terça-feira, 8 de dezembro de 2020

 

Adeuses tardios

 

Já não há estranhamento,

Todos a quem encaro

São velhos conhecidos,

Das pessoas aos utensílios...

 

O adeus do finado

É descuidadamente um até log0.

O que se vai

Ficará numa memória fosca

Que fará reagir verdades

Deixadas quietas

Enquanto a alma se inquieta...

Em volta

Essa balbúrdia satisfaz a reza,

E não digam que ao tempo

Desfez-se a promessa,

 

 

O canto daquele pássaro

É o mesmo da outra manhã,

Embora pareça infausto,

Em torno o vento rege as folhas,

Os carros passam,

As mentes mentem...

Tudo é o mesmo de antes,

Quando vivia este

Que morre novamente.

Voltaremos a o encontrar,

Talvez n’outra viagem,

N’outro ambiente,

Mas será esquecido por hora,

Já que se vai, em silêncio.

 

 

 

 

De tudo, o que parte esquece

Andamentos d’outra parte,

A que não interessa mais...

A caminhada chega ao fim do eito,

Faz parte deste fim o mesmo leito

Em que esbravejavas ao que se faz...

De tudo, o que fica é a verdade,

Inaudita n’outra parte,

A que se apaga por querer-se

Irreal a realidade que se suja

De ficar na alfombra desses ais...

Que queres tu? Que fica?

Se além de ficar se identifica

Com a mesma palavra,

Deixada atrás...

 

 

 

Adeus meninos pedros, ladinos,

Josés, colombinos, alguéns

A dizer que fora bom

O mal vivido desse tempo ido...

Adeus às frases deixadas no ar,

Entre mentiras e invencionices

Que se fizeram verdades ocultas

No mesmo retrato frio das tardes...

Adeus ao que ficou só na saudade

E se dispôs a ser realidade

Num sonho apagado em ais...

Adeus aos que ficam olhando

Este passante despachado antes

De ser-se em vida

O que não foi capaz...

 

 

 

Não me digam nada,

Seja verdade ou inventada

A estória mal contada

Pela irreal realidade vivida

Entre paredes escondida

Da dor deixada doer mais...

Voltemos ao assunto de antes,

D’onde era irrelevante

Se viveria o sonho ou iria adiante

Sem o realizar...

Ainda soltamos a tinta recente

De nossas coniventes cores,

Porque de amores não se vive mais,

Apenas se colore azul o incolor

Sabor do tempo que passou

Em branco...

 

 

De tudo fica a verdade nua

Que se deixou desnudar

Por ser verdade impoluta

E por ser doída demais...

Na praça a mesma estátua

Olha quem passa e não a vê

Entre folhagens florescidas

No que deu a vida...

O que deu à vida?

Esta pergunta irrespondível

Traz a mesma inquietação

De não vivida plena,

Tanto quanto a estátua vê

Ao redor a primavera dispor

Em cores o escasso olor

Da pessoa em si...

 

 

Por mais que se espere a sorte

Neste velório que não sou eu,

Por sorte, e nem és tu,

Que reza a ladainha

Encomendando a alma vizinha

Para além do norte...

Este que vai, descansa?

Talvez mais de em lembrança

Possa voltar à ser criança,

Que a saudade, ou remorso,

Alcança a mesma linha

Que deixou nos trilhos

Que trens levaram para além

Dos muros da esperança...

O sonho desfez-se em nadas

Além das mágoas...

 

 

Por ir-se antes perambula

Entre passantes curiosos

A mesma gula desse tempo eivado

De figuras e passados lentos...

Agora o canto do pássaro

É mais triste,

É que se fecha um ciclo e mostra

Que a primavera existe

Para a ramagem e para o pássaro,

Que insiste em reviver

Momentos idos na realidade

De sonho que não se fez verdade,

Porque sonhado acima

Da fanfarronice...

 

 

 

 

Por fim, o fim deste soldado,

Vestido em farda,

Desvestido em colchas,

Que se vai ao frio da realidade

E não leva mais que a camisa rota

Dessa fase lúdica, deixada ficar

Entre as flores das coroas naturais,

Postas ao lado das velas

E da disponibilidade de lágrimas

A quem não volta mais.

 

 

 

 

 

 

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