sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A importância das desimportâncias


Tudo que fazem as pessoas
É mero entretenimento.
Coisas como suar em bicas
Para guardar dinheiros…
Coisas como rezar em salmos
Intermitentemente distraídos…
Coisas como correr milhas
Para perder peso do banquete.
Coisas assim que levam à lápide
Por decrescimento. 




Tornozeleiras


Descrever a loucura
É desenhar no chão
Que o vento apaga.
Entre as tantas desvantagens
A de não ter testemunhas
Desse ato deslavrado.
Descumprir os prognósticos
Antes que aconteça o melhor.
Procurar na cadeia evolutiva
O lugar de cada despoletado
Antes que se exploda o fato.
O teu lugar, o meu lugar,
O lugar de cada um, de todos,
Assentados entre ladrões
E suas tornozeleiras…
Donde arrastam suas culpas
Nossas pelas provas improváveis.
Descrever a loucura
É assomar as cadeias prendendo
Famintos ladrões de maçãs
E mandando embora os pagos
À verdadeira predação
De nossa paz.




Chicletes


Sou do tempo em que
Engolir chicletes
Dava nós nas tripas.
Aprendi a não engolir
Palavras e gestos hostis,
Escatológicos, ofensivos…
Tudo o que possa me dar
Nós nos nervos…









Tendo dito tudo,
O lápis ficou mudo…








Essas tumbas
Devem ser divertidas,
Todas as caveiras
Estão sorrindo…









Esses seres desumanos


A alguns passam alegrias,
Cantam canções natalinas,
De fora famintos esperam
Na sua fome sem glória…

Todos lá se sabem sábios,
Todos cá se fazem lábios
Salivando o cheiro bom
Da carne e do salpicão…

Mas somos todos assim,
Desigualmente iguais?
Assim flamam os manos,

Que não ouvem esses ais,
E se enganam… Profanos…
- Desumanamente Insanos!









Um corpo jogado ao rio
Boia para onde quiser,
Um corpo tem a compaixão
Que não dispensam aos vivos…









Vês as andorinhas
Indo embora?
Quereria ir veranear
Com a andorinhas…






Asperezas


Sigam esses passos,
Meninos,
Segurem-se no corrimão,
Apoiem-se nas mãos
Ofertadas.
Eu sei, eu sei que
Já não há meninos
Como antigamente
Nas asperezas atuais,
Mas estão aí os corrimões
Entre braços e abraços
Nas escadas…
A segurar suas dúvidas
Resvaladas.








Reparos


Balançar
Entre a esperança
E a desesperança…
Se o que passou
Não deveria ter sido,
Passado foi…
No por vir pode ser
Consertado.








Destemperos


Hoje a chuva
Não amansou o clima,
Sinto-me cansado
Até para deitar-me…
O verão demorou demais?
Este calor,
Amostra da fornalha,
Aqui vivemos a cada dia
Com mais graus,
Até que volte o inverno
Com suas amenidades
E com o gelo nas pastagens,
Seremos cozidos
Sem tempero ou dó…







Limpa


Quanto traste velho
A jogar fora…
De panelas empretejadas
A flanelas encaroçadas…
A echarpe tirada do pescoço,
As xícaras sem asas…
As tias sem asas…
Os sonhos sem asas…
Tantos trastes velhos
A partir de ti que capenga
Mas não se aboleta.
Daqui uns tempos
Isso tudo e mais você
Serão vistas como
Antiguidades
No mofo da vitrine
Entre bonecas e aves,
Raridades a vender-se
A raridades…






Mesmo que todos
Tenham ido… Estarão aqui.
Essa a grande vantagem
Da boa memória.







Aqui me aconchego,
Entre cobertas
E chamegos…






Duques


Quando o homem
Se diz dono do cão,
Ah, nunca esteve
Mais enganado…
Se compromete tanto
Em suster suas fomes,
Atender suas vontades,
Limpar suas sujeiras,
Dar-lhe banhos,
Cuidar de suas
Voluntariedades…
Quem tem um,
Bem sabe,
O dono do dono
Se faz cordato…
Desde que mimado.
Já “tive” vários,
Sempre fui bem…
Mandado.




Jogo de cartas


Os senhores jogam cartas
No parque,
Leio no jornal do dia
Os trambolhões do mundo.
Os senhores jogam cartas
Enquanto moços se guerreiam,
Nervosos pela experiência
De viver atropelados…
Os senhores jogam cartas
Enquanto as lojas oferecem,
Só hoje, os preços camaradas
De sempre…
As escolas abrem seus portões,
Manadas de crianças saem
E se perdem pelas vias de ir.
Os senhores jogam cartas
Quando funcionários exaustos
Fecham as lojas, as fábricas,
As agências, os gabinetes,
Para a hora da ceia, findo o ano,
O jornal se desprende de mim
E voa… Enquanto senhores jogam
Na praça…



Dispensando opiniões
Eu mesmo me convenço
Que é melhor dormir
Que sonhar acordado…








Enquanto matam o mendigo
O mal cheiro se espalha,
Fede o ambiente em volta
Sem o podre da revolta…






Com o verso pronto descubro:
Não há melhor poesia
Que a espera pelo poema…







Sou do tempo em que
Manter bicho preso
Não configurava crime.
Que lei me redime?






Há muito que contar…
O muito ainda é pouco
Quando constato que
Constar me põe louco…







À quem se cobrar
As falcatruas maiores,
Essas que quebram
Bancas enormes?





Quando quase tudo é nada


Quando quase tudo é nada
Mantenho-me reservado…
Passou-se mais um ano?
Virou-se nova a madrugada,

Com fogos e sidras e peixes,
Assando a espera melhorada,
Esperança para ano entrante,
Como se o dia novo mudasse

O desconforto de não ter tido
Viagens prometidas deveras
Nos sonhos agora revisitados.

Para o novo, se velho fosse,
Desmembrado do vivido,
Antes do sonhado…




Ressalva


No tempo passado
Fica o ano passado,
No tempo novo
O ano novo.
Mas nada se renova
Por osmose…
Tens de fazer-te novo
Porque o tempo
Apenas se repete
Com o sol vindo e indo
Infinitamente.
Cuidado, talvez o infinito
Seja o presente.
O que te faz feliz?
O que te ressente?
O que tu apaga?
- Bola pra frente!

Sergiodonadio.blogspot.com
Editoras: Scortecci, Saraiva. 
Incógnita (Portugal) 
Amazon Kindle, Creatspace
Perse e Clube de Autores



Talvez o ano
Tenha terminado,
Talvez não…
Relembrar com saudade
Faz a diferença
Se não sentires remorso
Faz a diferença…
Se endividado,
Faz a diferença.
Sê creditado em boa hora,
Isso faz a diferença
Entre os fogos da noite
E a manhã de amanhã,
Sem açoites.





O viajar apenas
Locomove o corpo,
O sonhar
Locomove a alma.






Ano findo?
Ano lindo!

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