quarta-feira, 14 de agosto de 2019


A imortalidade

É uma realidade imprescindível:
O corpo se desvai com o tempo,
Aos poucos perde a vida de antes,
Aos poucos cede às dores
Seu desobjetivo forçado
E se vai...
A alma não é um sonho,
É a realidade de viver-se o agora!
Se você está com fome agora,
Se está com vontade de alguém, agora...
Aquela senhora inacessível...
A alma é abstrata, o  corpo é substrato,
Que sofre as dores da carne,
Com a amputação dos membros,
A alma pode até sentir pena de ti,
Que manca enquanto ela se altiva.






Realidade bruta

Quando cheguei
Àquele fim de mundo,
Lá encontrei um ex-gerente
Desdentado a murros, e,
Disseram que eu seria o próximo.
- Quem fez isso?
Perguntei aos rapazes.
- O Valdemar, bebe e se diverte
Esmurrando pessoas...
Como eu tinha investido tudo
Naquele empreendimento
Tomei coragem e fui cobrar dele,
Que se me desse um soco
Levaria um tiro.
Para mim foi assustador o momento,
Para ele foi normal, disse que
Não era verdade, que não era aquilo...
Convivemos por dois longos anos
Em paz.



Turras

Se existem anjos,
Que cuidem das crianças
E dos idosos,
Uns por não conhecerem o perigo,
Outros porque esqueceram...
Perigo de se viver em meio
A adolescentes e imaturos maduros,
Seres obscuros em sua veleidade
De serem turros...













Antes que tarde

Estamos ficando velhos,
Companheiros,
Melhor fazer as pazes
Com alguns desafetos
Costumeiros...
Se vozes me xingam, relevo,
Se às vezes te ofendo, releve,
Relevemos atos impensados
Esvaziemos nossas mágoas
Em espelhos...
Somos tão diferentemente iguais
Que não acordamos
Com opiniões alheias,
Mesmo iguais...








Sorriso triste

Em meio à guerra dos adultos
A menina sorri tristemente
Por não saber como interferir
Nessa loucura convivente...
Com a ferocidade manifesta
A foto retrata a agonia
De velhos combatentes
D’outras guerras infindas...
O pano de fundo incendeia-se
Ao torpor de velhos cansados
E senhoras em desespero
À paz que não se aprende...
São séculos de covardias
De povos trucidando povos,
De gente exterminando gente,
Mas a menina sorri a pedido
Do fotógrafo acostumado
À ferocidade dissimulada
Numa roupagem recente...



Desumanizado

Sem pretensão de ser,
Mais do que me foi designado ser,
Tento lutar minha luta
Para manter este esqueleto coberto,
Então, certo ou incerto, viajo...
Em cada suspiro sinto o prazer,
Imerecido ou não, de ter vencido
Sem perder o conseguido
Neste suor que me move,
Assim como me comove
Ver nos arredores gente
Querendo-se gente
Abanando sorrisos aos aplausos...
Cenas que me dizem um pouco
Nesta fase de desconsertos
Em que vale mais um cão lavado
Que um menino imundo.
Quero não ser este ser
Desumanizado...



Do avesso

Já fomos guerreiros,
Agora somos guerreados...
Culpados pelo abandono,
Pelo clima, pelos crimes,
Por termos tal passado...
Já fomos guerreiros,
Agora somos acovardados,
Talvez pelas dores do corpo,
Talvez pelo peso na consciência
Ou pela alma distorcida ao fato.
Mas somos a vida que dermos
À geração mais nova,
Sem culpa por nosso passado,
Por sem passado!
Portadores de sonhos
Que nos fizeram ultrapassados
Nesses passos dados...





Tentando se esconder da vida

Há uma tristeza febril
Nos olhos das prostitutas
E dos tocadores noturnos...
Nesses bares que a TV não filma,
Núcleos de ébrios profissionais,
Há este olhar mortiço de sono
Vencido nos frequentadores usuais...
Meu amigo recrimina meu silêncio,
Talvez fora do meu ambiente,
Mas ainda é cedo para curtir brigas,
Que são inevitáveis ao descontrole...
A velha tevê na parede mostra
Jogos reprisados, eles vibram de novo,
A cada jogada repetida, eu silencio...
Há um incompreensível fervor
Nos olhares perdidos da realidade,
Assumidos perdedores jogam sinuca
Sem se incomodarem com os horários
De suas casas, mesas postas esfriadas,
Familiares desesperançados de atenção,
Seus desfeitos se escondem da vida
Vencidos pela desrazão...
Processo de desaprendizagem

O processo de aprendizagem
É cansativo...
Levamos anos
Para aprender a andar...
A correr e a falar,
A comer de saciar à vontade...
Tão pouco,
Levamos outros anos
Para desaprender tudo isso,
E, por respeito fazer de conta
Que não esquecemos
O aprendido...










O sol alumiado

Já alumia a janela,
Pondo-se lindamente sob nuvens...
Sei que é um horizonte perdido
Entre as dores do mundo...
Mas é o momento em que
O pensamento se volta
Ao lúdico...
Posso formar abstratos sobre tudo,
O sol alumia o relógio na parede,
É sua última claridade,
Antes de escurecer-se em noite...
Sinto que é assim conosco, mas
É mais demorado nosso ser posto,
A um céu que se expõe
Sofremos menos o torpor
Desse momento quando
Nos distanciamos das verdades
E sonhamos que não é tão tarde,
Embora o escuro nos esfumasse
Um pouco...
sergiodonadio



Se alguém morrer de amores
Enterrem-se o em louvores...
Falo por mim, sem saber
Se empunharás teu sabre

Aos procuradores de culpas
Às perguntas de apressados
Que de mim não se ocupem,
Apenas de seus passados...

Se alguém morrer de dores
Procuremos só consola-lo,
Que tempo cobrirá de flores.

O que a tempo bem sabes
É que os velhos e doutores
Ouvirão aqui seus chiados.







Da vez que um menino chora
Ou sente dor ou é desamado,
A culpa será dividida agora
Entre receios e acamados...

Este menino, dolorosamente,
Sente-se abandonado entre
Formas vis em que foi criado
Pelo abandono desforçado

Se o vês assim desconsolado
Procura sua finda mocidade
O que em ternura foi negado

Que ocasião mostrará adiante
Este menino não teve alento,
Pulou a rica fase de infante





Colcha de floradas

No chão trincado
Pela seca do deserto
A floração miúda destaca-se
Em colcha desenhada...








Nova geração

Quando a análise lógica
Torna-se análise psicológica...
        Mario Quintana


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