quarta-feira, 27 de setembro de 2017



Quisera
Dividir a culpa
Em heterônimos,
Mas o tom da fala
Entrega, dividido
Em outras vozes…
Que dó me invade
Ver o cão pestoso
Se coçar até sangrar.
Que dó me atinge
A parte humanidade
Que espera escondida
Em minhas entranhas
E solta-se em lágrimas
Invisíveis, que doem
Por ter o tempo
Um tempo de partida
Sem despedida.





Pergaminhos

O segredo
É lástima da mente
Acuada… Música
Desejando a liberdade!
Sussurrando advérbios
Para seu consolo,
Posando de razão
Sobre impropérios,
Buscando explicação
Para velhos conceitos,
Matados ao respeito
Das frívolas palavras.
O pergaminho traz de volta
A soletração das mágoas,
Teorias desencontradas
De um tempo eivado
De misérias…
O segredo se abre em lascas
Refazendo seculares
Teorias enfáticas.
A música se abre aos ouvidos,
Dessegreda fatos
Revividos…
Horas extras


Feita,
A hora extra estafa o homem…
No meio do dia extra, ordinário,
Desse homem extra, espoliado,
Do tempo extra, ditado,
Do sexo esquecido, sensorial,
Flácidos tendões chateados…
Horas extras de horários,
De horácios, de mesários…
Cansaço… Cansaços…
Vinte por cento homem,
Oitenta por cento macho.













Revides


O som que responde
Sem que perguntado…
A poesia é o eco… Ou o oco…
A palavra é tudo… Ou pouco…
A menção ao despropósito
Dessas guerras entre moços,
Entre facções e crianças
Que levam o troco!
O som que responde
Sem pergunta…
É pouco.














Decompostos


Devolve-me
O que não é meu!
De tudo o que se perdeu
Na bruma uns cacos,
Apenas de lembranças,
Surgem na praia enseada,
O resto levou a maré
Aos outros lados do mundo…
De viajados os homens
Se misturam à paisagem.
Devolve-me o que não é meu
Antes que estrague…













Soltura


Quando vejo
Esses meninos, soltos,
Penso num tempo esquivo
D’onde se penava
Para sair de casa,
Tempo das dez da noite…
Talvez fosse melhor
Ter-se soltado esses
Sonhadores da época.
Quando vejo
A soltura d’hoje,
Penso se seria bom
Ter sido assim no antes,
Com o que houve…














Se a voz tivesse
A força do pensamento
O sussurro seria um grito
Demente.










Tenho sido plácido?
Tenho revivido taciturnos ermos
Nesses tempos ácidos…








Graça


É preciso que haja
A bendição das coisas boas
Em confronto com as más,
Tão em evidência d’gora…
É preciso, e sempre o será,
Que se abençoe a vida,
A que está por vir
E aquela que já se vai…
E por preciso será dizer
Ao probo seu valor,
Ao fraco seu aconselho…
Que o tempo é professor,
E somos todos bons e belos
E ao tempo somos feios
Aos nossos defeitos
Cultivados ao esmo
Que se faz o leito
Do cansado lavor
Do feito.






O campo santo


O que seria um campo santo,
Onde enterramos nossos ossos
E a dúvida de nossos feitos?
O seria santo pela mudez da morte?
Ou pela aquietação das derrotas?
Campo de todos, bons e maus,
Eficientes e deficientes… Findos,
Todos seremos santos pela hora?
O campo santo é para os santos,
Que assim se fazem pelo silêncio,
Enfim, conseguido em termo?
Ao extremo o campo, se santo,
Parecerá ameno àquele que
Se vai em calma ou desespero…
Mas ficará o medo de, em sendo,
Perdoe o que errou e o que,
Entre as fagulhas de incêndio
Salvou-se, não por santidade,
Por absoluta falência,
Cedo ou tarde.





Escocho


Estamos a ver
O desencanto das palavras…
O que pareceria óbvio,
Chega tarde.
O que antes fora ignóbil,
Torna-se verdade!
Estamos a ver
Que a luminária se apaga
Entre gracejos de escócio,
Tornando o feio em lácio,
O abjeto em plácido…
O ignaro em erro crasso.
Por que então a farsa,
Se tornou-se possível
A mesma graça?










Despedaços


O dia termina
Interminável,
A placenta
Se abre em fetos…
A voz nascida
É um gemido,
Apenas os olhos
Perscrutam
O ambiente
Em volta,
E o dia, enfim,
Termina,
Despedaçado.












Em rugas


O fanatismo
É indiferente ao fato,
À razão,
Ao descalabro
De não ver o ódio
Que o tempo mostra
Obvio…






















Mais que o caboclo,
Analfabeto funcional,
Vejo esse douto
Analfabeto disfuncional.










Se fizeste mais por ti
Que o necessário,
Deixaste de existir no prosaico,
Vivencialmente a cada fato.






Nos arrabaldes da mente


Os pensares flutuam
Entre as vivências
E os sonhos… Por vezes
Mais forte que isso
A resolução das paragens
Dos ontens entre saudades,
Dos hojes sendo verdades…
Amanhãs incandescentes
Nos arrabaldes da mente.
Na força do irrealizado
Entre sonhos e desolhados,
Apenas pelo passado
A se intrometer
No presente.


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