terça-feira, 10 de janeiro de 2017


Tudo que sabemos
Sobre nossos ódios
É que eles afloram
E não têm cabimento
Nos haveres e deveres,
Apenas remanescem
De outros sentimentos
Ocultados no silêncio
E acordam na falta
De paciência…













Olhares


Esse olhar cansado
Das vivências…
Esse olhar perdido…
Esse olhar indignado…
Quantas vezes o olhar fustiga
O novo em relação ao passado?
Esse olhar de cansaço
É verdadeiro
Entre os dedos na viola
E a mente na saudade…
Esses olhares…. Esses olhares…
Plenos de memória,
Soltos na paisagem…










Não é impossível


Talvez seja impossível
Sorver avisos diversos…
Fazer que o longe
Fique perto.
Talvez seja difícil
A assimilação dos fatos
Relatados nos jornais do dia,
No choro da alegria.
Mas é preciso sempre tentar!
O impossível à primeira vista
Pode ser difícil ao segundo olhar,
Mas factível ao perscrutador
Das horas mansas entre
O longe ficando perto
E o perto à mão, decerto.








GOSTO DA POESIA ABERTA


Reverencio o soneto,
Mas gosto da poesia aberta,
Esta
Em que o verso não se prende,
Te liberta.





Aos olhos de minhas mãos
O tocar é tão visível
Que a luz desnecessária
Se apaga…









À margem


Almas partidas,
Corações amargurados
À margem da lida,
Do senso de chegada
Ou de partida,
Perde-se a despedida.
Os passos passam
Mendigando espaços,
Olhar de remorso
Se reparte em formas
De dissabores idos…
Cães ladram estranhando
Esses pés amachucados
Na contagem regressiva…
Da última varrida.








Ao correr dos dedos


Corri os dedos
No alto de sua cabeça,
Já ao tinhas mais cabelos.
Olhei dentro de teus olhos,
Já não tinham brilho.
Toquei tuas mãos, geladas,
Sentindo que já não estavas…
Para aonde ires agora, fria?
Para ires embora, se não ias?
Corri os dedos
Sobre teus olhos, fechando-os
Em despedida.











Todas as estórias


As estórias
De meu tempo de em criança
Aprendi-as pelas ruas,
Não eram tempos
De estorinhas de mães,
Ocupadas com dez filhos
Em fiada…
Eram tempos duros,
Eram tempos raleados
Do pós guerra…
Tempos de flertar futuros
E esquecer passados…











Onde estão os berços?


As crianças crescem
Fisicamente…
Mas mantemos o colo
Ofertado.
Onde estão os berços
Embalados de seu sono?
Onde a procura pelo colo
Na hora desse sono?
As crianças crescem?
Não para quem os viu nascer
E correr ao portão à chegada…
E depois afastar suas vidas,
Seus estudos, longe,
Suas malas de sonhos…
Como se tivessem autonomia
Para tal aventura.
Onde estão os berços,
Deixados embalançar
Vazios?

Sergiodonadio.blogspot.com
Editoras: Scortecci, Saraiva. 
Incógnita (Portugal) 
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Perse e Clube de Autores




Visita ao zoo


O ser humano 
É o único animal
Que se acostuma
Com paredes









O trivial é o necessário,
O restante é opcional,
Viajar, se possa, e cagar,
Mesmo que não possa.






Toalhas usadas


Há desgostosos
Com a vida…
Outros, desgostosos
Com a morte…
Não penso nisso
Com carinho ou raiva,
Como quando encontro
A toalha molhada…
São coisas inevitáveis.
Penso nas fases da vida
Com o mesmo otimismo
De encontrar toalha seca
E banheiro limpo,
Às vezes não…
Que fazer então?








No jardim público


Sentado no banco do jardim
Em frente à Estação da Luz,
A senhorinha senta-se ao lado
Oferece seus préstimos sexuais.
Quando digo sem interesse
Torna-se ríspida sobre eu estar
Ocupando o seu banco.
Respondo que o banco é público.
Responde- Mas é meu ponto,
E se me vêm acompanhada
Não chegam para acertar,
Perco o programa…
Dou-lhe razão, senhorinha,
Mudo de banco e observo
Sua postura de autoridade
Sobre minha ignara pessoa…
Brigar, pelo que valha a pena,
Ceder pelo que não compensa.





Gaiolas


Ouvi teu canto, passarinho,
Esse teu choro, passarinho,
Faz-me triste observador
Da tua cadeia, que adivinho…






Maltratânças


Ouvi tantas mentiras
Que começo
A contar as minhas…







Miragens


Quando a porta se abre,
O que vês?
A manhã crescendo em folhas?
As pedras da noite passada?
Cada sonho uma resposta,
Cada visão uma análise…
Assim a manhã escorre,
Em vistas e esperas frágeis.
Então,
O que vês na manhã de hoje
À frente de suas escadas?
Uma miragem.














As mães
Contam estórias
Para as crianças
Perderem
O medo do escuro…
Senhoras,
Contem-me uma estória,
Para perderem-se
Meus medos
De agora?













Quando se parte


Quando se parte
O que fica se apequena ao olhar,
Diante da paisagem
A cada curva… A cada estrada…
As colinas mudam de lugar,
As cercas se interagem.
As vidas são assim
Até que voltemos à origem
E vemos novamente
O tamanho real
Das pessoas que deixamos
Para trás.














POR QUE QUER O HOMEM
CONQUISTAR PLANETAS
SE DESFAZ-SE DESTE,
EM QUE SOBEJA?









Planta-se crimes
Em todas as camadas,
Do ataque a faca
Ao exterminador de raças…






Animalescos


Os homens
E seus ursos amestrados…
Os ursos
E seus homens amestrados…
Desde a idade da pedra
Quem amestra quem
Nessa hierárquica
Paisagem?















Onde não estou?


Na noite quente, ensonada,
Fico me vendo nos lugares visitados,
Onde ainda estou, de algum modo,
E que talvez nem tenha estado…
Mas me encontro e me conheço
Nessa praça das estátuas, elas
Não vão lembrar, éramos jovens então
Quando lhes contei segredos menores
E com elas dividi o quente da hora.
Onde não estou, se não me encontro
Em mim, agora?












Descubro-me em cada verso


Descubro-me em cada verso,
Lenhador ou lenhado…
Sujeito à dor de ter vivido
No passado
Trago no peito a palavra
Vencida pelo cansaço.
Trago na mente este torpor
De viajado…
Trago no gesto o que sou,
O universo em um átomo.
Procuro-me nas frases soltas,
Nas horas percebidas ser,
Encontro-me aqui, nessa esquina
Entre o pensar e o escrever.
Somos pares, intimamente ligados,
Eu e este nó na garganta,
Envergonhados.


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