quinta-feira, 4 de outubro de 2018


Tempos fechados

Às vezes a gente gosta
De esconder sentimentos...
Há um relento entre ofertas
E detrimentos.
Às vezes a gente expõe
As vísceras, que, expostas,
Refazem-se em ventos...
Às vezes um pássaro
Sai de nosso peito
E canta...

Assim como cantam os pássaros livres,
Não como o choro dos pássaros presos.

Às vezes o tempo muda
Dentro de nós, abruptamente,
E nos pega sem guarda chuvas...
E está chovendo.



Puro sem gelo

A paz deste momento
Me acaricia...
Sei-me novo frente ao ontem,
Amanhecido hoje
Novo dia...
O elã que se forma em torno
Diz-me coisas que não sabia,
Sei-me assim desfeito em iras...
Em todo o dia embebido em poesia,
Puro, sem gelo, sem fantasia,
É a espera que sonhava vinha
Desse momento, embora seco,
Pura euforia.








Eternos indigentes

Os pássaros estão cantando,
Os cães estão ladrando,
Os gatos estão observando
Ninhos deixados à mercê...
Só as pessoas estão sonhando
Nessa hora da manhã,
Antevéspera de domingo...
Quando haverá eleição,
Que tanto faz para os cães
E pássaros e gatos e mendigos...
Apenas pensantes preocupam-se
Com o resultado deste domingo.
O dia amanhecerá o mesmo
Na segunda feira, como sempre,
Mas será diferente para pessoas
Que se puseram a escolher
Seu próximo tratador.
Aos pássaros e cães e gatos
Isso não importa,
O que importa a eles
É fugir dessa dor.


Vejo tudo com bons olhos
Porque meus olhos
Não se perdem
A acompanhar maus olhados...







Quintantes

A distância dos astros
E sua visão acima do horizonte
Faz-me observador das arestas
Desse sol posto antes...




Doce vima   publicado

Plantamos palavras
Como o caboclo
Planta sementes,
A colhedura pode seja
Fruta doce ou jiló amargo,
Mas será colhida ao gosto
Do plantado...
Prestemos atenção ao dito
Cada vez recitado explícito,
Será o mesmo fruto de antes
De que seja escrito?
Plantemos palavras doces
Mesmo que a dor as inspire duras,
Façamos dessa colheita
A paz semeada em leiras
Feitas a cabo de enxada
E caneta... E esperemos...
Que se frutifique bonança
A cada regada feita
Nos fins das tardes
Lavradas videiras...
Para impressionar

Mendigos vestem trapos
Para impressionar?
Novos artistas se despenteiam
Para impressionar.
Pastores vestem roupas fechadas
Para impressionar.
Padres usam colarinhos brancos
Para impressionar.
Advogados vestem ternos pretos
Para impressionar.
Juízes vestem-se togados
Para impressionar.
Mendigos vestem sujos
Porque é o que dá!









O que às vezes desanima
É percorrer a mesma trilha
Pra encontrar o mesmo fim...









Na natureza tudo é válido,
Na mente humana
Tudo pode ser validado...








A parte útil da inutilidade
É não convivido toda arte
E ainda sentir saudade...









O que tens de sentir feito dor
Talvez seja apenas o reflexo
De uma vez ter sentido esta dor
Oriunda de um outro amplexo...





O dia amanhã ainda hoje

Passamos a ouvir vozes outras
Que nos chamam a refletir
O que somos ou que não somos
Na soma de valores arguidos.

Se a fé estanca os sentidos,
Se o canto atrapalha os ouvidos
Acostumados ao choro...
Por que então somamos dores?

Deixadas de doer a algum tempo,
Voltadas a doer pela lembrança...
Nessa manhã do dia hoje.

Aqui voltamos ao dia ontem
Sabendo-o sendo o amanhã
Já na atribulação do hoje.




A cigarra hoje não cricrila

No silêncio de sua partida
A cigarra hoje não cricrila
À mostra de sua dura vida,
Cantada enquanto dura.

Sendo assim é que a vida
Floresce em cada sepultura,
Não sem uma prece relida,
Mesmo que despercebida.

Não sei de sua dor vencida,
Sei da minha dor na espera
Cricrilando o último seu dia

Vendo formigas levarem
Seu corpo para semeadura,
Seu jardim em forma lida...






Muito claramente
A manhã se estende
Abanando cada momento
Em descuido...
A vez da hora prenhe
Desta tarde arborizada
Chega ao claro do sol
Que me confunde
Entre a noite dormida
E a tarde modorrenta...
Sem pejo o tempo segue
Neste corpo inda dormente...









Soluções

O verso, na expressão do riso,
O verso, na expressão da dor,
Sempre comigo rebuscando viço
Por onde o caminhar me for...







A preguiça bate firme
Em meu conceito de espera.
Tudo que penso inda ser
Ou já me foi, ou já era...






