segunda-feira, 9 de março de 2020


A pena
Reduz-se a meia palavra,
A outra metade silencia,
E pena...








O suplício suplicia?
O silêncio desvenda
O princípio que principia,
E vira tema...






Há um século

O Poeta se encantava
Com a máquina à vapor,
À diesel, à explosão combustiva
Como a nova era...
(Que já era)
Agora a poesia se encanta
(Ou chora)
A inquietação cibernética...
Há um século a modernidade,
Agora obsoleta,
Trazia novidades, hoje vencidas,
Isso mostra que o tempo
É só de idas...









Malas prontas

Fazer as malas
Para o não partir
Talvez fosse, ou seria,
A melhor viagem,
O descanso da viagem...
O deixar de ir por ir,
O ficar por olhar
Distâncias
Daqui....













Esta janela

Esta janela,
Se me abre pela manhã,
Atiça a imaginação,
Ouço pássaros e cães,
Motores e discussões...
Quer dizer que estou vivo!
O que se me abre
Com esta janela abrindo
É um mundo
Na sonhada viagem
Sem sair daqui...
Estou perto de todos os portos,
Dentro de todos os templos,
Banhado de todas as praias
Com todos os recantos
E seus encantos...






Remissivo

Toda maldade se concentra
Num pensamento de revolta,
Vingança, arrependimento...
Se refaz a cada ato impensado
E se expõe a ser sentimento,
Floresce onde a paz fenece
No agir impensadamente...
Redime não quando o que
Deveria ser esquecido
Torna semente...












Manhã azul

O dia dá-se por chuvoso,
A manhã sorria o azul
De um tempo límpido...
Depois fechou-se,
Talvez por raiva ou instinto
Seguindo a cara desse frio
Na vontade de ir-se...
Antes que contamine
Essa nuvem negra
Viro do avesso a manhã
Com sendo um casal brigado
E me avexo...










Lauréis

As portas ficam longe
Quando se as quer perto
E perto quando
Se quer distanciar delas...
Por isso todas não estão
Abertas na hora incerta,
Porque a gente as fecha.
A vontade se perde
Na incapacidade de ir-se
Quando é realidade
Despedir-se ao choro...
Tentar até o fim do trecho
Pois todos os trechos são
Iguais na desigualdade
De seus louros...


 






Tudo é válido
Na convivência diária,
Do riso que renova
Ao pranto que estorva...








Basta de lamento
Que o verbo é curto
Urgente o intento...







Como uma lágrima

Como uma lágrima,
Perdida em um adeus,
Choras a última despedida
Em seu vago olhar...
Como uma lágrima
Esquecida de verter
Pensas a próxima saída
Entre esses encontros
Furtivos entre tu e eles...
Com uma lágrima
Salgas os olhos outra vez
Tentando esquecer
A dor em dívida...









Contemplares

Aos olhos
Apagados de um cego
A paisagem
É transparente...
A cor que vedes
Em teu estranho ego
É a mesma cor
Que ele sente...














Entre a hera e a era

A hera e a era
Se unem no muro em frente,
Cobrindo pichações dos tempos
Formando pichações recentes...
Quanto basta ao olhar furtivo
Saberem-se descobertos
Por misantropos esquivos?
Quanto baste, além do esquecimento,
A lembrança de tudo variada?
Talvez o tempo remonte ao tempo
E a letra que se destacava
Desfaça o que se desenhou
Em foice e forca de cada fase...
A hera e a era se unem
Para descrever, da história,
O que não ficou transparente
Naquela hora...





É o bicho...

Faz algum sentido
A vida parada ao meio?
No tratado de manada
A vitória que não veio...
Um tempo de rebuliço
Com tantos catando lixo
Na colheita de quase nada...
Faz algum sentido,
Pois na revolta é cantada,
Não o melhor das vidas,
Só as promessas dadas,
Como o menino que
Entregou-se ao vício
Ser apenado por isso
Quando o vendedor desse lixo
Lixa-se para o desequilíbrio?
Como saber se não lhe veio
O que lhe seria esteio?




Distendidos

Não me dobro à dor,
Seja de músculo
Ou de alma...
Seja de hoje
Ou herança desse tempo
Revivido dia a dia
Sem pejo...
Não me dobre, ó dor,
Que me sustento
Em doer a menos
A dor que penso...
Não se dobre a dor
Ao mesmo tempo
Em que me arrasto
E me distendo...
Que a dor, assim como
O prazer e o ranço,
Me fortalecem
Ao pejo...





Esperar sem desesperar
É explorar o tempo...









Queria ter um momento
Sem ossos... Impossível?
Talvez não, se caprichar
Em desossar o tempo...









Terra de ninguém,
Aqui todos os pares
São ímpares...









Talvez cansado de conviver
Quero apenas Viver-me...










A poesia caminha,
Eu procuro acompanhar
Nesse passo trôpego...








Negar a ditadura não,
Mas negar a necessidade
Da ditadura também não...













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