofertas,
Um pergunta o que é Mandela,
Outro se perde na janela:
- Quem foi o pai da aviação?
- Quem provocou a revolução?
Fixam olhar na telinha
Como se tudo estivesse ali dentro,
Desde a rapidez do tempo...
A velha senhora continua
Procurando selos numa gaveta
Para mandar carta à filha
Perguntando se vem para o natal,
Estamos em fevereiro...
O tempo a consome
Mordiscando seu passado
Em frios intercalados...



Retornável

Não sou apegado
A fatalidades...
Mas tenho idade
Pra morrer agora.
Não me atravessem,
Deixei-me ir embora...
Olhando esse sol pardo,
Sorrindo à demora...
Comparando a este sol
E seus retornos
Acredito-me retornável,
Talvez não tão rápido,
Como a garrafa de vidro,
Quebrável ao baque,
Pronto para virar cacos
Com utilidade ao modo
Não esperado...





Transcorrentes

O tempo transcorre tenso
Sem que os meninos percebam,
Eles continuam ouvindo funk
No volume máximo das carretas
E não percebem, não querem,
Quanto afetam ouvidos alheios,
Ali mesmo, entre paredes,
Senhores e senhoras, idosos,
Crianças eflorescendo,
Precisando do silêncio pertinaz
A cada momento tenso... Esses,
Em sua maravilhosa juventude,
Perdem tanto tempo em decibéis,
Sinto pena da desafortunada cena,
De seus pais, deles mesmos,
Descendendo em seu presente
Um futuro danoso nesse espaço
Sem passado em frente...






Engraçado
Quando me vejo
Entre jovens Poetas
Que se assustam
Com o que
Ainda posso dizer,
Poeticamente...






Hospital Colonia

Como pode o ser humano
Ser tão desumano?





Solidão

Tudo que fiz hoje
Foi o preparo para a festa...
Baguncei as louças,
Emoldurei os quadros,
Limpei as janelas,
Mas amanhã não veio,
Espero convidados
Que viajaram cedo...
















Amar o bonito,
Amar o feio porque
Amado, o feio se torna
Bonito...







Os desiludidos
Choram de desilusão,
Os iludidos ainda não...








As pessoas que se vão

As pessoas que se vão
Deixam passos ressonando
Nas taboas assoalhadas...
As pessoas que se vão
São esses passos antigos
Levados pelos silêncios
Esmaecidos...

















O líder que fica
É o que sobrevive
À morte física
Que esteriliza...








Os que ficam na janela
Vêm pouca além montanha
Entre os vales de perto...









A sujeira nos vasos
É tão pouca, irrelevante,
Comparada às sujeiras
Das pessoas sujas...







O ser humano resiste,
Mais pelo instinto
Que pela inteligência...










Frutas ainda verdes
E pessoas já passadas
Não se come...








Olhos dízimos
São esses que pedem
O que fica inerme...








O lixo pelas cidades

O lixo pelas cidades
Invade nossas narinas...
É preciso alheabilidade
A suportar todo esse lixo
Descendo o rio, vazando,
Acamando nas calçadas,
E ir adiante... suportando
Essa vazante...














Uma bala perdida

Sempre encontra a cabeça escondida...
Haverá tempo mais ameno à frente?
Pois os meninos loucos não procuram
Amadurecer ao tempo que já viveram...

Tantos tempos, e se recusam crescer...
Bom seria se essa minoria barulheira
Despertasse em amofinos silenciados
A voz da impaciência do outro lado...

Essa loucura toda poderia ser evitada?
Se não tivessem pólvora e trabucos,
Tao dispostos a tornarem-se injustos...

Uma bala perdida se aloja na cabeça
Que não esteve à espera dessa guerra,
A bala não se perde, a mira é que erra...

sergiodonadio





Não temos respostas àqueles
Em seus momentos mentirosos,
Prometidos belos, feios de nó...









Já passamos dos trinta,
Tivemos medo do futuro            
Hoje tomemos cuidado
Com a memória do passado...








O dia recomeça com haveres
E deveres do dia terminado.
Prefiro filtrar o que é passado...

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