O provimento

Travei a vida com tal sustento.
Que me falta no entendimento?
Sonha-se senhor o primeiro homem,
Faz-se senhor o último homem,
Em detrimento dos arredores
Onde a vida vive em nós...
As almas se sabem íntimas
Mesmo quando brigam os corpos,
Os braços cheios de abraços
Mentes, repentes e traços...
Abastamentos... O que se passa
Na calma vista pela alma
Que me pretende isento...
Travei a batalha do sustento
Dest’alma que me entende,
Sonhando dono do homem
Faz-me senhor de mim mesmo
Entre lamúrias e gozos
A que me estendo...




Um dia vão reconhecer
A força da tua voz,
Que é um grito
Neste silêncio atroz.






Promessas dos elegidos

O que acontece
Com as pessoas esquecidas
Nessa farsa que se faz
Pelas não vidas?





Os corredores são sempre longos

Os corredores são sempre longos,
Desde as entradas avarandadas
Às portas fechadas das intimidades...
Os corredores são sempre longos
Desde as primeiras palavras
Aos discursos inflamados do depois...
Os corredores são sempre longos
Entre as tantas salas esvaziadas
E os quartos a esperar veste-los
De moçoilas e risadas juvenis
Ao velho chio das senhoras deixadas...
Os corredores são sempre longos
Por onde viajam palavras grosseiras
E gestos descabidos para as horas
Entre as madrugadas e os novos dias.
Assim, por corredores sempre longos
Se passa a viajar sequências de ideias
E lembranças de fatos havidos um dia
Na memória disfarçada em história
Dessas condições de nadas
Que viram as meninas peraltas

Em doentias raparigas de meia idade
Pelos longos corredores dessas vias...
Acabrunhadas pela condição de vadias
Ao preço de uma noite maltratada
E uma manhã de pães vencidos
Uma xícara de café de ontem
Uma guloseima de açúcar e esperança
Ida pelos vãos das pernas abertas
E mentes desvividas de sabores outros...
Os corredores são sempre longos,
Sabe-se disso depois de atravessa-los
Em idas e vindas aos banheiros rasos
Pelas freguesias imundas de ontens
E as promessas de outros amanhãs...
Os corredores são sempre longos
Os corredores são sempre longos
Em intermináveis portas entrefechadas
Às possibilidades de surgirem novas
Alegrias fantasiadas de esperança
Na saudade de outros dias menos
Fáceis para a marcha das velhices...
Inalcançadas.
 Quando te escrever versos

Quando te escrever versos
Sobre as casualidades
Leia com atenção apurada...
Estarei a mostrar as cores
Com que vejo o mundo...
As tuas faces rosadas,
As tuas madeixas longas,
As tuas pernas roliças...
Ao te escrever versos
Estarei falando disso
Quando estiver descrevendo
O luar dessas noites límpidas...
Ao sol das tardes antecipadas
Te escreverei versos livres
De nossas antigas mágoas...
Apenas olhando o hoje
Com a lua se expondo ao dia
Antes da madrugada...



Os raios da manhã

Os raios da manhã
Fazem-te justiça;
Há aqui extensa lista
De sinuosidades...
Da tua pele lisa
Ao teu olhar vadoso
Sobre outro ombro
Menos operoso.
Os raios da manhã
Fazem-te justiça?
Ou bem lustrado banho
Desde a madrugada
Põe-te em aceso?
Vês, que belo perfil
Singela aos raios
Da manhã que chega?
Talvez por isso demorem
A mostrar-te claros
Os raios de amanhã
Neste ainda dia cedo...



Há sempre uma limpeza
A fazer nos lixos do dia...
Uma barata morta
No canto escuro da sala
Umas cascas de manga
No fundo da lixeira,
Uns homens desocupados,
Tudo a jogar fora
Nos lixos desse dia...
Quanto lixo a recolher-se
Forçosamente deixados
Nessa nau sem rumo...
Quanto lixo para amanhã,
Ainda serão sabidos
Só depois do hoje
Convivido...







Ah... Pudesses reviver a esperança...
Trago no peito a incólume veia
Desde o eu criança, aquele tempo
Em que o tempo dava jeito
Às desesperanças da esperança
Inocente de futuros coloridos, e,
No futuro ter a grata sensação
De ter sido puro, despojado
De amargas lembranças por não vivido
Ah... Pudesses reviver a esperança
De sorver a vida como ela te veio
Sem os apartes das negociações
À luz de velas ainda acesas
Nas rezas das doces tias benfazejas...
Ah... Pudesses reviver a esperança
De compensar as dores dos cansaços
A cada estrago feito à leviandade
Dessa teia...





Quando te desnudas vê-se os ossos
Salientando-se pelas saboneteiras
De teu colo estreito...
Sabe o que se conforma com isto?
Teu sorriso entre expressões vazias
De um outro limite de alforria...
Livre, porta-te ereta entre pilares
Frágeis de tuas mãos ligeiras
E escondes o que te fazem louvores
À beleza que terias tido antes
Em nossa infância líquida de erros.

  Por que o ser humano
É tão fera?



Esse mau cheiro
Pode seja a poeira
Que o vento esparrama
Aleatoriamente...
Como pode seja
A passagem de humanos
Pela rua encardida
De gestos...
Ou ainda dos bichos
Presos nas grades zoológicas
E dos quintais


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