quarta-feira, 8 de julho de 2020


Ensalmos

As pessoas são estranhas
Ao pensamento anterior
Quando a visão da distância
Não identificava rugas
Nos seus dedos curvados...
Não recordo as benzeduras
Das convivências antigas
Antes da maledicência
Das palavras emitidas...
Tem como consertar
Os erros instados?
Pode seja apenas isso,
Erros, deixados de lado...
Uma palavra... Apenas isso,
Desfunde erros passados.



Vídias

Plantei umas ervas,
Que daninhas se fizeram,
Ao corte o seu
Perfume denuncia
Temperos diversos
A minha cozinha...
Salguei uns peixes
A guardar em cestas
Que tanta vida deram...
Bordei retalhos a furar
Os seixos que embolaram...
Agora não sei se presto
Continência ao resto...









O que te possa dizer, menino,
É que não adianta fugir de si,
Fugido de ser menino, não podes
Esquivar à realidade maturada...








Onde jorrara a fonte
Jorra a fome incesta
Do bicho homem...







Nas flores duras,
De parafina,
Queima o pavio
Que em ela finda...







Tens de fazer
O que te faça gosto
Senão o tempo
Te será desgosto...





Descoberta

Descubro
Que roubei muito da vida...
Minutos preciosos,
Ouro em tempo desregrado,
A fé no sentido, não vivido,
Roubei da vida a verdade escondida,
A paz devida, a paz indevida,
Os dentes, partidos, as partidas,
A visão destroçada de idas e vindas,
As mãos estendidas em horas pedintes,
O tempo ao relento, é, a fé em tudo
Que atravessasse o tempo...
O que passei correndo atrás
Do outro tempo, deixado para trás,
Por estar vivendo...





Tributo

A seu Luiz e dona Olinda.
Que viviam
Como vivem os que se amam...
Na simplicidade do dia a dia,
Sua casa tinha parcos recursos,
Como dois pratos, duas canecas,
Uma panelinha e poucos talheres...
Uma mesa com duas cadeiras,
Uma cama, que mais é preciso?
Diziam,
Para tantas necessidades...











O tempo
Roubado do tempo
É contratempo...





Ignorância minha

Não entendo de vinhos,
Não entendo de orquídeas,
Não entendo de futebol...
Mas, confesso, não faz falta.






PAI
   Antologia recanto das letras

Eu estava aqui enquanto partias,
Ainda estarei aqui quando fores.
Vi tua calma quando morrias, e
Vai me morrendo pouco a pouco...

Um pouco a memória te desfaria
Como desfizeram de ti os ossos,
Mas estou aqui lembrando disso,
Provando a mim que não posso.

Mesmo que não me tenhas alento
Ainda te escuto quando me ligo
À hora dormida do pensamento:

Tanto memorar cada momento,
A perguntar por mim se te olvido,
A fazer chorar quando te lembro

Devoção
Antologia recanto das letras

As pessoas verdes
Condenam as pessoas azuis,
Que idolatram as amarelas.
As pessoas amarelas
Aprisionam as pessoas cinzas,
Que subjugam as roxas.
As pessoas ocres cantam hinos,
As marrons e vermelhas rezam.
As pessoas verdes são elos
Entre as sem cor definida,
Que amam as azuis e marrons
E desprezam as amarelas,
Que odeiam as roxas,
Que matam as cinzas,
Que fogem das ocres,
Que pena...





Todas as falas se calaram,
O silêncio fala pelas falas
Emudecidas pela verdade...








O canto do pássaro
Acompanha o féretro
E não se condói
Do choro viúvo...







É no silêncio da noite
Que se ouve a clara
Voz da consciência...









Estão calados os discursadores,
A hora não é dos barulhentos...








O sentido da morte
É a pausa da vida
Pensada esquecida...








Todos os senões
Serão postos agora
Quando ao cansaço
Entrega-se os pontos...





Mágoas esquecidas

As cores erguidas
Num rumor de preces
Acodem ao grito
Das pedras diluídas
N’agua deste rio
Barulhando o dia...
Ao longe choram
Mágoas esquecidas...












As várzeas

Se afogando
Sob as águas de março
Se subpõem às tabôas
Que emergem delas
E dominam ao tempo
De selarem barcos
Antes navegados...
As várzeas sucumbem
A tal precedido
Mal guardado ao vento
Secular ao tempo
Encharcado lento...








O espaço imenso

O espaço imenso é tão pequeno...
Visto de longe, assim tão perto,
A paz vivida em plena guerra,
É que os opostos se atraem
E formam pares no espaço imenso.
O espaço imenso,
Como nós o vemos nos vemos mais,
Embora menos...
É pouco o muito entre cadeiras
E fossos das idades encaradeiras...
O espaço imenso é tão pequeno
Que o respirado na aura cabe
E cremos que somos grandes
Pequenos no espaço que nos cabe
Enquanto fardos postos em ombros novos e já cansados...




Na hora do dormir

No fim de que se dorme o dia?
No fim do dia o espaço dia...
Como diria Pessoa sobre
Gostar de gostar do gostar...
Assim, com parcas alegrias
E um bom tempo para pensar...
Como este se perdeu em desalegria,
Ao fim do que se dorme o dia?
Fechando os olhos e a alma esfria,
O canto dos pássaros silencia,
O silêncio acorda acordes hinos
De grilos soltos em violinos...
A fim de saudar o dia.







De olhos abertos

A idade,
Em que não me vejo estar,
Faz-me pensar que
Em quando minha geração
Está fechando os olhos
A geração atual nasce
De olhos abertos!
É o mundo terra mudando,
Para melhor?
Nascendo de olhos abertos
Para o futuro que aí está...
Porque, se não fora assim,
O ser homem não acompanhará
A evolução do mundo,
De olhos abertos!





Travesseiros

Meu travesseiro,
Pra dormir tranquilo,
É pensar o dia vivido
Só de utopias...
Sem medo da consciência
De ter ferido alguém
Intencionalmente...
Talvez minha grosseria
Seja a sinceridade
Que me aprecia
Lá d’onde o tempo
Principia...
Eu vejo o dia
Como novo dia
Sempre que levanto
Minha utopia
De viver o tempo
Antes que o tempo
Se desvia...
sergiodonadio


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